Arconte (gnosticismo)

Arconte, no singular (Grego ἄρχων, pl. ἄρχοντες, "alto oficial", "chefe", "magistrado"), seria qualquer um dos seres que foram criados juntamente com o mundo material por uma divindade subordinada chamada o Demiurgo (Criador). Os gnósticos eram dualistas religiosos, que consideraram que a matéria é má e o espírito bom e que a salvação é alcançada através do conhecimento esotérico, ou gnose. Porque os gnósticos do segundo e terceiro séculos - geralmente originados dentro do cristianismo - consideravam o mundo material como definitivamente mau ou como o produto de erro, os arcontes eram vistos como forças maléficas.[1]
O termo aparece como uma designação para seres sobrenaturais nos escritos judeus, cristão, no neoplatonismo e no gnosticismo. Os arcontes podem ser tanto bons ou maus, mas frequentemente o termo designa seres que são hostis ou malévolos.[2]
Hebdomad (Os Sete)Editar
Uma característica fundamental da concepção gnóstica do universo é o papel representado em quase todos os sistemas gnósticos pelos sete arcontes criadores-de-mundos, conhecidos por Hebdomad (ἑβδομάς). Certamente há exceções; por exemplo, Basílides acreditava na existência de um "grande arconte" chamado Abraxas que reinava sobre 365 arcontes;[3] no sistema Valentiano, os Sete são, de certa forma, substituídos pelos Aeons. Estes Sete, portanto, são poderes semi-hostis na maioria dos sistemas e são reconhecidos como as últimas e mais baixas emanações da Divindade; abaixo deles - e frequentemente considerado como derivado deles - vêm o mundo dos poderes demoníacos de fato.
A antiga astronomia ensinava que acima das sete esferas planetárias estava uma oitava, a esfera das estrelas fixas. Na oitava esfera, estes autores ensinam, vive a mãe a quem todos estes arcontes devem sua origem, Sophia ou Barbelo. Na língua destas seitas, a palavra Hebdomad não se refere apenas aos sete arcontes, mas também às regiões celestes regidas por eles; enquanto Ogdóade (gnosticismo) é utilizado como o conjunto das sete com aquela supracelestial.[4]
Os Ofitas aceitavam a existência destes sete arcontes;[5] uma lista quase idêntica é dada no livro Sobre a origem do mundo[6]:
- Yaldabaoth, chamado também de Saclas, Saklas e Samael
- Saturno.
- Nome feminino: Pronoia (Premeditação) Sambathas, "semana".
- Profetas:[7] Moisés, Josué, Amós, Habacuque.
- Do Hebreu yalda bahut (Tohu va bohu),[8] "Criança do Caos"? O mais externo que criou os seis outros e portanto o regente chefe e Demiurgo par excellence. Chamado o "Cara de Leão", leonteides, similar ao Mitraico Leontocephaline.
- Iao
- Sabaoth
- Marte.
- Nome feminino: Divindade.
- Profetas: Elias (profeta), Joel, Zacarias.
- O título "Senhor dos Exércitos" no Antigo Testamento era entendido como um nome próprio, daí Jupiter Sabbas (Yahweh Sabaoth).
- Astaphanos, ou Astaphaios
- Vênus.
- Nome feminino: Sophia (Sabedoria).
- Profetas: Esdras, Sofonias.
- Astraphaios é sem dúvida o planeta Vênus, pois gemas gnósticas com a figura feminina e a legenda ASTAPHE, cujo nome é também usado em encantos mágicos como o nome de uma deusa.
- Elaios, ou Ailoaios, ou às vezes Ailoein
- Horaios
Na forma helenizada do Gnosticismo ou todos ou alguns destes nomes foram substituídos por vícios personalizados. Authadia (Authades), ou Audácia, é uma descrição óbvia de Yaldabaoth, o presunçoso Demiurgo, que tem a cara-de-leão assim como o arconte Authadia. Dos arcontes Kakia, Zelos, Phthonos, Errinnys, Epithymia, o último obviamente representa Vênus. O número sete é obtido colocando um proarconte ou arconte chefe no comando. Que estes nomes são apenas um disfarce para a "Sancta Hebdomas" é claro, pois Sophia, a mãe deles, retém o nome de Ogdóade, Octonatio. Ocasionalmente (por exemplo, entre os Naassenos) encontra-se o arconte Esaldaios, que é evidentemente El Shaddai (Deus todo-poderoso) da Bíblia, e ele é descrito como o arconte "número quatro" (harithmo tetartos).
