Grão-Canato Ávaro

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O Grão-Canato Ávaro foi uma confederação altamente organizada de povos turcos nômades, um grão-canato, fundado pelos ávaros eurasianos no início da Idade Média. Os ávaros, por sua vez, eram uma confederação de tribos eurasianas que emigraram das estepes da Ásia Central. O grão-canato foi fundado na região dos Cárpatos em 567 e perdurou até 804.

Grão-Canato Ávaro
587 — 804 
Região
Países atuais

Línguas oficiais túrquico ávaro
Religião Tengriismo

Grão-cã
• 562-602  Beano I

Período histórico
• 587  Fundação
• 804  Conquista pelo Império Carolíngio

História editar

Chegada na Europa editar

Os ávaros chegaram à região ao norte do Cáucaso em 557 e enviaram uma embaixada a Constantinopla, o primeiro contato com o Império Bizantino. Em troca de ouro, eles concordaram em subjugar as "gentes selvagens" em nome dos bizantinos. Eles conquistaram e incorporaram várias tribos nômades nesta época — os protobúlgaros das tribos cutrigures, onogures e utigures e os sabires — e derrotaram os eslavos da tribo dos antas. Já em 562, os ávaros controlavam as estepes ao norte do mar Negro e a região do baixo Danúbio.[1] Quando chegaram aos Bálcãs, os ávaros formavam um grupo heterogêneo de aproximadamente 20 000 cavaleiros e suas famílias.[2]

Depois que o imperador bizantino Justiniano I (r. 527–565) os subornou, eles avançaram em direção noroeste, invadindo a Germânia. Porém, os francos interromperam o avanço às margens do rio Elba. Buscando pastos para o seu gado, os ávaros inicialmente exigiram terras ao sul do rio Danúbio (a região onde hoje está a Bulgária), mas os bizantinos se recusaram[3] e utilizaram seus contatos com os goturcos, antigos mestres dos ávaros, para dissuadi-los. Desta forma, os ávaros voltaram sua atenção para a planície dos Cárpatos e para as defesas naturais que ela apresentava.[4] Porém, a região já era ocupada na época pelos gépidas. Em 567, os ávaros assinaram uma aliança com os lombardos, inimigos deles, e, juntos, os dois povos invadiram e destruíram a maior parte do nascente Reino Gépida. Os ávaros então persuadiram os lombardos a se mudarem para a região norte da Itália (onde eles fundariam um reino que duraria dois séculos), a última migração em massa de povos germânicos do Período das Migrações.

Continuando a vitoriosa política externa de lançar os vários povos bárbaros uns contra os outros, os bizantinos convenceram os ávaros a atacarem os esclavenos da Cítia Menor, uma terra rica em espólios e que jamais havia sido conquistada antes.[5] Após terem devastado a maior parte da região, os ávaros retornaram para a Panônia, mas não antes de muitos dos súditos do grão-cã terem desertado para o lado bizantino. Por volta de 600, os ávaros haviam fundado um império nômade que se estendia da região de Nórica (atual Áustria) no ocidente até as estepe pôntica-caspiana no oriente, governando diversos povos.

580-670:Período inicial editar

Evolução territorial do Grão-Canato Ávaro
Em 550, antes da chegada dos ávaros
Em 680, no auge da expansão territorial
Em 800, às vésperas da destruição
Os ávaros estão em amarelo

