Em Sociologia, Teoria política e Teoria econômica, lumpemburguesia é um termo de inspiração marxista que se aplica a setores da burguesia de países periféricos ou colonizados [1][2] (comerciantes, advogados, industriais, etc.) que se associam, de maneira subalterna ou dependente, à burguesia dos países centrais, fortalecendo as relações de dependência em relação a esses países.[3][1][2]

A introdução do termo é frequentemente creditada a André Gunder Frank, que o utilizou em seu livro Lumpenburguesia: Lumpendesenvolvimento, [4][1][5][a] embora o termo já estivesse presente em textos de Lukács,[6] Koestler,[7] C. Wright Mills (1951)[8] e no livro de Paul Baran, The Political Economy of Growth (1957), citado por Ernest Germain (pseudônimo de Ernest Mandel), em texto de 1958.[9] Tanto Mandel como Gunder Frank estabeleceram a diferença entre burguesias centrais (estruturadas, imperialistas, tecnologicamente sofisticadas) e burguesias periféricas (subdesenvolvidas, semicoloniais, caóticas).[10]

Formado pela palavras Lumpen ('trapo', em alemão) e bourgeoisie ('burguesia', em francês), o termo segue o conceito marxiano de lumpenproletariat ou sub-proletariado - uma fração do proletariado constituída por mendigos, ladrões, drogados e desempregados crônicos etc., desprovida de consciência de classe e facilmente manipulada pela burguesia. De maneira análoga, a lumpemburguesia, especialmente no contexto latinoamericano, refere-se a burguesias locais que se tornam caudatárias dos interesses de elites externas.

Na América Latina editar

O termo lumpemburguesia tem sido mais frequentemente (mas não só) utilizado no contexto da América Latina.[5][11][5] Frank explicava que o neologismo era um híbrido de lumpen e burguesia, observando que, embora as elites latino-americanas fossem semelhantes à burguesia europeia em vários aspectos, tinham uma grande diferença. Tal diferença estava na mentalidade das primeiras, que era semelhante à do lumpemproletariado - o "refugo de todas as classes", conforme descrito em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, facilmente manipulável em proveito da burguesia, frequentemente recorrendo à prática de crimes. [5] Já as elites latino-americanas - embora não necessariamente praticantes de atividades criminosas - prejudicariam a economia local, em proveito dos exploradores estrangeiros,[5][12] ao se tornarem intermediárias entre os compradores coloniais ricos e os produtores locais pobres. [12] As elites locais tornar-se-iam então cada vez mais dependentes do sistema, supervisionando a apropriação dos excedentes de produção das colônias e levando a sua parte, antes da venda dos bens ao exterior.[12] Frank chamou esse modelo de lumpendesenvolvimento,[12] e os países afetados por esse processo, de lumpenestados.[11][10]

Primeiros usos do termo editar

O termo lumpenbourgeoisie já aparece nos anos 1940, em Lukács[6] e Arthur Koestler [7]Foi usado também, por C. Wright Mills, em White Collar: The American Middle Classes (1951), para designar a multidão de empresas brancas "com uma alta taxa de mortalidade e que fazem uma fração do total de negócios realizados em suas linhas, envolvendo uma proporção consideravelmente maior de pessoas do que a sua cota de negócios".[8]

Ainda nos anos 1950, o termo também foi usado por E. Franklin Frazier, em Bourgeoisie noire.[13] Frazier, referindo-se à expansão dos negócios de propriedade de negros, tanto no Sul como no Norte do país, durante as primeiras décadas do século XX, descreveu a classe empresarial negra dos EUA como uma lumpemburguesia que se agarravam ao que ele denominou o "mito do negócio negro", exagerando seu bem-estar econômico e ajudando a criar um mundo de faz-de-conta no qual seus membros poderiam escapar de sua inferioridade e inconsequência, na sociedade americana, fazendo parecer realmente significativas algumas mudanças meramente cosméticas da política racial dos Estados Unidos da época. [14]

Assim, a criação do termo tem sido indevidamente atribuída a Gunder Frank.[15] De todo modo, Frank popularizou-o, ao fazê-lo figurar no título de seu livro Lumpenburguesia: Lumpendesenvolvimento, de 1971.

