Graxaim-do-campo

espécie de canino
 Nota: Para outros significados, veja Graxaim.
 Nota: Não confundir com Raposa-do-campo.

O graxaim-do-campo (nome científico: Lycalopex gymnocercus)[1] é um mamífero carnívoro da família dos canídeos endêmico da América do Sul, sendo encontrado preferencialmente nos campos úmidos da Bolívia, Paraguai, Uruguai, Argentina, e sul do Brasil.[3][4] Também é conhecido como raposa-dos-pampas, guaraxaim (do guarani aguara cha'î) e sorro (do espanhol zorro). Nos países de língua espanhola, é conhecido como aguarachay ou zorro pampeano.

Como ler uma infocaixa de taxonomiaGraxaim[1]

Estado de conservação
Espécie pouco preocupante
Pouco preocupante [2]
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Carnivora
Família: Canidae
Género: Lycalopex
Espécie: L. gymnocercus
Nome binomial
Lycalopex gymnocercus
( Fischer, 1814)
Distribuição geográfica
Distribuição geográfica
Distribuição geográfica

É uma raposa sul-americana (gênero Lycalopex), assim chamado pois se assemelha às "raposas verdadeiras" (gênero Vulpes); no entanto, esta semelhança é apenas resultado da evolução convergente, pois as espécies do gênero Lycalopex são mais próximas de lobos e chacais que das raposas do gênero Vulpes.

Descrição

editar
 
Graxaim no Parque Nacional de Aparados da Serra

O graxaim-do-campo é um canídeo de tamanho médio, um pouco maior que o graxaim-do-mato (Cerdocyon thous) e semelhante à raposa-colorada em aparência e tamanho, mas possui um focinho mais largo, pelo avermelhado na cabeça e pescoço e uma marca preta no focinho. Seu crânio é um tanto triangular, com uma longa região facial e uma crista interparietal robusta e alta.[4] O tamanho do corpo varia geograficamente. Em geral, os adultos variam de 51 a 80 cm e pesam 2,4 a 8,0 kg; os machos são cerca de 10% mais pesados que as fêmeas.

Sua pelagem é densa e acinzentada pela maior parte do corpo, com uma linha escura corre ao longo do centro das costas e cauda. A parte superior e as laterais da cabeça são avermelhadas. O focinho é preto até aos cantos da boca, uma característica que os distingue da semelhante raposa-colorada (Lycalopex culpaeus). As orelhas são triangulares, largas e relativamente grandes, avermelhadas na superfície externa e brancas na interna. As costas, ombros e flancos são cinzentos. A cauda é relativamente longa e espessa com uma ponta preta. A barriga e a superfície interna das pernas são cinza claro a esbranquiçado. Membros posteriores são cinza lateralmente com porções distais avermelhadas. A superfície lateral dos membros anteriores é avermelhada.[4] Os animais na parte norte de sua área de distribuição têm cores mais vivas.[5]

Distribuição e habitat

editar

O graxaim-do-campo habita o Cone Sul da América do Sul e pode ser encontrado no norte e centro da Argentina, Uruguai, leste da Bolívia, Paraguai e sul do Brasil.[4] Prefere habitats abertos de pampas, muitas vezes perto de terras agrícolas, mas também podem ser encontrados em florestas montanhosas ou chaco, cerrado seco e habitats de pântanos. É mais comum abaixo de 1.000 m (3.300 pés) de elevação, mas pode habitar campos de puna até 3.500 m.[6] Também é comum em cumes, matagais secos, dunas de areia costeiras, florestas abertas e em habitats modificados, como pastagens e áreas cultivadas.[2]

 
Graxaim

Comportamento

editar

Seus hábitos são geralmente crepusculares e noturnos; no entanto, podem apresentar diferentes padrões de atividade em diferentes locais, dando preferência ao hábito noturno na ausência de outras espécies de canídeos, e mostrando atividade diurna quando vivem em simpatria com o noturno cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). No Brasil, são ativos durante o dia e a noite.[7]

