Música caipira

gênero musical de São Paulo

A música caipira (em dialeto caipira: musga caipira[1]) é um gênero musical brasileiro, originário em São Paulo durante o período colonial. Com raízes nas tradições e no modo de vida tradicional do interior paulista, é considerado um dos mais importantes fenômenos culturais do Brasil e um dos símbolos nacionais.[2] A temática do estilo caipira é variada, baseada em temas que abordam acontecimentos reais ou ficcionais do mundo rural e urbano, e o som da viola caipira, instrumento difundido inicialmente junto aos indígenas e bandeirantes, é o que predomina.[3][4]

Caipira
Origens estilísticasritmos do ritual católico da Folia de Santos Reis, cantos tradicionais rurais, catira e cururu
Contexto culturalPeríodo colonial brasileiro, no interior do atual estado de São Paulo
Instrumentos típicosviola caipira
PopularidadeEm todo o Brasil
Formas derivadasModa de viola
Pagode de viola
Subgêneros
Música sertaneja
Formas regionais
Paulistânia

História

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Origem

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A música caipira originou-se na Capitania de São Vicente, área atualmente correspondente ao estado de São Paulo, mas começou a se popularizar na década de 1920, quando o jornalista e escritor Cornélio Pires funda a Turma Caipira, em 1924, sendo composta em sua primeira fase por Arlindo Santana, Sebastião Ortiz de Camargo, Zico Dias, Ferrinho, Mariano da Silva, Caçula e Olegário José de Godoy, todos de Piracicaba.[5][6] Em 1929, Cornélio convence o proprietário da gravadora paulistana Columbia a gravar o primeiro disco de moda de viola da história: "Jorginho do Sertão", na voz da dupla Mariano e Caçula,[7][8][9] contando uma história mítica de um caboclo que, em invés de receber o pagamento que lhe havia prometido por carpir uma roça de café, recebe a proposta do patrão para casar-se com uma de suas três filhas, mas rejeita os três casamentos.[10][11]

Eventualmente surgiriam renomadas como Mandi & Sorocabinha, Mariano e Caçula, Alvarenga e Ranchinho, Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco e Vieira e Vieirinha, entre outros, e canções populares como Sergio Forero, de Cornélio Pires, O Bonde Camarão de Cornélio Pires e Mariano, Sertão do Laranjinha, de Ariovaldo Pires e Cabocla Tereza, de Raul Torres e João Pacífico.[12] As canções frequentemente narravam eventos históricos ou questões sociais, retratando a vida do caipira/paulista através dos "causos" e fragmentos de cantos entoados por eles.[13]

Novas fases

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Após a Segunda Guerra Mundial, com a incorporação de novos estilos como polca europeia, os instrumentos (como o acordeão e a harpa).[14] A temática vai tornando-se gradualmente mais amorosa, conservando, todavia, um caráter autobiográfico. Alguns destaques desta época foram as duplas Tião Carreiro & Pardinho, Cascatinha e Inhana, Irmãs Galvão, Irmãs Castro, Sulino & Marrueiro, Palmeira e Biá, o trio Luzinho, Limeira e Zezinha e o cantor José Fortuna.

Em meados da década de 1950, sem um consenso, havia na música rural paulista grupos que passaram a distinguirem-se por sertanejos, e outros que preferiam manter o uso do termo caipira,[15] vários intelectuais paulistas interagiram em defesa da música caipira e acusaram os sertanejos de serem representantes de uma música corrupta por desviar o camponês do seu papel revolucionário,[16] defendendo que a música caipira seja um estilo próprio do povo caipira, que distingue-se da música sertaneja, que adotou uma temática romântica e a estética violenta do velho-oeste dos Estados Unidos.[17][18] A introdução da guitarra elétrica e influências da música pop pela dupla Leo Canhoto e Robertinho no final da década de 1960, marcou o início da música sertaneja, dando origem a um novo subgênero.[19] Durante a década de 1980, houve uma exploração comercial em massa do sertanejo, acoplada em alguns casos, a uma releitura de sucessos internacionais e até mesmo da Jovem Guarda. Contra essa tendência, nomes como a dupla Pena Branca e Xavantinho reapareceram, adaptando-se à linguagem do sucesso da MPB das guitarras, e novos artistas surgiram como Almir Sater, um violeiro sofisticado, que transitava entre os estilos da guitarra e do blues. Na década seguinte, uma nova geração de artistas caipiras, incluindo Roberto Correa, Ivan Vilela, Pereira da Viola e Chico Lobo e Miltinho Edilberto, surgiu disposta a reunir as tradições caipiras. Além deles, destacam-se também Rolando Boldrin, Sá, Rodrix & Guarabira (que posteriormente se transformou no duo Sá & Guarabira após a saída de Zé Rodrix), Diana Pequeno e Paulo Simões.

Estilos

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"Cantar é meu destino," música gravada em 2021, por Zequinha da Viola

A moda de viola, destaca-se como seu maior exemplo, entre outros ritmos e estilos, formados por toadas, cantigas, viras, canas-verdes, valsinhas e modinhas, uma união de influências europeias e indígenas. As modas de viola são geralmente cantadas a duas vozes, como um recitativo, onde o cantor precisa contar uma história. A melodia é solta, como se fosse uma poesia falada com acompanhamento musical. As primeiras modas de viola foram gravadas no início da década de 1930, seguindo o trabalho pioneiro de Cornélio Pires.[20]

A catira, também conhecida como cateretê, é uma das representações mais populares do folclore paulista, tradicionalmente executada por homens e meninos, organizados em duas fileiras opostas. O início é dado pelo violeiro que toca o rasqueado, que são toques rítmicos específicos, para os dançarinos executarem a escova, movimento em que há uma batida rápida de mãos e pés acompanhada de saltos.[21] Apesar da tradicional presença masculina, alguns grupos, como a Família Du Catira, de Itapevi, têm aberto espaço para meninas e mulheres.[22]

Pagode caipira, também como pagode de viola e batidão, é uma variante originária do estado do Paraná. Este estilo, criado por Tião Carreiro em Maringá, em 1959,[23] é um desdobramento do ritmo catira, o primeiro tocado com violão e o segundo com a viola caipira. É comumente acompanhado pelo ritmo cipó preto, que pode ser tocado na própria viola caipira ou, na maioria dos casos, no violão. Não tem nenhuma ligação com o pagode, um subgênero do samba, do Rio de Janeiro.