Usos posteriores do termo editar

Mais recentemente, o sociólogo mexicano Roger Bartra descreveu a lumpemburguesia como "uma camada social parasitária que se forma geralmente em torno de alguns setores da burguesia financeira e da burguesia burocrática". [16]

O vocábulo também aparece no artigo "Lumpemburguesia e a verdade espiritual superior" (1997), do filósofo tcheco Karel Kosík,[17] que define a lumpemburguesia como "um enclave militante, abertamente antidemocrático, dentro de uma democracia funcional mas incompleta e, portanto, indefesa". [18]

Referências

  1. a b c KAPCIA Antoni, Havana: The Making of Cuban Culture. Berg Publishers, 2005, ISBN 1-85973-837-0, p. 15.
  2. a b SEGALL, William Edwin. School Reform in a Global Society. Rowman & Littlefield, 2006, ISBN 0-7425-2461-2, p.146.
  3. LEVY, Bettina et al.. Crítica y teoría en el pensamiento social latinoamericano. Buenos Aires: CLACSO, 2006, p.238
  4. FRANK, André Gunder. Lumpenburguesia: Lumpendesenvolvimento. Portucalense, 1971
  5. a b c d e ABOUL-ELA, Hosam Other South: Faulkner, Coloniality, and the Mariategui Tradition, Univ of Pittsburgh Press, 2007, ISBN 0-8229-4314-X, p.73.
  6. a b LUKÁCS, G. The Struggle of Humanism and Barbarism. 1. Racial Theory: Enemy of Human Progress. State Publishing House of the USSR, 1943. Citação: "The organs of white terror in the past reactionary coups were usually made up of mercenaries, of soldiery bribed and corrupted by fanatics, of the lumpen proletariat and the lumpen bourgeoisie."
  7. a b KOESTLER, Arthur. The Intelligentsia (Autumn 1945). The Yogi and the Commissar and other Essays. Citação: "Thus the intelligentsia, once the vanguard of the ascending bourgeoisie, becomes the Lumpen-Bourgeoisie in the age of its decay."
  8. a b MILLS, C. Wright, White collar; the American middle classes; archive.org
  9. GERMAIN, Ernest. The Industrialization of Backward Countries (outubro de 1958). Fourth International (Paris), nº 4, Autumn 1958, pp. 14–22.
  10. a b HUATO, Román Munguía. Del desarrollo estabilizador al lumpendesarrollo. El México bárbaro neoliberal. IXAYA. Ano 7, nº 13 (2017): Junho - Novembro. Políticas de desarrollo social en México ISSN: 2007-7157
  11. a b HARRISON, David. The Sociology of Modernization and Development, Routledge, 1988, ISBN 0-415-07870-9, p.83.
  12. a b c d PRESTON, David Seth. Contemporary Issues in Education, Rodopi, 2005, ISBN 90-420-1684-1, p. 58.
  13. Bourgeoisie noire by Franklin Frazier (resenha). Présence Africaine. Nouvelle série, nº 7 (abril-maio de 1956), pp. 142-144
  14. FRAZIER, E. Franklin (1957). Black Bourgeoisie. New York: The Free Press. p. 173. 
  15. LOVE, Joseph L.. " 'Third World' a response to professor Worsley' ", Third World Quarterly, Volume 2, edição de 2 de abril de 1980, pp 315 - 317
  16. BARTRA, Roger (1973). Breve diccionario de sociología marxista. México: Colección 70, nº 127. Editorial Grijalbo, pp 96-97.
  17. KOSÍK, Karel. Lumpenburžoazie a vyšší duchovní pravda.
  18. No original: "Lumpenburžoazie je militantní, otevřeně antidemokratická enkláva uvnitř fungující, ale polovičaté a proto bezradné demokracie."

Ver também editar