Marcos 7 é o sétimo capítulo do Evangelho de Marcos no Novo Testamento da Bíblia. Neste capítulo, Marcos explora um pouco mais a relação entre Jesus, os judeus e os gentios. Segundo algumas interpretações, Jesus rejeita a comida preparada de acordo com os preceitos do judaísmo (kosher) e depois cura dois gentios. O debate ainda continua sobre o quanto deste relato reflete os pontos de vista de Jesus e quanto é resultado do conflito entre os judeo-cristãos e gentios convertidos nos primeiros anos da Igreja.

Jesus curando o surdo-mudo da Decápole, um dos episódios de Marcos 7.
Entre 1886 e 1894. Por James Tissot, atualmente no Brooklyn Museum, em Nova Iorque.

Puro e impuro editar

 Ver artigo principal: Discurso sobre a contaminação

Alguns fariseus vindos de Jerusalém para ver Jesus e vêem seus discípulos comendo sem lavar as mãos[a]. Eles perguntam por que o costume não estava sendo obedecido e Jesus responde com uma citação de Isaías (Isaías 29:13): «Vós, deixando o mandamento de Deus, observais a tradição dos homens!» (Marcos 7:8) Ele os admoesta por permitirem que um homem faça uma oferenda a Deus — dinheiro aos sacerdotes — e deixe de ajudar seus pais, uma violação clara do quinto mandamento[b].

Jesus pede então ao povo que ouça e explica que «Nada há fora do homem, que, nele entrando, possa contaminá-lo; pelo contrário as coisas que saem dele, são as que o contaminam» (Marcos 7:15). Posteriormente, seus discípulos demonstram não ter compreendido e Jesus explica-lhes que nada que se coma pode tornar um homem impuro e sim o que sai dele: «as fornicações, os furtos, os homicídios, os adultérios, as avarezas, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba e a loucura» (Marcos 7:21–22). De acordo com Kilgallen "...em última instância o que está em jogo é o conhecimento da vontade divina: quem sabe mais o que Deus quer que os homens façam". Este ponto de vista deve ser levado em conta à luz da controvérsia da época, como exemplificada pelo Concílio de Jerusalém, sobre o quanto da Lei Mosaica deve um cristão obedecer. Marcos usa esta história para revelar sua opinião na direção paulina (menos judaico, portanto), o que fez com que muitos estudiosos se perguntassem o quanto de seu relato é de fato relativo ao que ensinou Jesus e o quanto ele esperava apenas conseguir converter os gentios. Se o autor é realmente Marcos, então este trecho seria uma indicação que seu grupo, o círculo interno de Pedro, poderia ter se decidido em favor da doutrina de Paulo.

Esta passagem (e não a explicação) aparece também no apócrifo Evangelho de Tomé 14[2].

Versículo 16 editar

Marcos 7:16 ("Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.") não aparece em todas as traduções da Bíblia para o português (como na Tradução do Novo Mundo[3]). Em algumas, aparece marcado por chaves (como a Tradução Brasileira da Bíblia, citada aqui) ou com um nota de rodapé. Trata-se de uma repetição de Marcos 4:23.

Curas editar

 
Jesus exorcizando a filha da canaanita.
1673/8. Por Michael Angelo Immenraet, atualmente no Unionskirche, em Idstein, Alemanha.

Marcos em seguida contrasta o conflito anterior de Jesus sobre a obediência da Lei com a cura de dois gentios. No relato, Jesus viaja por duas cidades no território onde hoje está o Líbano. Primeiro, Marcos conta a história de uma mulher de origem siro-fenícia que encontra Jesus na casa de um amigo em Tiro e implora que ele expulse um demônio de sua filha. Ele a pede para esperar dizendo «Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos» (Marcos 7:27). Neste caso, as "crianças" são os filhos de Israel e os "cachorrinhos", os gentios, uma metáfora encontrada em outras obras judaicas[4]. Ela respondeu que até mesmo os cães embaixo da mesa comem as migalhas das crianças, o que impressiona Jesus. Ele pede a ela que volte para casa para reencontrar sua filha já curada[c]. Esta passagem mostra que, segundo Marcos, a missão principal de Jesus era salvar em primeiro lugar os judeus e só então os gentios, mas reafirma que estes, tendo fé, poderão também ser salvos.

Jesus segue depois para a Decápole e encontra um aleijado que também é "surdo-mudo". Em Marcos 7:34, ele toca suas orelhas e sua língua com seu próprio cuspe e diz, em aramaico, "Ephphatha!" ("Abre-te"), curando-o. Neste milagre, ao contrário do anterior, Jesus utiliza uma técnica específica (o toque, o cuspe, a palavra) para realizar a cura. É possível que esta passagem tenha por objetivo mostrar a realização da profecia em Isaías 31:5–6.

A discussão com os fariseus sobre as lei dietárias e a passagem da mulher canaanita também aparecem em Mateus 15 (Mateus 15:1–28).

Ver também editar


Precedido por:
Marcos 6
Capítulos do Novo Testamento
Evangelho de Marcos
Sucedido por:
Marcos 8

Notas editar

  1. Marcos explica para seus leitores o costume judaico de fazê-lo antes do jantar, o que indica que esperava gentios lendo seu texto.
  2. Não existem em outras fontes indícios de que isto de fato ocorresse na época, embora "...alguns textos rabínicos judaicos sugiram que votos podem ser quebrados nestas circunstâncias"[1].
  3. Esta é uma das poucas vezes — a única em Marcos — que Jesus realiza um milagre a distância.

Referências

  1. Miller 29
  2. Disponível aqui em português.
  3. Marcos 7 em português (TNM)
  4. Kilgallen 138

Bibliografia editar

Ligações externas editar