No sistema dos Gnósticos mencionado por Epifânio de Salamis podemos encontrar como os Sete Arcontes:
- Iao
- Saklas (o principal demônio do Maniqueísmo)
- Seth (ou Sete)
- David
- Eloiein
- Elilaios (provavelmente "En-lil", o "Baal" de Nipur, o antigo deus da Babilônia)
- Yaldabaoth (ou número 6 Yaldaboath, número 7 Sabaoth)
O último livro de Pistis Sophia contém o mito da captura dos arcontes rebeldes, cujos líderes aparecem como um quinteto[9]:
Arcontes MandeanosEditar
No Mandeísmo, encontramos uma concepção diferente e talvez mais primitiva dos Sete, de acordo com a qual eles, junto com sua mãe Namrus (Ruha) e seu pai (Ur), pertence, inteiramente ao mundo das trevas. Eles e sua família são vistos como prisioneiros do deus da luz (Manda-d'hayye, Hibil-Ziva), que os perdoa, os coloca em carruagens de luz, e os designa regentes do mundo.[10]
Arcontes ManiqueístasEditar
Os Maniqueístas prontamente adotaram o costume Gnóstico; e seus arcontes são invariavelmente seres malignos. Eles contam como o ajudante do Homem Primordial, o espírito da vida, capturou os arcontes malignos e os amarrou ao firmamento, ou de acordo com outro relato, os esfolou e formou o firmamento com suas peles.[11] Esta concepção está intimamente ligada ao Mandeísmo, embora nesta tradição o número "Sete" de arcontes se perdeu.
OrigensEditar
Como planetasEditar
Ireneu de Lyon|Ireneu diz: "Sanctam Hebdomadem VII stellas, quas dictunt planetas, esse volunt.". Portanto, é seguro considerar os sete nomes Gnósticos como designando as sete "estrelas", o Sol, a Lua e os sete planetas. No sistema Mandeísta, os Sete são introduzidos com os nomes babilônicos dos planetas. A conexão dos Sete com os planetas é também claramente estabelecida pelas exposições de Celso e Orígenes[12] e igualmente pelas páginas já mencionadas de Pistis Sophia, onde os arcontes, aqui mencionados como cinco, correspondem aos cinco planetas (sem o Sol e a Lua).
Assim, como em diversos outros sistemas, os restos dos sete planetários foram obscurecidos, mas dificilmente em algum tenha sido totalmente obliterado. O que chegou mais perto foi a identificação do Deus dos Judeus, o Legislador, com Yaldabaoth e sua designação como "criador do mundo", enquanto que anteriormente os sete planetas juntos reinavam sobre o mundo. Contudo, essa confusão foi sugerida pelo fato de que ao menos cinco dos sete arcontes têm nomes de Deus do Antigo Testamento: El Shaddai, Adonai, Elohim, Jeovah e Sabaoth.
Wilhelm Anz (Ursprung des Gnosticismus, 1897) também apontou que a escatologia Gnóstica, que consiste na batalha da alma contra arcontes hostis na sua tentativa de alcançar o Pleroma, tem íntima semelhança com a ascensão da alma na astrologia Babilônica, através dos reinos dos sete planetas até Anu. A religião Babilônica mais tardia pode ser definitivamente apontada como origem destas idéias.[13]
No ZoroastrismoEditar
O Criação Original nos conta sobre o conflito primordial de Satã contra o mundo-luz. Sete poderes hostis foram capturados e transformados em constelações nos céus onde eles eram vigiados por poderes estelares benéficos e impedidos de fazerem o mal. Cinco dos poderes malignos são os planetas, ainda que aqui o Sol e Lua obviamente não sejam reconhecidos como tais pela simples razão de que na religião oficial Persa eles apareciam invariavelmente como divindades benéficas.[14] É preciso notar também que os mistérios de Mitra, tão intimamente conectados com a religião persa, são familiares com esta doutrina da ascensão da alma pelas esferas planetárias[15]
UtilizaçãoEditar
No Judaísmo e no CristianismoEditar
O Novo Testamento menciona diversas vezes a palavra "príncipe" (ἄρχων) "dos demônios" (δαιμονίων), ou "do [deste] mundo", ou "do poder do ar"; mas não usa a palavra verdadeiramente em nenhum sentido cognato. No Levítico (LXX), Αρχων (uma única vez como οἱ Ἄρχοντες em Levítico 20:5) representa, ou melhor, traduz Molech. A verdadeira origem desta utilização porém é Daniel 10:13-21 (seis vezes na tradução de Teodócio; uma claramente na LXX), onde o arconte (שַׂ֣ר, "príncipe") é anjo patrono de uma nação ("Espírito Territorial") da Pérsia, Grécia ou Israel; um nome lhe foi dado apenas no último caso (Miguel).
O Livro de Enoque (vi. 3, 7; viii. 1) denomina 20 "arcontes dentre os" 200 anjos "vigilantes" que pecaram com as "filhas dos homens", como aparece em um fragmentos gregos. O título não é de fato utilizado absolutamente (τ. ἀρχόντων αὺτῶν, Σεμιαζᾶς, ὁ ἄρχων αὐτῶν, bis: conforme ἱ πρώταρχος αὐτῶν Σ.), exceto talvez uma única vez (πρῶτος Ἀζαὴλ ὁ δέκατος τῶν ἀρχόντων), onde o Copta não tem correspondente: mas ele evidentemente acabou se tornando um nome próprio e pode explicar pelo uso peculiar de ἀρχή na Epístola de Tiago (Tiago 1:6).
