Matéria escura

Forma hipotética de matéria que compreende a maior parte da matéria no universo
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Na cosmologia, matéria escura é uma forma postulada de matéria que não interage com a matéria comum, nem consigo mesma[1] (ou interage muito pouco com ela mesma[2]). Ela só interage gravitacionalmente e, por isso, sua presença pode ser inferida a partir de efeitos gravitacionais sobre a matéria visível, como estrelas, galáxias e aglomerado de galáxias. Os astrônomos observaram que a matéria escura não se agrupa muito em pequenas galáxias, mas sua densidade aumenta acentuadamente em sistemas maiores, como aglomerados de galáxias, porque ela pode se dispersar apenas quando atingem a energia correta.[3]

No modelo cosmológico mais aceito, o modelo ΛCDM, que tem obtido grande sucesso na descrição da formação da estrutura em grande escala do universo, a componente de matéria escura é fria, isto é, não-relativística. Nesse contexto, a matéria escura compõe cerca de 26,8% da densidade de energia do universo. O restante seria constituído de energia escura, 68,3% e de matéria bariônica, 4,9%.[4][5] Deste modo, a matéria escura é estimada constituir 84,5% da matéria total do universo, enquanto a energia escura mais a matéria escura constituem 95,1% do conteúdo total de massa-energia do universo.[6][7] Alguns pesquisadores propõem que as partículas de matéria escura tenham uma massa de 0,02% da massa do elétron.[8]

Evidências observacionais editar

 
Curva de rotação de uma galáxia espiral típica: prevista teoricamente sem considerar a matéria escura (A) e observada (B). A matéria escura pode explicar o comportamento quase horizontal da curva de rotação a grandes distâncias do centro da galáxia

Apesar do fato de que não é legitimamente observável, os cientistas acreditam que a matéria escura existe por suas consequências na energia gravitacional de como a matéria visível se move e se dispersa no espaço. As observações de sistemas astrofísicos que indicam a existência de matéria escura são diversas e muitas vezes baseadas em técnicas experimentais diferentes. São exemplos clássicos dessas observações: as curvas de rotação de galáxias, a aplicação do teorema do virial a aglomerados de galáxias e a análise das anisotropias da radiação cósmica de fundo em micro-ondas.

Candidatos à matéria escura editar

A matéria normal, luminosa, é composta de bárions — partículas como prótons e nêutrons. No princípio, os pesquisadores acreditavam que a matéria escura também era feita de tal material, mas simplesmente emitiria pouca radiação electromagnética. A partir das observações da radiação cósmica de fundo em micro-ondas juntamente com a compreensão da teoria do big bang, os físicos foram levados a acreditar que apenas uma pequena quantidade de matéria bariônica continuaria a sobreviver até hoje se não estivesse incorporada a um sistema solar ou a um resquício estelar. Pesquisadores acreditam que o problema da a matéria desaparecida do Universo seria uma partícula mais exótica. Esta matéria é suscetível de fornecer a resposta para a falta de massa. Os físicos identificaram os três tipos mais prováveis de matéria escura e as partículas candidatas associados com cada tipo.

Matéria Escura Fria (em inglês "CDM") editar

 Ver artigo principal: Matéria escura fria

A candidata mais provável para a matéria escura é da Matéria Escura Fria.[9] No entanto, não há uma forte candidata de partícula conhecida. A principal candidata a "CDM" é conhecida como uma partícula massiva de interação fraca. No entanto, há uma ausência geral de justificação para a existência de tais partículas; ou seja, os pesquisadores não estão certos de como elas iriam aparecer sob circunstância natural. As mais populares à matéria escura não-bariônica são: os áxions, os neutrinos estéreis e os neutralinos (WIMPs), partículas teóricas massivas, que interagem fracamente, necessárias para explicar certo fenômeno na cromodinâmica quântica.[10]

É também possível que uma pequena parte da matéria escura seja bariônica, existente em forma objetos massivos compactos, MACHOs, que por emitirem pouca radiação são difíceis de serem detectados. MACHO poderia explicar a massa, mas as dinâmicas específicas continuam a ser um objetivo. Esses objetos incluiriam buracos negros, estrelas de nêutrons antigas e objetos planetários que são todos não-luminosos (ou quase isso) e contêm uma quantidade significativa de massa.[11] O problema com esta explicação é que deveria existir muito MACHOs (mais do que seria esperado tendo em conta a idade de certas galáxias) e a sua distribuição teria de ser surpreendentemente e incrivelmente uniforme.

