Leão I, o Trácio
Flávio Valério Leão (em latim: Flavius Valerius Leo), ainda chamado Flávio Valério Leão (I) Augusto (em latim: Flavius Valerius Leo Augustus) após sua ascensão e comumente referido como o Grande (Magnus), o Trácio (Thrax),[1] e o Maceles (em latim: Macelles; em grego medieval: Μαχέλλης; romaniz.: Machélles; lit. "o Açougueiro"),[2] foi um imperador do Império Romano do Oriente, reinando de 7 de fevereiro de 457 até sua morte em 18 de janeiro 474. Membro de uma família traco-romana de origem bessa, nasceu em 401 ou 411 na Dácia Aureliana ou Trácia de pais incertos. Iniciou a sua carreira como oficial militar e em cerca de 457 já ocupava as posições de tribuno e conde. Em 7 de fevereiro, Áspar nomeou-o imperador, quiçá almejando torná-lo um governante títere.
Leão I | |
---|---|
Busto de Leão no Louvre | |
Imperador Romano do Oriente | |
Reinado | 07 de fevereiro de 457-18 de janeiro de 474 |
Antecessor(a) | Marciano |
Sucessor(a) | Leão II |
Nascimento | ca. 401 ou 411 |
Morte | 18 de janeiro de 474 |
Cônjuge | Élia Verina |
Descendência | |
Dinastia | leonina |
Religião | catolicismo |
Cogovernante | Júlio Patrício |
Ao assumir, reconheceu Majoriano (r. 457–461) como imperador do Império Romano do Ocidente, mas recusou a aceitar o usurpador Líbio Severo (r. 461–465). Em 466, apoiou militarmente o pretendente Antêmio (r. 466–472) ao trono do Império Romano do Ocidente. Em 468, fizeram enorme ação conjunta para atacar o Reino Vândalo de Genserico (r. 428–477) visando reconquistar Cartago, mas o empreendimento terminou em desastre. Nos anos seguintes, Leão contou cada vez mais com tropas oriundas da Isáuria com as quais pretendia contrabalancear o poder das tropas germânicas de Áspar, cuja execução ordenou em 471. Em 474, lançou campanha bem sucedida liderada por Júlio Nepos (r. 474–475) para usurpar o trono ocidental de Glicério (r. 473–474). Faleceu em 18 de janeiro e foi sucedido no trono por seu neto Leão II (r. 474).
Vida
editarOrigens e família
editarLeão nasceu em cerca de 401 ou 411 na Dácia Aureliana, então pertencente à prefeitura pretoriana da Ilíria, ou na Trácia, na prefeitura pretoriana do Oriente. Provinha de uma humilde família daco-romana (Cândido Isauro)[3] ou traco-romana da tribo bessa (João Malalas e Jordanes).[4] Nada mais se sabe sobre sua família, exceto que teve irmã de nome Eufêmia. Se casou antes de 457 com Élia Verina e o casal gerou filhos: Ariadne, que nasceu antes de Leão ascender e se casou com Zenão (r. 474–491); Leôncia, que nasceu em 457 e se casou com o usurpador Marciano, filho do futuro imperador Antêmio (r. 466–472); e um jovem de nome desconhecido, que faleceu com cinco meses em 463 e que teve seu horóscopo lido por Retório.[5] De Ariadne e Zenão, nasceu Leão II, que sucedeu brevemente o avô antes de falecer e ser sucedido por seu pai Zenão.[2]
As Crônicas georgianas, uma compilação do século XIII de fontes antigas, relata o casamento do rei Vactangue I da Ibéria (r. 446–522) e Helena, alcunhada como "filha do imperador", que nesse contexto foi entendido como "parente do imperador". A união selou o pacto de Vactangue com Zenão contra o Império Sassânida de Perozes I (r. 459–484) e, desse modo, a historiografia interpretou que Helena fosse parente de Zenão e filha de Leão, pois o primeiro era genro do segundo.[6] Cyril Toumanoff identificou que dessa união nasceram Mitrídates e Leão,[7] pai do príncipe Gurgenes I (r. 588–590).[8]
Ascensão