Este subgênero surgiu em São Paulo, originário da fusão dos antigos costumes das comunidades negras com a cultura caipira. É executado principalmente em eventos religiosos católicos. Assim como o pagode caipira, o samba caipira também não possui relações e é executado de forma diferente daquele do Rio de Janeiro, bastante difundido em carnavais. No samba caipira utiliza-se geralmente um pandeiro de madeira, um reco-reco e um sambão, que é um tipo de um pandeiro maior.[24]

Nasceu em São Paulo, no canto religioso, e pode ser cantado em versos e desafios por tocadores de viola caipira. O cururu só se tornou nacionalmente conhecido quando foi trazido ao público por Cornélio Pires, em 1910. Nas festas religiosas, é cantado e dançado apenas por meninos e homens.[25]

Referências

  1. AMARAL, Amadeu (1920). O Dialecto Caipira. [S.l.: s.n.] p. 174 
  2. «Dia Nacional da Música e Viola Caipira será comemorado todo dia 13 de julho». Senado Federal. Consultado em 6 de janeiro de 2025 
  3. «Música Sertaneja». Instituto Cultural Cravo Albin. Consultado em 6 de janeiro de 2025. Arquivado do original em 2010 
  4. «Cada toada representa uma saudade: uma breve história sobre o uso da música caipira no estudo das ciências humanas e sociais no novo ensino médio» 
  5. «Recanto Caipira». www.recantocaipira.com.br. Consultado em 7 de junho de 2025 
  6. Romanelli, Tais (24 de novembro de 2017). «Paixão sertaneja». A Província. Consultado em 7 de junho de 2025 
  7. «Quem foi Cornélio Pires, 'criador' do sertanejo ao gravar pela 1ª vez uma música caipira em disco | Festa do Peão de Barretos 2024». G1. 13 de agosto de 2024. Consultado em 6 de janeiro de 2025 
  8. «VÍDEO: assista ao clipe de 'Jorginho do Sertão', 1ª música sertaneja gravada no Brasil, em versão exclusiva de Edson e Hudson». G1. 15 de agosto de 2024. Consultado em 7 de janeiro de 2025 
  9. «Conheça a história da música sertaneja no Brasil». Terra. Consultado em 7 de janeiro de 2025 
  10. «Quem foi Cornélio Pires, 'criador' do sertanejo ao gravar pela 1ª vez uma música caipira em disco | Festa do Peão de Barretos 2024». G1. 13 de agosto de 2024. Consultado em 6 de janeiro de 2025 
  11. «Música Sertaneja». Instituto Cultural Cravo Albin. Consultado em 6 de janeiro de 2025. Arquivado do original em 2010 
  12. Música Sertaneja - Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira
  13. Gullo, Carla; Gullo, Rita; Vannuchi, Camilo (2015). Choro e música caipira. São Paulo: Moderna. ISBN 8516096394 
  14. Música Sertaneja - Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira
  15. Gustavo Allonso. «OPOSIÇÃO NO SERTÃO: a construção da distinção entre música caipira e música sertaneja». Outros Tempos. 10 (15): 127 
  16. Gustavo Allonso. «OPOSIÇÃO NO SERTÃO: a construção da distinção entre música caipira e música sertaneja». Outros Tempos. 10 (15): 124 
  17. MARTINS, José Carlos. Capitalismo e Tradicionalismo. [S.l.: s.n.] pp. 104–5. Espero demonstrar que música caipira e música sertaneja não são designações equivalentes. Quando empregadas nessa acepção denotam um profundo desconhecimento de cada um desses tipos de música, das realidade sociais em que se inserem e das condições concretas de sua manifestação. (...) A música caipira nunca aparece só, enquanto música. Não apenas porque tem sempre acompanhamento vocal, mas porque é sempre acompanhamento de algum ritual de religião, de trabalho ou lazer. 
  18. CALDAS, Waldenyr (1977). Acorde na aurora – Musica sertaneja e indústria cultural. [S.l.: s.n.] pp. 145–146 
  19. A EVOLUÇÃO DO ESTILO MUSICAL SERTANEJO: DO CAIPIRA AO UNIVERSITÁRIO (PDF). [S.l.: s.n.] p. 1 
  20. «Moda de Viola». recantocaipira.com.br. Consultado em 7 de junho de 2025 
  21. «Catira - Disciplina - Arte». www.arte.seed.pr.gov.br. Consultado em 7 de junho de 2025 
  22. «Du Catira». www.instagram.com. Consultado em 7 de junho de 2025 
  23. Caramaschi, Brenda (8 de fevereiro de 2025). «Tião Carreiro e a criação do pagode de viola: ritmo nasceu em Maringá». GMC Online. Consultado em 7 de junho de 2025 
  24. «Dia Nacional do Samba: conheça a história do tradicional samba caipira». G1. 2 de dezembro de 2022. Consultado em 7 de junho de 2025 
  25. «Recanto Caipira». recantocaipira.com.br. Consultado em 7 de junho de 2025