Linguística queer

A Linguística queer é uma área dos estudos em linguagem que atua na relação entre linguagem, gênero e sexualidade. O campo contrapõe a noção de identidades ontológicas, tomando-as, ao contrário disto, como projetos performativos que se constroem através da cultura, da sociedade, da história, da ideologia e do discurso. Dentro dos estudos linguísticos, a área se desdobra em uma abordagem subversiva e insurgente, na tentativa de compreender o mundo e a construção identitária de sujeitos, sejam estes dissidentes ou não. Assim, a Linguística Queer não versa estudar somente sujeitos que se encontram a margem, mas toda e qualquer identidade.

Pressupostos históricos editar

O termo queer designou, por muito tempo, uma forma pejorativa de se referir a gays, lésbicas, transexuais e qualquer sujeito que não se enquadrasse a norma. Porém, o termo passou a ser usado por esses sujeitos em um movimento de caráter político, o que resultou em uma recontextualização da palavra. Referia-se, agora, a sujeitos dissidentes que problematizavam as estruturas que os colocava à margem, tal como aos estudos, pesquisas e movimentos que se desenvolvessem nessa perspectiva.

A Teoria Queer é resultado desses movimentos. Algumas de suas maiores influências são a Rebelião de Stonewall e a Revolução Sexual, que abriram espaços para que muita coisa passasse a ser discutida. A teoria abarca, de modo geral, pesquisas onde há o interesse em discutir questões voltadas a gênero e sexualidade, na tentativa de problematizar aquilo que é colocado como norma pelos valores hegemônicos. Tem origem na segunda metade do século XX, com a ascensão de estudos gays, lésbicos e feministas, e apresenta contribuições que são de suma importância para o advento da Linguística Queer enquanto ciência.

Um fato é que os estudos em linguagem desenvolvidos em períodos anteriores não se atentavam a questões que abarcassem as noções de gênero e sexualidade, e, se era feito, não passavam de abordagens descritivas e massivamente estereotipadas, a exemplo de um grande número de glossários e dicionários que tinham por proposta descrever a linguagem de gays e lésbicas.A Linguística Queer, por sua vez, surge no final do século XX, com a publicação do livro Queerly Phrased: Language, Gender and Sexuality (1997). A obra foi organizada pelas teóricas Anna Livia e Kira Hall, sendo composta por uma série de artigos que se desenvolviam tomando o conceito de performatividade como fio condutor. Desde então, o campo científico vem ganhando espaço nos estudos em linguagem, desenvolvendo uma abordagem subversiva que problematiza as identidades que são construídas dentro da cultura heteronormativa.

Alguns conceitos editar

Dentro dos estudos realizados por uma perspectiva queer, um conceito que se faz importante é o de performatividade. O conceito nasce com o filósofo britânico J. L. Austin, na obra Quando o dizer é fazer (1990), em sua teoria dos atos de fala. Nela, era discutida a existência de enunciados constatativos (aqueles aos quais se atribui um caráter de verdadeiro ou falso) e enunciados performativos (que tomam a linguagem enquanto ação). Assim, o conceito de performatividade está atrelado a ideia de ação, o que significa que a linguagem não descreve ou representa o mundo, mas o produz. Em outras palavras, o mundo não é um referente sobre o qual se comenta, mas é um mundo posterior à linguagem, construído através dela.

 
Judith Butler é umas das principais bases teóricas para a Linguística Queer

Outro conceito de grande relevância é o de citação, da filósofa feminista Judith Butler, uma das bases teóricas mais fortes dentro dos estudos da área. Também chamado de falas anteriores, o conceito compreende que os enunciados são precedidos por muitos outros, que um discurso se sustenta a partir de discursos anteriores. Nessa perspectiva, ao enunciar algo, o sujeito traz em sua fala a fala de outros, seja a tomando como válida ou a contrapondo.

Desta forma, a Linguística Queer entende todo texto é um ato performativo, isto é, um ato de fala, e que ele ganha força a partir de falas e discursos que o precederam, processo que se entende por citação. Dentro dessa abordagem, a área busca pensar o mundo, a linguagem, os corpos e as identidades a partir dessa noção de performatividade, tendo em vista que os sujeitos constroem a si e aos outros dentro de uma cena discursiva. Essa cena discursiva é também uma cena de interpelação, pois, ao enunciar, um sujeito tenta convencer outro(s) a tomar o que é dito como um sentido válido, o que pode ou não acontecer.

Ver também editar

Referências editar

AUSTIN. J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

BORBA, Rodrigo. Linguística Queer: uma perspectiva pós-identitária para os estudos da linguagem. Entrelinhas, Ano 3, nº 2, jul./dez., 2006, p. 1-10.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero - feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização, 2003, p. 16-60.

LIVIA, Anna e HALL, Kira. “É uma menina!”: a volta da performatividade à linguística. In. Ana Cristina Ostermann e Beatriz Fontana (Org.). Linguagem, gênero e sexualidade – clássicos traduzidos. São Paulo: Parábola Editorial, 2010, p. 100-127.

LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer - uma política pós-identitária para a educação. Estudos Feministas, Ano 9, 2° semestre 2001.

SANTOS  FILHO,  Ismar  Inácio  dos.  Da  emergência  da  Linguística Queer. In. Seminário de Pesquisa: Introdução à Linguística Queer. Programa de Pós-Graduação em Letras. Maringá: UEM, 2015.

Ligações externas editar