Matéria Escura Morna (em inglês "WDM") editar

 Ver artigo principal: Matéria escura morna

Esta forma de matéria escura é proposta por cientistas, ser composta por neutrinos estéreis.[12][13] Estas são partículas que são semelhantes aos neutrinos normais, com exceção do fato de que elas são muito mais massivas e não interagem com a força fraca.[14] Outra candidata a matéria escura morna é o gravitino.[15] Esta é uma partícula teórica que existiria se a teoria da supergravidade — uma mistura de relatividade geral e supersimetria — ganhasse credibilidade junto aos estudiosos da área.[16]

Matéria Escura Quente (em inglês "HDM") editar

 Ver artigo principal: Matéria escura quente

O subconjunto de partículas consideradas Matéria Escura Quente são as únicas que a existência são realmente conhecida: neutrinos.[17] O problema com essa explicação é que os neutrinos viajam quase à velocidade da luz e, portanto, não iriam se "aglomerar" em um conjunto da maneira que projetamos a matéria escura.[18] Além disso, dado que o neutrino é quase sem massa, uma incrível quantidade deles seria necessário para suprir o déficit necessário de matéria.[19] Uma explicação para Matéria Escura Quente é que existe um tipo ou sabor de neutrino ainda não detectado que seria semelhante aos já conhecidos exceto o fato de que teriam uma massa significativamente maior (e, consequentemente, talvez velocidade mais lenta).[20]

Detecção de matéria escura editar

Atualmente existe um grande debate sobre a detecção de matéria escura. O experimento Dama/Libra[21] diz ter feito uma detecção indireta, via observação da variação sazonal do número de eventos, efeito relativo à variação da velocidade da Terra em relação ao halo galáctico de matéria escura.[22] Contudo esse resultado é incompatível com os resultados de vários experimentos de detecção direta, como por exemplo o DAMIC,[23] CDMS-II,[24] o XENON10[25] e o ZEPLIN-III.[26] Novos experimentos, maiores e mais sensíveis, utilizaram os detectores: XENON100[27] (100 kg) e LUX[28] (350 kg) em busca de maiores esclarecimentos. Os astrofísicos sugerem que a matéria escura também pode ser detectada medindo o efeito que tem sobre a temperatura dos exoplanetas.[29]

Um módulo de 2 bilhões de dólares denominado AMS (Espectrômetro Magnético Alpha ou, em inglês, Alpha Magnetic Spectrometer) foi instalado na Estação Espacial Internacional em maio de 2011. O detector de partículas tem como uma de suas funções procurar por evidências da matéria escura, sendo importante nas pesquisas sobre sua natureza.[30]

Um candidato à matéria escura é uma partícula chamada neutralino. Colisões entre neutralinos produziriam um grande número de pósitrons de alta energia. Deste modo, o AMS poderia comprovar se a matéria escura seria feita de neutralinos procurando por esse excesso de pósitrons de alta energia.[31]

Sub-MeV detector de partículas editar

O detector de partículas sub-MeV modela a matéria escura como uma molécula que possui uma carga mínima sob eletromagnetismo normal. O método envolve contorcer a progressão próxima da matéria escura com campos variáveis no tempo e estimar essas distorções usando detectores ressonantes blindados.[32] O mecanismo de detecção alternativo, em vez de esperar a matéria escura depositar uma pequena quantidade de energia em um detector por espalhamento, é possível manipular diretamente as trajetórias de partículas individuais de matéria escura, configurando distúrbios que podem ser medidos com detectores ressonantes suscetíveis.[33]