editarLeão fez carreira no exército imperial e era membro do séquito do poderoso general Áspar.[9] Em 457, surge como chefe das tropas estacionadas em Selímbria e seu título era de conde e tribuno dos maciários (em latim: comes et tribunus Mattiariorum).[10] Em 27 de janeiro, foi eleito como sucessor de Marciano (r. 450–457), da extinta dinastia teodosiana (r. 378–457), que faleceu sem descendência ou sucessor designado.[11] É possível que sua aclamação tenha tido apoio de Áspar, que pretendia colocar no trono um títere.[1] Além disso, uma fonte posterior afirma que o senado se ofereceu para eleger o próprio Áspar, que recusou, com o comentário enigmático "temo que uma tradição no poder possa ser iniciada através de mim", que quiçá alude ao fato de que era ariano.[12] Embora Marciano tivesse um genro, Antêmio, este não tinha nenhuma conexão com a dinastia reinante e não seria considerado legítimo.[13] A coroação de Leão ocorreu em 7 de fevereiro e foi a primeira que envolveu o patriarca de Constantinopla,[a] o exército e o senado.[2][14] Segundo João, o Lídio, um prefeito pretoriano financiou pinturas que retratavam a ascensão do imperador.[15]
Política externa
editarOstrogodos
editarEm seu reinado, a paz firmada por Teodósio II (r. 408–450) com o xá Vararanes V (r. 420–438) após a guerra de 421–422 foi mantida, lhe permitindo se concentrar noutras frentes, sobretudo os Bálcãs, o Reino Vândalo da antiga África proconsular e o Império Romano do Ocidente. Com a morte de Átila (r. 434–453), o Império Huno desintegrou sob seus sucessores imediatos. No rescaldo, dois grupos de ostrogodos, o liderado por Teodorico Estrabão e outro por Valamiro[2] e seus irmãos Teodomiro e Videmiro, chegaram aos Bálcãs e se assentaram, o primeiro na Trácia e o segundo na antiga Panônia. Em 457, Leão cancelou o acordo com os godos panônios no qual os romanos pagavam subsídio anual a eles. Em 458/459, Valamiro enviou embaixada para Constantinopla para interrogá-lo, porém se mostrou falha. Além disso, os embaixadores souberam do quão bem estava Teodorico Estrabão e seus ostrogodos trácios; mantinham relações amistosas com o Império Romano do Oriente, talvez como federados, recebendo subsídio anual.[16] Isso abriu margem para que iniciasse as hostilidades no mesmo ano;[16] Hyun Jin Kim sugere que a derrota de Tuldila, um bárbaro que fez operações militares no Danúbio em 458,[17] também pode tê-lo influenciado.[18] Valamiro invadiu Ilírico em 459/462, mas foi parado pelo futuro imperador Antêmio.[19] Os conflitos continuaram até 461/462, quando seu sobrinho Teodorico, o Amal foi enviado a Constantinopla como refém e Leão concordou em pagar 136 quilos anuais de ouro.[20] Em meados de 460, Valamiro realizou campanha com apoio imperial contra os sármatas sadagares ou sadages, que habitavam o interior da Panônia.[21][22]
Em data desconhecida durante os anos 460, talvez por volta de 465, os esciros invadiram o Reino Ostrogótico da Panônia por incitação do rei suevo Hunimundo. No conflito, Valamiro foi derrubado de seu cavalo e morto por seus inimigos e sucedido por Teodomiro.[23] Em ca. 469/470, Teodorico e Videmiro enfrentaram uma coalizão bárbara sob Hunimundo, Alarico, Edecão, Onulfo, Babas e Beuca e auxiliada por tropas romanas enviadas por Leão na Batalha de Bolia. Segundo a Gética de Jordanes, os ostrogodos foram vitoriosos e firmemente se estabeleceram no curso médio do Danúbio[24] ao mesmo tempo em que atacaram os suevos e seus aliados alamanos.