Por volta de 580, o grão-cã Beano I consolidou a supremacia militar dos ávaros sobre os huno-búlgaros, eslavos e germânicos.[6] Quando o Império Bizantino não conseguia pagar tributo ou contratar os mercenários ávaros, eles invadiam as terras imperiais. De acordo com Menandro, Beano comandou um exército de 10 000 cutrigures e saqueou a Dalmácia em 568, efetivamente cortando a ligação por terra entre Constantinopla e o norte da Itália e o ocidente. Em 582, os ávaros capturaram Sirmio, uma importante fortaleza na antiga província romana da Panônia. Quando os bizantinos se recusaram a aumentar os tributos, uma exigência do filho e sucessor de Beano, Beano II, os ávaros avançaram e capturaram também Singiduno e Viminácio, todas cidades às margens do Danúbio e parte das defesas da fronteira da Mésia. Os ávaros, contudo, sofreram alguns reveses durante as campanhas de Maurício nos Bálcãs durante a década de 590. Após terem sido derrotados em seu próprio território, alguns ávaros desertaram para os bizantinos em 602,[7] mas o imperador Maurício (r. 582–602) decidiu que o exército não deveria voltar para casa, como era o costume, e que deveria invernar ao norte do Danúbio. Uma revolta irrompeu e deu aos ávaros um respiro que eles desesperadamente precisavam. A guerra civil que se seguiu incitou a retomada das hostilidades com o Império Sassânida no oriente e, depois de 615, os ávaros novamente estavam livres para atacar os Bálcãs. Eles tentaram uma invasão no norte da Itália em 610 e conseguiram arrancar dos bizantinos pagamentos que chegavam ao total de 200 000 soldos em ouro e mercadorias antes de 626.[8]

Em 626, o cerco de Constantinopla por uma força conjunta ávaro-sassânida fracassou e o prestígio e poder dos ávaros declinou a partir daí. Os bizantinos e os francos relatam uma guerra entre eles e seus clientes eslavos a oeste, os vendos.[9] Na década de 630, Samo, o governante do primeiro estado eslavo conhecido, a "União Tribal [ou reino ou império] de Samo", aumentou sua autoridade sobre os territórios a norte e oeste do grão-canato às custas dos ávaros.[a]

Na mesma época do reinado de Samo, o grande cã da Bulgária Cubrato, do clã Dulo, liderou uma revolta vitoriosa contra a autoridade ávara sobre a planície panônica, fundando o que os bizantinos costumavam de chamar "Antiga Grande Bulgária". A guerra civil, possivelmente um conflito sucessório na Onogúria entre os partidos ávaro-cutrigur de um lado e as forças utigures de Cubrato do outro, durou de 631-632. O poder ávaro-cutrigur foi destruído e os ávaros passaram para o jugo da "Pátria Onogúria" ("Terra dos Onogures") — a Antiga Grande Bulgária. O cronista Fredegário relatou que 9 000 búlgaros buscaram asilo fugindo para a Baviera, apenas para serem massacrados pelo rei franco Dagoberto I. Alguns permaneceram na Onogúria, porém, e ficaram conhecidos como "cozariques" (que ainda estavam na região da Transilvânia na época de Menumorut). Após a morte de Cubrato, uma nova luta pelo poder irrompeu. O grupo que estava na região oriental da Onogúria migrou para norte do rio Volga e fundou um estado, a Bulgária do Volga. Os que ficaram para trás, entre a Transilvânia e a região da moderna Ucrânia, foram assimilados pelos cazares.

670-720: Período intermediário editar

O cã Cubrato morreu em 665 e foi sucedido pelo cã Beano da Bulgária. Em 670, os cazares haviam destruído a unidade da confederação búlgara, obrigando uma parte dos búlgaros utigures a migrar para o ocidente. A Crônica Iluminada relata 677 como sendo o ano em que o grupo étnico "húngaro" (búlgaros onogures) terem se estabelecido definitivamente na Panônia. Este novo elemento étnico (com seus característicos cabelos presos em rabos-de-cavalo, sabres curvos de corte único e arcos largos e simétricos) é a principal característica do período ávaro-búlgaro (670–720). Um grupo de búlgaros onogures, liderados pelo cã Cuber, derrotou os ávaros em Sírmio e marchou para o sul, se assentando na região da Macedônia. Outro grupo de búlgaros onogures e utigures, liderados pelo cã Asparuque (o pai do cã Tervel), já tinha se estabelecido de forma definitiva nos Bálcãs entre 679 e 681 e fundou o Primeiro Império Búlgaro. Embora o Grão-Canato Ávaro tenha diminuído à metade de seu tamanho original, ele consolidou seu controle sobre as partes centras da região do médio Danúbio e estendeu sua esfera de influência para o ocidente, até a planície vienense. Com a morte de Samo (658), algumas tribos eslavas novamente caíram sob o jugo dos ávaros. Novos centros regionais emergiram, como os de Ozora e Igar (condado de Fehér, na moderna Hungria), e reforçaram a base de poder ávaro. Contudo, a maior parte dos Bálcãs agora estava nas mãos dos eslavos, uma vez que nem os bizantinos e nem os ávaros foram capazes de reafirmar sua posição na região.