Ondas gravitacionais editar

Eventos de fusão de buracos negros e estrelas de nêutrons, combinados com observações de radiotelescópios, podem indicar a presença de um dos candidatos à matéria escura: o chamado axônio QCD. Se tais axiões existem perto da superfície do buraco negro quando convergem com uma estrela de nêutrons, as ondas gravitacionais transmitidas serão modificadas de uma maneira discreta, mas particular. Isso permite uma estimativa imediata da densidade dos eixos.[34]

Explicações alternativas editar

Existem tentativas de solucionar o problema da matéria escura propondo-se alterações na gravitação (um exemplo famoso é a MOND), no entanto, até o momento, nenhuma delas obteve grande sucesso.

Buraco negro primordial editar

Em agosto de 2016, uma equipe japonesa de astrofísicos relatou que os buracos negros do LIGO podem ser primordiais, e que, em caso afirmativo, eles poderiam ser uma parcela da matéria escura do universo.[35] Cientistas da Universidade Johns Hopkins confirmaram que a taxa estimada das fusões dos buracos negros correspondem com o valor esperado de matéria escura em um buraco negro primordial.[36] Os pesquisadores afirmam que os buracos negros primordiais poderiam explicar apenas uma pequena fração da matéria escura.[37]

Ver também editar

Referências

  1. Dark Matter Probably Isn't a Mirror Universe, Colliding Galaxies Suggest por Calla Cofield em "Space.com", em 26-mar-2015
  2. Dark matter even darker than once thought pelo Centro de informação Hubble, publicado na revista " ScienceDaily" de 26-mar-2015. (Ref. David Harvey, Richard Massey, Thomas Kitching, Andy Taylor, and Eric Tittley. The nongravitational interactions of dark matter in colliding galaxy clusters. Science, 27 March 2015: 1462-1465 DOI: 10.1126/science.1261381)
  3. Dark matter may be hitting the right note in small galaxies Scientists have also provided an answer to what dark matter is doing. por Amit Malewar (2019)
  4. Ade, P. A. R.; Aghanim, N.; Armitage-Caplan, C. (22 de março de 2013). «Planck 2013 results. I. Overview of products and scientific results – Table 9». Astronomy and Astrophysics. 1303. 5062 páginas. Bibcode:2014A&A...571A...1P. arXiv:1303.5062 . doi:10.1051/0004-6361/201321529. Consultado em 29 de março de 2015. Arquivado do original em 23 de março de 2013  Verifique o valor de |display-authors=et al. (Planck Collaboration) (ajuda)
  5. Francis, Matthew (22 de março de 2013). «First Planck results: the Universe is still weird and interesting». Arstechnica 
  6. «Planck captures portrait of the young Universe, revealing earliest light». University of Cambridge. 21 de março de 2013. Consultado em 21 de março de 2013 
  7. Kaku, Michio (2005). Parallel worlds: a journey through reation, higher dimensions, and the future of the cosmos. [S.l.]: Doubleday. ISBN 0-385-51416-6 
  8. On the Existence of Low-Mass Dark Matter and its Direct Detection por James Bateman et al publicado no dia 27 de janeiro de 2015 em "Scientific Reports" 5, Article number: 8058 doi:10.1038/srep08058
  9. Cold Dark Matter (CDM) por John P. Millis (2016)
  10. Dark matter: Out with the WIMPs, in with the SIMPs? por Adrian Cho publicado pela "American Association for the Advancement of Science" (2014)
  11. Cientistas encontram sinais de possíveis partículas de matéria escura POR CESAR BAIMA no "O Globo" (2014)
  12. Discrepância cósmica sugere existência de neutrino “estéril” Por Clara Moskowitz na "SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL"