[25] Apesar do relato, o historiador Hyun Jin Kim alega ser provável que os ostrogodos perderam o conflito, pois se verifica pelos anos seguintes que os povos supostamente derrotados estavam controlando antigos domínios ostrogóticos da região: rúgios dominaram Nórico e gépidas, esciros e hérulos a Panônia.[26] Em 471, Teodorico Estrabão estava na Trácia e governava os ostrogodos da região. Com o assassinato de Áspar por ordens de Leão no mesmo ano, os partidários do ministro assassinado provocaram agitações na capital. Estrabão e Óstris queriam vingá-lo, mas foram derrotados nas cercanias de Constantinopla por excubitores sob Zenão e Basilisco.[27][28]
Aproximadamente em 472, Teodorico, o Amal foi devolvido a seu pai Teodomiro.[25] Em 473, possivelmente por conta da carência de recursos, Teodomiro enviou Videmiro numa expedição na Itália de Glicério (r. 473–474), enquanto marchou com seu filho ao Império Romano do Oriente.[29] Ali, atacou Ilírico e tomou Dirráquio[30] e Naísso e foi a Salonica com Teodorico. Antes de atacá-la, acordou com o patrício Hilariano uma trégua segundo a qual muitos ostrogodos seriam assentados em cidades da Macedônia, onde Cirro tornar-se-ia a nova sede do Estado federado de Teodomiro;[31] os autores da PIRT suspeitam que a negociação relatada por Jordanes seja uma confusão com a embaixada de 479 enviada para Teodorico, o Amal.[32]
No mesmo ano, Estrabão retornou à Trácia, onde agrupou um grande exército, que os historiadores sugerem ser formado por cerca de 10 000 soldados.[33] Seus seguidores rapidamente cresceram em número, e foi aclamado rei.[34] Nessa posição, exigiu ser reconhecido por Leão como rei único dos ostrogodos, que todos os desertores lhe fossem entregues, que seu povo fosse assentado na Trácia, que a herança institucional e material de Áspar a ele legada fosse entregue e que fosse nomeado mestre dos soldados.[35][36] O imperador tencionava recusar-se a aceitar os termos, aceitando só nomeá-lo mestre na condição de que jurasse servi-lo como aliado. De modo a pressionar Leão a aceitar suas condições, deslocou soldados por cidades da via Egnácia, enviando parte deles para atacar Filipos (ou Filipópolis), enquanto liderou os homens restantes para atacar e ocupar Arcadiópolis. Quando os godos ficaram quase sem recursos, Estrabão assinou a paz com Leão, nos termos da qual os romanos foram obrigados a pagar cerca de 907 quilos de ouro, a reconhecer a independência de Estrabão e a conceder a ele o posto de mestre dos soldados na presença.[37][38]
Ver também
editar
Precedido por Marciano |
Imperador bizantino 457 - 474 |
Sucedido por Leão II |
Notas
editarReferências
- ↑ a b Editores 1998.
- ↑ a b c d Elton 1998.
- ↑ Friell 1998, p. 174.
- ↑ Vagi 2000, p. 600.
- ↑ Martindale 1980, p. 663-664.
- ↑ Toumanoff 1963, p. 367-368, nota 40.
- ↑ Martindale 1992, p. 890.
- ↑ Rapp 2000, p. 570-576.
- ↑ Bury 1889, p. 228.
- ↑ Martindale 1980, p. 664.
- ↑ Bury 1889, p. 227-228.
- ↑ Lee 2013, p. 98.
- ↑ Nathan 1998.
- ↑ Ostrogorsky 1997, p. 84.
- ↑ Cutler 1991, p. 938.
- ↑ a b Wolfram 1990, p. 262.
- ↑ Martindale 1980, p. 1131.
- ↑ Kim 2013, p. 114.
- ↑ Martindale 1980, p. 96.
- ↑ Martindale 1980, p. 1136.
- ↑ Wolfram 1990, p. 264; 374.
- ↑ Kim 2013, p. 117.
- ↑ Martindale 1980, p. 1136; 1069.
- ↑ Wolfram 1990, p. 264-265.
- ↑ a b Martindale 1980, p. 1069.
- ↑ Kim 2013, p. 120.
- ↑ Martindale 1980, p. 1073.
- ↑ Jones 2014, p. 90-91.
- ↑ Martindale 1980, p. 1069-1070.
- ↑ Previté-Orton 1975, p. 108.
- ↑ Wolfram 1990, p. 269-270.
- ↑ Martindale 1980, p. 1070.
- ↑ Wolfram 1990, p. 269.