No início do século VIII, uma nova cultura arqueológica apareceu na região dos Cárpatos, a cultura do "grifo e do cacho". Alguns acadêmicos (como a teoria da "dupla conquista" do arqueólogo Gyula Lászlo) tentam atribuir o fato à chegada de novos colonos, como os primeiros magiares, mas o tema ainda gera controvérsias. Os arqueólogos húngaros Laszló Makkai e András Móczy atribuem esta cultura à evolução interna dos ávaros resultante da integração dos emigrantes búlgaros da geração anterior (a da década de 670): "[…] a cultura material — arte, roupas, equipamentos, armas — do final do período ávaro-búlgaro evoluíram autonomamente a partir destas novas fundações". Muitas regiões que haviam sido importantes centros do grão-canato perderam importância enquanto novas emergiram. É importante notar que, embora elementos da cultura material ávara possam ser encontrados por toda a região norte dos Bálcãs, eles provavelmente representam a presença de eslavos independentes que adotaram costumes ávaros.[10]

720-804: Declínio e colapso editar

O gradual declínio do poder ávaro acelerou-se para uma destruição total no espaço de uma década. Uma série de campanhas francas na década de 790 lideradas por Carlos Magno terminaram com a conquista do Grão-Canato Ávaro e anexação da maior parte da Panônia, até pelo menos o rio Tisza. A ocupação ávara terminou quando uma força eslavo-croata, liderada pelo príncipe Vojnomir da Croácia Panônica, e apoiada pelos francos, lançou um contra-ataque em 791.[11][12] A ofensiva foi um sucesso e os ávaros foram expulsos da Croácia Panônica.[12] Carlos Magno conquistou outra grande vitória contra os ávaros em 796[13].

A canção "De Pippini regis Victoria Avarica", que celebra a derrota dos ávaros pelas mãos de Pepino da Itália em 796, ainda existe. Os francos batizaram muitos ávaros e os integraram no Império Franco ([…] (sc. ávaros) autem, qui obediebant fidei et baptismum sunt consecuti […]). Em 804, o Primeiro Império Búlgaro conquistou a Transilvânia, a porção sudeste do território ávaro, e a região sudeste da Panônia até o médio Danúbio e muitos ávaros se tornaram súditos dos búlgaros. Os francos então transformaram as terras ávaras sob seu controle numa marca militar. A metade oriental desta marca foi então concedida ao príncipe eslavo Pribina, que fundou o Principado de Balaton em 840. A outra metade da chamada Awarenmark continuou a existir até 871, quando foi anexada pelas marcas da Caríntia e Oriental.

Após a queda do Grão-Canato Ávaro, o nome "ávaro" e a autoidentidade étnica que ele carregava desapareceram no espaço de uma geração. Uma presença ávara na Panônia é certa em 871, mas, daí em diante, o nome deixou de ser utilizado pelos cronistas: "Mostrou-se impossível manter a identidade ávara após as instituições e as grandes aspirações de suas tradições terem fracassado".[14] Os ávaro já vinham se misturando com os muito mais numerosos eslavos por gerações e eles posteriormente cairiam sob o jugo de potências estrangeiras, como os francos, os búlgaros e da Grande Morávia.[15] Na metade do século IX, tudo o que restava do estado ávaro havia desaparecido e os ávaros da região conhecida como solitudo avarorum (atualmente chamada de Alföld) desapareceram como "povo" em três gerações. Eles lentamente se mesclaram com os eslavos para criar um povo bilíngue turco-eslavo que foi dominado pelos francos, e foi este povo que os magiares encontraram no final do século IX quando invadiram a região.[16]

Notas

  1. O destino do império de Samo após a sua morte é incerto e geralmente se assume que ele tenha desaparecido. Achados arqueológicos demonstram que os ávaros retomaram seus antigos territórios (até, pelo menos, a parte sul da moderna Eslováquia) e iniciaram uma relação simbiótica com os eslavos, enquanto que, ao norte do território ávaro, a população era puramente da tribo eslava dos vendos. A primeira notícia específica sobre os eslavos e ávaros nesta região foi a da existência, no final do século VIII, de principados morávios e nítrios (veja Grande Morávia), que lutavam contra os ávaros. Posteriormente o grão-canato seria derrotado no confronto com as forças de Carlos Magno em 799 ou 802-803.