  13. Un neutrino estéril como candidato a materia oscura por César Tomé López no "Cuaderno de Cultura Científica"
  14. [ Abazajian K.N. (2014). Resonantly Produced 7 keV Sterile Neutrino Dark Matter Models and the Properties of Milky Way Satellites, Physical Review Letters, 112 (16) DOI: 10.1103/PhysRevLett.112.161303
  15. Nenhum WIMPS -- somente SUPERWIMPS[ligação inativa] por Belle Dumé (traduzido por Luíza Néli Baleeiro Brack) publicado na "PhysicsWeb" (2006)
  16. Supersimetria por José Abdalla Helayël-Neto Física na Escola, v. 6, n. 1, (2005)
  17. Hot Dark Matter in Cosmology por Matthew Calhoun publicado pela "State University of New Jersey - Department of Physics & Astronomy"(2014)
  18. Neutrinos in Physics and Astrophysics: From 10−33 to 1028 Cm por P. Langacker na "World Scientific" - Páginas 509-514 (2008)
  19. What could dark matter be? por Laura Dattaro em "Symmetry Magazine" (2015)
  20. Neutrinos Change Their Flavor and Snag Another Nobel Prize por Jennifer Ouellette "GIZMODO" (2015)
  21. [1]
  22. How the experiment that claimed to detect dark matter fooled itself por Sabine Hossenfelder em "MEDIUM" (2014)
  23. https://www.snolab.ca/science/experiments/damic
  24. Lynn Yarris (11 de outubro de 2013). «Finding by lab collaraboration contradict dark matter claim» (em inglês). sience beat. Consultado em 13 de janeiro de 2024 
  25. Aprile, E.; et al. (XENON10 Collaboration) (2011). «Design and Performance of The XENON10 Experiment». Astroparticle Physics. 34 (9): 679–698. Bibcode:2011APh....34..679A. arXiv:1001.2834 . doi:10.1016/j.astropartphys.2011.01.006 
  26. http://www.hep.ph.ic.ac.uk/ZEPLIN-III-Project/
  27. http://xenon.astro.columbia.edu/
  28. http://lux.brown.edu/
  29. «Using exoplanets as dark matter detectors: Temperature of planets reveal new details, scientists say». ScienceDaily (em inglês). Consultado em 9 de junho de 2021 
  30. Reuters (16 de maio de 2011). «Endeavour decola da Flórida para sua última missão no espaço». O Globo. Consultado em 13 de janeiro de 2024 
  31. Patrick Barry (19 de agosto de 2009). «Vai começar a busca por Galáxias de Antimatéria». Inovação Tecnológica (tradução de physics.org). Consultado em 13 de janeiro de 2024 
  32. Berlin, Asher; D’Agnolo, Raffaele Tito; Ellis, Sebastian A. R.; Schuster, Philip; Toro, Natalia (2 de janeiro de 2020). «Directly Deflecting Particle Dark Matter». Physical Review Letters. 124 (1). 011801 páginas. doi:10.1103/PhysRevLett.124.011801 
  33. «Direct detection of light particle dark matter». Tech Explorist (em inglês). 22 de janeiro de 2020. Consultado em 22 de janeiro de 2020 
  34. Edwards, Thomas D. P.; Chianese, Marco; Kavanagh, Bradley J.; Nissanke, Samaya M.; Weniger, Christoph (20 de abril de 2020). «Unique Multimessenger Signal of QCD Axion Dark Matter». Physical Review Letters. 124 (16). 161101 páginas. doi:10.1103/PhysRevLett.124.161101 
  35. Primordial Black Hole Scenario for the Gravitational-Wave Event GW150914 por Misao Sasaki, Teruaki Suyama, Takahiro Tanaka, e Shuichiro Yokoyama DOI:"Phys. Rev. Lett. 117, 061101" (2016)
  36. Did LIGO Detect Dark Matter? por Simeon Bird, Ilias Cholis, Julian B. Muñoz, Yacine Ali-Haïmoud, Marc Kamionkowski, Ely D. Kovetz, Alvise Raccanelli, e Adam G. Riess em "Phys. Rev. Lett. 116, 201301" (2016)
  37. LIGO’s black holes may be dark matter Analysis of gravitational wave detection suggests primordial origin of merging masses por Emily Conover, publicado pela "Science News" (2016)

Ligações externas editar