Os Cristãos logo seguiram o precedente do Judaísmo. No século II d.C., o termo aparece em diversos escritores estranhos ao Gnosticismo. A Epístola de Diogneto (7) fala de Deus enviando aos homens "um ministro ou anjo ou arconte" etc. Justino [16] entende o comando em Salmos 24:7-9 (ἄρατε πύλας οἱ ἄρχοντες ὑμῶν na LXX) para abrir as portas do céu como endereçado "aos arcontes apontados por Deus nos céus". O primeiro espúrio conjunto de epístolas de Inácio de Antioquia enumera "os seres celestes e a glória dos anjos e os arcontes visíveis e invisíveis",[17] e novamente "os seres celestes e as arrumações angélicas e as constituições arcônticas" (ou seja, ordem de províncias e funções), "coisas visíveis e invisíveis";[18] o sentido sendo desconhecido no tempo do interpolador, que em um caso retira a palavra e em outros, dá a elas um sentido político. As Homilias Clementinas (I Clemente, II Clemente) adotam e estendem (ἐν ᾅδῃ . . . ὁ ἐκεῖ καθεστὼς ἄρχων)[19] o uso do Novo Testamento; e ainda chamam os dois "poderes" bom e mau ("esquerda e direita"), que controlam o destino de cada homem, "regentes" (arcontes[20]), embora mais frequentemente "líderes" (ἡγεμόνες).
Referências
- ↑ Archon - Encyclopædia Britannica (em inglês)
- ↑ Rosemary Guiley (2004). The Encyclopedia of Angels. [S.l.]: Infobase Publishing. pp. 51–. ISBN 978-1-4381-3002-6. Consultado em 22 de abril de 2013
- ↑ Adversus Haereses. i.24. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) em inglês - ↑
Stromata (em inglês). IV.25.xxv. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) - ↑ Contra Celsum. vi.31. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) em inglês - ↑ Para "nomes femininos", veja Robinson, James M. (1990). «On the Origin of the World, translated by Hans-Gebhard Bethge and Bentley Layton». The Nag Hammadi Library, revised edition. San Francisco: HarperCollins. Para planetas, "Gnosticism" na edição de 1913 da Enciclopédia Católica (em inglês). Em domínio público.
- ↑ "Adicionalmente, eles distribuem os profetas da seguinte maneira.... Cada um destes, então, glorifica seu próprio pais e Deus, eles mantém que Sophia, ela própria tendo também dito muitas coisas através deles em relação ao primeiro Anthropos (homem), à respeito de Cristo que está acima, portanto advertindo e lembrando os homens da luz incorruptível, o primeiro Anthropos, e da vinda de Cristo." (Adversus Haereses. i. 30. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda), em inglês) - ↑ Frase de Gênesis 1:2 da bíblia em hebraico e que geralmente é traduzida como "sem forma e vazio" (caos), que era a condição da criação antes de Deus dizer "Faça-se a Luz".
- ↑ Schmidt, Koptisch-gnostische Schriften, p. 234 seq. Estas idéias podem provavelmente ser encontradas mais antigamente e talvez estejam por trás da exposição de Paulo em Colossenses 2:15.
- ↑ Conforme principalmente Genza, em Tractat 6 and 8; W. Brandt, Mandäische Schriften, 125 e seguintes e 137 e seguintes; Mandäische Religion, 34 e seguintes da Vários autores (1911). «Gnosticism». In: Chisholm, Hugh. Encyclopædia Britannica. A Dictionary of Arts, Sciences, Literature, and General information (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público), Volume 12, página 154 - em inglês
- ↑ F. C. Baur, Das manichäische Religionssystem, v. 65 da Vários autores (1911). «Gnosticism». In: Chisholm, Hugh. Encyclopædia Britannica. A Dictionary of Arts, Sciences, Literature, and General information (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público), Volume 12, página 154 - em inglês
- ↑ Contra Celsum. vi.2. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) em inglês - ↑ Zimmern, Keilinschriften in dem alien Testament, ii. p. 620 e seguintes.; conforme particularmente Bibliotheca Historica. ii. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda), capítulo 30 - ↑ Conforme idéias similares no tratado árabe sobre a religião Persa Vullers. Fragmente über die Religion Zoroasters. Ulema-i-Islam. [S.l.: s.n.], página 49, e em outras fontes posteriores sobre a religiação persa, unificadas em Spiegel. Eranische Altertumskunde. ii. [S.l.: s.n.], página 180
- ↑ Contra Celsum. vi.22. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) em inglês - ↑ Dialogue with Trypho. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) capítulo 36 - em inglês - ↑ Ad Smyrnaean. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) capítulo 6 - ↑ Ad Trallian. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) capítulo 5 - ↑ The Clementine Homilies. xi.10. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda) - ↑ The Clementine Homilies. vii.3. [S.l.: s.n.]
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em Authors list (ajuda)
BibliografiaEditar
- A Greek-English Lexicon (conhecido também como "Liddell and Scott"). [S.l.: s.n.] ISBN 0198642261
- The Oxford Companion to Classical Literature. [S.l.: s.n.] ISBN 0198661215
- Este artigo se utiliza de textos de A Dictionary of Christian Biography, Literature, Sects and Doctrines, Being a Continuation do "The Dictionary of the Bible" por William Smith (Lexicógrafo) e Henry Wace.