É um animal solitário, encontrando-se aos pares na época da reprodução. Eles se refugiam em qualquer cavidade disponível, incluindo cavernas, árvores ocas e tocas de viscachas ou tatus (dasipodídeos; clamiforídeos).[4] Mesmo quando criam filhotes juntos, os graxains adultos geralmente caçam sozinhos, marcando seu território ao defecar em locais específicos.[8] O uso de latrinas e recursos do local de defecação sugerem que as fezes são usadas na comunicação intraespecífica.[4]

Os graxains-do-campo são mais onívoros do que a maioria dos outros canídeos, com uma dieta variada e oportunista. Sua dieta consiste de pequenos mamíferos (como lebres e roedores), aves das ordens Tinamiformes, Passeriformes e Columbiformes, insetos e frutos nativos. Sua dieta parece variar com o habitat e disponibilidade de presas, e também já foi demonstrado ter alteração como um resultado de perturbação humana.[3] Ocasionalmente se alimenta de carniça.[9]

Podem também consumir presas de maior porte como tatus, gambás, lagartos, peixes, moluscos, caranguejos e escorpiões. Embora apresentem grande sobreposição de dieta com Cerdocyon thous no Brasil, esta última espécie é mais frugívora do que L. gymnocercus; também podem apresentar sobreposição de nicho alimentar com o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi) e com o gato-palheiro (Leopardus colocolo). São predados por onças pardas (Puma concolor) e cães domésticos.[3][9]

Reprodução

editar

A reprodução ocorre de julho a outubro, com a fêmea entrando no cio apenas uma vez por ano. Após um período de gestação de 55 a 60 dias, a mãe dá à luz uma ninhada de um até oito filhotes.[3][4] Os filhotes nascem entre setembro e dezembro, e são desmamados por volta dos dois meses de idade. O macho leva comida para a fêmea e seus filhotes, que ficam dentro da toca até alcançarem pelo menos três meses de idade, quando começam a caçar com os pais.[10] As fêmeas atingem a maturidade sexual no primeiro ano, e os graxains são capazes de viver até 14 anos em cativeiro.[4]

 
Lycalopex gymnocercus, ou graxaim-do-campo, no Parque Nacional da Serra Geral

Conservação e ameaças

editar

O graxaim-do-campo aparenta ser tolerante à perturbação humana, sendo comum em áreas rurais. A nível global, o graxaim é considerado como 'Pouco Preocupante' pela IUCN,[2] mas está no Apêndice II da CITES (Convenção Internacional do Comércio de Espécies da Fauna e Flora Ameaçados de Extinção). A espécie é protegida no Paraguai e no Uruguai, mas a caça controlada continua nesses dois países. Já no Brasil, onde a espécie goza de proteção total, não há mercado de pelos nem caça,[5] no entanto, a perseguição direta é comum, principalmente em áreas rurais. Na Argentina, foi declarada não ameaçada em 1983 e seu comércio proibido em 1987. No entanto, esta espécie continua sendo caçada e existe demanda por sua pele.[2]

Como a espécie é frequentemente acusada de predação de aves e ovinos domésticos, é frequentemente perseguida, mesmo onde a caça é oficialmente ilegal. A perseguição direta envolve envenenamento, instalação de trampas ou a tiros.[11] Como o graxaim-do-campo é um predador oportunista e generalista, ele consome principalmente presas selvagens sem a necessidade de se alimentar de gado doméstico,[12] e é improvável que a predação seja significativa.[9] Como não há estudos disponíveis sobre sua dinâmica populacional em ecossistemas rurais, é necessário cautela, pois a soma dessas ameaças pode eventualmente promover o esgotamento das populações de graxains.[2]

O graxaim entrou em situação de alerta no estado do Paraná por sua distribuição restrita, pela caça dele mesmo, pela caça de suas fontes alimentares e pela destruição de seu habitat — monoculturas como soja e pinheiro estão causando sua migração para outras áreas e morte por falta de fontes de alimentação. O gado solto nos campos nativos também é um dos grandes destruidores do seu habitat.[carece de fontes?]