- ↑ Wolfram 1990, p. 268.
- ↑ Martindale 1980, p. 1073-1074.
- ↑ Wolfram 1990, p. 268-269.
- ↑ Martindale 1980, p. 1074.
- ↑ Heather 2014, p. 34.
- ↑ Naoki 1999, p. 51.
- ↑ Ostrogorsky 1997, p. 85.
Bibliografia
editar- Bury, John Bagnell (1889). «Chapter X - Leo I and Ricimer's Rule in Italy». History of the Later Roman Empire - From Arcadius to Irene (395 A.D. to 800 A.D.) Vol. I. Londres: Macmillan
- Cutler, Anthony J. (1991). «History painting». In: Kazhdan, Alexander. The Oxford Dictionary of Byzantium. Nova Iorque e Oxônia: Imprensa da Universidade de Oxônia. ISBN 0-19-504652-8
- Editores (1998). «Leo I». Britânica Online
- Elton, Hugh (1998). «Leo I (457-474 A.D.)». De Imperatoribus Romanis
- Friell, Gerard; Williams, Stephen (1998). The Rome That Did Not Fall: The Survival of the East in the Fifth Century. Londres: Taylor & Francis. ISBN 978-0-415-15403-1
- Guilland, Rodolphe (1959). «I La destinée des Empereurs de Byzance». Études Byzantines. Paris: Imprensas Universitárias da França
- Heather, Peter; Heather, Peter J. (2014). The Restoration of Rome: Barbarian Popes and Imperial Pretenders. Oxônia: Imprensa da Universidade de Oxônia. ISBN 0199368511
- Jones, A. H. M. (2014). The Decline of the Ancient World. Londres: Routledge. ISBN 131787305X
- Lee, A. D. (2013). From Rome to Byzantium AD 363 to 565: The Transformation of Ancient Rome. Edimburgo: Imprensa da Universidade de Edimburgo. ISBN 978-0-7486-6835-9
- Kim, Hyun Jin (2013). The Huns, Rome and the Birth of Europe. Nova Iorque e Cambrígia: Imprensa da Universidade de Cambrígia. ISBN 1107067227
- Martindale, J. R.; Jones, Arnold Hugh Martin; Morris, John (1980). «Anthemius; Leo 6; Valamir; Tuldila». The Prosopography of the later Roman Empire - Volume 2. A. D. 395 - 527. Cambrígia e Nova Iorque: Imprensa da Universidade de Cambrígia
- Martindale, John R.; Jones, Arnold Hugh Martin; Morris, John (1992). «Mhrdat (Mithridates)». The Prosopography of the Later Roman Empire - Volume III, AD 527–641. Cambrígia e Nova Iorque: Imprensa da Universidade de Cambrígia. ISBN 0-521-20160-8
- Naoki, Keitaro (1999). 『ビザンツ帝国史』[História do Império Bizantino]. Hiratsuca: Imprensa da Universidade de Tocai. ISBN 4486014316
- Nathan, Geoffrey S. (1998). «Marcian (450-457 A.D.)». De Imperatoribus Romanis
- Ostrogorsky, George (1997). History of the Byzantine State. Nova Brunsvique, Nova Jérsei: Imprensa da Universidade Rutgers. ISBN 9780813511986
- Previté-Orton, C. W. (1975). Cambridge Medieval History, Shorter: Volume 1, The Later Roman Empire to the Twelfth Century. Cambrígia: Arquivo da Imprensa da Universidade de Cambrígia. ISBN 0521099765
- Rapp, Stephen H. (2000). «Sumbat Davitis-dze and the Vocabulary of Political Authority in the Era of Georgian Unification». Jornal da Sociedade Oriental Americana. 120 (4)
- Toumanoff, Cyril (1963). Studies in Christian Caucasian History. Washington: Imprensa da Universidade de Georgetown
- Vagi, David L. (2000). Coinage and History of the Roman Empire, c. 82 B.C.– A.D. 480. Chicago: Fitzroy Dearborn. ISBN 9781579583163
- Wolfram, Herwig (1990). History of the Goths. Berkeley, Los Angeles e Londres: Imprensa da Universidade da Califórnia. ISBN 9780520069831