Referências

  1. Walter Pohl, "Conceptions of Ethnicity in Early Medieval Studies", Debating the Middle Ages: Issues and Readings, ed. Lester K. Little and Barbara H. Rosenwein, (Blackwell), 1998, pp 13-24) p. 18 (On-line text).
  2. Curta, Florin. The Making of the Slavs: History and Archaeology of the Lower Danube Region, c. 500–700. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. ISBN 0-521-80202-4.
  3. Evans, James Allan Stewart (2005). The Emperor Justinian And The Byzantine Empire. Col: Greenwood Guides to Historic Events of the Ancient World. [S.l.]: Greenwood Publishing Group. p. xxxv. ISBN 9780313325823. Consultado em 24 de janeiro de 2013 
  4. History of Transylvania, Volume I. László Makkai, András Mócsy. Columbia University Press. 2001
  5. Florin Curta. The Making of the Slavs
  6. Pohl 1998:18.
  7. Walter Pohl, Die Awaren (Munich) 2.ed.2002., page 158.
  8. Walter Pohl, Die Awaren (Munich) 1.ed.1988.
  9. Curta, Florin. The Making of the Slavs: History and Archaeology of the Lower Danube Region, c. 500–700. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. ISBN 0-521-80202-4.
  10. László Makkai and András Mócsy, editors, 2001. History of Transylvania, II.4 "The period of Avar rule"
  11. Sinor, Denis (1990). The Cambridge history of early Inner Asia. New York: Cambridge University Press. p. 219. ISBN 0-521-24304-1 
  12. a b Dvornik, Francis (1959). The Slavs: their early history and civilization. [S.l.]: American Academy of Arts and Sciences. p. 69 
  13. Fine, John Van Antwerp (1991). The early medieval Balkans: a critical survey from the sixth to the late twelfth century. [S.l.]: University of Michigan Press. p. 78. ISBN 0-472-08149-7 
  14. Pohl 1998:19.
  15. The early medieval Balkans. John Fine, Jr
  16. András Róna-Tas, Hungarians and Europe in the early Middle Ages: an introduction to early Hungarian history, Central European University Press, 1999, p. 264

Bibliografia editar

  • Curta, Florin. The Making of the Slavs: History and Archaeology of the Lower Danube Region, c. 500–700. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. ISBN 0-521-80202-4.
  • Dvornik, Francis (1959). The Slavs: their early history and civilization. [S.l.]: American Academy of Arts and Sciences. p. 69 
  • Evans, James Allan Stewart (2005). The Emperor Justinian And The Byzantine Empire. Col: Greenwood Guides to Historic Events of the Ancient World. [S.l.]: Greenwood Publishing Group. p. xxxv. ISBN 9780313325823. Consultado em 24 de janeiro de 2013 
  • Fine, John Van Antwerp (1991). The Early Medieval Balkans: A critical survey from the sixth to the late twelfth century. [S.l.]: University of Michigan Press. p. 78. ISBN 0-472-08149-7 </ref>
  • László Makkai & András Mócsy, editors, 2001. History of Transylvania, II.4, "The period of Avar rule"
  • Walter Pohl, "Conceptions of Ethnicity in Early Medieval Studies", Debating the Middle Ages: Issues and Readings, ed. Lester K. Little and Barbara H. Rosenwein, (Blackwell), 1998, pp 13-24) p. 18 (On-line text).
  • András Róna-Tas, Hungarians and Europe in the early Middle Ages: an introduction to early Hungarian history, Central European University Press, 1999.
  • Sinor, Denis (1990). The Cambridge history of early Inner Asia. New York: Cambridge University Press. p. 219. ISBN 0-521-24304-1 
 
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