Em 2023 pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal de Pelotas divulgaram a descoberta de um animal híbrido de cão doméstico e graxaim-do-campo[13]. O animal foi atropelado em 2021 no município de Vacaria, resgatado pela Patrulha Ambiental e levado para o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde foi feita a descoberta. Como foi o primeiro caso registrado de híbrido de cão doméstico e canídeo nativo da América do Sul, os pesquisadores ainda não calcularam o impacto da situação, mas já defendem medidas como evitar a presença de animais domésticos em áreas de conservação.

Referências

  1. a b Wozencraft, W.C. (2005). Wilson, D.E.; Reeder, D.M. (eds.), ed. Mammal Species of the World 3 ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press. ISBN 978-0-8018-8221-0. OCLC 62265494 
  2. a b c d e «IUCN red list Lycalopex gymnocercus». Lista vermelha da IUCN. Consultado em 12 de junho de 2022 
  3. a b c d «Avaliação do risco de extinção do graxaim-do-campo, Lycalopex gymnocercus». Instituto Chico Mendes. 12 de agosto de 2013 
  4. a b c d e f g h Lucherini, Mauro; Luengos Vidal, Estela M. (9 de outubro de 2008). «Lycalopex gymnocercus (Carnivora: Canidae)» (PDF). Mammalian Species (820): 1–9. ISSN 0076-3519. doi:10.1644/820.1 
  5. a b Cooper, Travis. «Lycalopex gymnocercus (pampas fox)». Animal Diversity Web (em inglês) 
  6. Claudio Sillero-Zubiri, Michael Hoffmann, David W. Macdonald, eds. (2004). Canids: foxes, wolves, jackals, and dogs (PDF). [S.l.]: IUCN. pp. 63–68. ISBN 978-2-8317-0786-0 
  7. Di Bitetti, Mario S.; Di Blanco, Yamil E.; Pereira, Javier A.; Paviolo, Agustín; Pírez, Ignacio Jiménez (14 de abril de 2009). «Time Partitioning Favors the Coexistence of Sympatric Crab-Eating Foxes (Cerdocyon thous) and Pampas Foxes (Lycalopex gymnocercus)». Journal of Mammalogy. 90 (2): 479–490. ISSN 0022-2372. doi:10.1644/08-MAMM-A-113.1  
  8. García, Verónica B.; Kittlein, M.J. (2005). «Diet, habitat use, and relative abundance of pampas fox (Pseudalopex gymnocercus) in northern Patagonia, Argentina». Mammalian Biology. 70 (4): 218–226. ISSN 1616-5047. doi:10.1016/j.mambio.2004.11.019 
  9. a b c Varela, Omar; Cormenzana-Méndez, Ainhoa; Krapovickas, Lucía; Bucher, Enrique H. (15 de agosto de 2008). «Seasonal Diet of the Pampas Fox (Lycalopex gymnocercus) in the Chaco Dry Woodland, Northwestern Argentina». Journal of Mammalogy. 89 (4): 1012–1019. ISSN 0022-2372. doi:10.1644/07-MAMM-A-125.1. Consultado em 31 de outubro de 2020 
  10. Castelló, José R. Canids of the world : wolves, wild dogs, foxes, jackals, coyotes, and their relatives. Princeton, New Jersey: [s.n.] ISBN 9780691185415 
  11. Giulia Bucheroni (14 de abril de 2020). «Nem cachorro, nem raposa: conheça o graxaim-do-campo». Terra da Gente | G1. Consultado em 31 de outubro de 2020 
  12. García, Verónica B.; Kittlein, M.J. (julho de 2005). «Diet, habitat use, and relative abundance of pampas fox (Pseudalopex gymnocercus) in northern Patagonia, Argentina». Mammalian Biology. 70 (4): 218–226. ISSN 1616-5047. doi:10.1016/j.mambio.2004.11.019. Consultado em 31 de outubro de 2020 
  13. Centamori, Vanessa (22 de agosto de 2023). «Cruzamento de cão e canídeo silvestre no RS é o 1º relatado na América do Sul». Galileu. Consultado em 29 de agosto de 2023 

Ligações externas

editar