Não-dualismo,[nota 1] também chamado de não-dualidade,[nota 2] significa "não dois" ou "um indivisível sem um segundo".[1][2] É encontrado em uma variedade de tradições religiosas asiáticas[3] e na espiritualidade ocidental moderna, mas com uma variedade de significados e usos.[3][4] Não-dualismo na espiritualidade refere-se principalmente a um atribuído estado maduro de consciência, no qual a dicotomia do eu-outro seria "transcendida" e a consciência é descrita como "sem centro" e "sem dicotomias". Embora esse estado de consciência possa parecer espontâneo,[nota 3] geralmente segue uma preparação prolongada por meio de práticas ascéticas ou meditativas/contemplativas, que podem incluir injunções éticas. As descrições da consciência não dual podem ser encontradas no Hinduísmo (Turiya, sahaja, advaita), Budismo (vacuidade, pariniṣpanna, rigpa), Islã (Wahdat al Wujud, Fanaa e Haqiqah) e tradições ocidentais cristãs e neoplatônicas (henosis, união mística).

Taijitu

A perspectiva filosófica ou religiosa não dual geralmente afirma que não há nenhuma distinção fundamental entre mente e matéria, considerando a divisão como artificial e, a maioria, que o mundo fenomenal é uma ilusão. Muitas tradições (principalmente da Ásia) afirmam que a verdadeira condição ou natureza da realidade é não-dual, e que as dicotomias são conveniências irrealistas ou imprecisas. O não-dualismo ou não-dualidade é contrário ao conceito de dualismo ou dualidade, que é constituído pela manifestação de coisas na existência de dois princípios supremos, incriados, independentes, irredutíveis e antagônicos.

Uma renderização 3D da Teia de Indra, uma ilustração do conceito Huayan de interpenetração de todas as coisas.

A ideia asiática do não-dualismo é desenvolvida nas filosofias védicas e pós-védicas hindus, bem como nas tradições budistas.[5] Os vestígios mais antigos do não-dualismo no pensamento indiano são encontrados nas Upanixades hindus anteriores, como Brihadaranyaka Upanishad, bem como em outras Upanixades pré-budistas, como o Chandogya Upanishad, que enfatiza a unidade da alma individual chamada Atman e o Supremo chamado Brahman. No hinduísmo, o não-dualismo é mais comumente associado à tradição Advaita Vedanta de Adi Shankara,[6] mas também é presente em outras vertentes, como no xivaísmo da Caxemira.[7] O siquismo comumente ensina a dualidade entre Deus e os homens, mas foi dada uma interpretação não dual por Bhai Vir Singh.

Saṃvara com Vajravārāhī em Yab-Yum. Essas representações budistas tântricas da união amorosa simbolizam a união não dual de Compaixão (Karuna) e Sabedoria (Prajna).

Na tradição budista, a não-dualidade está associada aos ensinamentos da vacuidade (śūnyatā) e à doutrina das duas verdades, particularmente o ensino de Madhyamaka da não-dualidade da verdade absoluta e relativa,[8] a noção Iogachara de "somente mente/pensamento" (citta-matra ou "somente representação" (vijñaptimātra)[6] e o ensino dzogchen, que, em tibetano, significa "não dois". Esses ensinamentos, juntamente com a doutrina da natureza búdica, foram conceitos influentes no desenvolvimento subsequente do budismo maaiana, não apenas na Índia, mas também no budismo do leste asiático e tibetano (como no shentong), principalmente no Huayan, Tiantai, Chán (Zen) e Vajrayana.

O taoísmo ensina a ideia de uma força universal sutil única ou poder criativo cósmico chamado Tao (literalmente "caminho").[9] O conceito de Yin e Yang, muitas vezes erroneamente concebido como um símbolo do dualismo, na verdade pretende transmitir a noção de que todos os opostos aparentes são partes complementares de um todo não-dual.[10] A polaridade das realidades absoluta e relativas são expressas no conceito de "essência-função" do budismo chinês, influenciadas por uma interpretação ontológica das duas verdades e também pelas metafísicas taoísta e confucionista nativas.

O neoplatonismo ocidental é um elemento essencial da contemplação e do misticismo cristãos, e do esoterismo ocidental e da espiritualidade moderna (como o movimento teosófico e Nova Era), especialmente o unitarismo, o transcendentalismo, o universalismo e o perenialismo. Influências clássicas de não-dualismo também são bastante presentes no sufismo, cabala e judaísmo chassídico.

Etimologia editar

Quando se refere ao não-dualismo, o hinduísmo geralmente usa o termo sânscrito Advaita, (literalmente, adual), que é utilizado para definir várias vertentes de pensamento religioso e espiritual,[4] enquanto o budismo usa Advaya (tibetano: gNis-med, chinês: pu-erh, japonês: fu-ni).[11]

"Advaita" (अद्वैत) é de raízes sânscritas a, ‘‘não, sem’’ e dvaita, ‘‘dual, duplo, divisível’’ e geralmente é traduzido como "não-dualismo", "não-dualidade", “′adualidade′, "não-dual", “indivisível′′ e “aduplicidade′′. O termo "não-dualismo" e o termo "advaita" do qual se origina são termos polivalentes . A origem latina da palavra é duo, que significa "dois", prefixada com "não".

"Advaya" (अद्वय) também é uma palavra sânscrita que significa "identidade única, não dois, sem um segundo", e geralmente se refere à doutrina das duas verdades do budismo maaiana, especialmente Madhyamaka.

Um dos primeiros usos da palavra Advaita é encontrado no verso 4.3.32 do Brihadaranyaka Upanishad (~ 800 a.C.) e nos versos 7 e 12 do Mandukya Upanishad (datado de várias formas entre 500 a.C. e 200 EC).[12] O termo aparece no Brihadaranyaka Upanishad na seção com um discurso da unicidade de Atman (alma individual) e Brahman (consciência universal), como segue:[13]

Um oceano é aquele que vê, sem nenhuma dualidade [Advaita]; este é o mundo Brahma, o rei. Assim Yajnavalkya o ensinou. Este é o seu maior objetivo, este é o seu maior sucesso, este é o seu mundo mais alto, esta é a sua maior felicidade. Todas as outras criaturas vivem em uma pequena porção dessa felicidade.

Termos equivalentes a "não-dual" também foram informados pelas primeiras traduções dos Upanishads em outros idiomas ocidentais que não o inglês desde 1775. Esses termos se popularizaram e entraram no idioma inglês a partir de representações literais de "advaita" subsequentes à primeira onda de traduções para os Upanishads. Essas traduções começaram em inglês com o trabalho de Müller (1823-1900), nos monumentais Livros Sagrados do Oriente (1879).

Max Müller traduziu "advaita" como "monismo", como muitos estudiosos recentes.[17][18][19] No entanto, alguns estudiosos afirmam que "advaita" não é realmente monismo.[20]

Seguidores editar

O que se segue é uma lista de pensadores, filósofos, escritores e artistas, de diferentes tradições religiosas, políticas e culturais, cujas obras expressam um notável grau de não-dualidade.

Filósofos ocidentais antigos e medievais editar

Filósofos ocidentais modernos editar

Filósofos e professores asiáticos editar

Autores e músicos editar

Mestres contemporâneos editar

  • Namkhai Norbu (Tibete, 1938)
  • Byron Katie Mitchell (Estados Unidos, 1942)
  • Eckhart Tolle (Alemanha, 1948)
  • Ken Wilber (Estados Unidos, 1949)
  • Madhukar (Alemanha, 1957)

Ver também editar

Metáforas para não dualismos

Bibiografia editar

  • Baleskar, Ramesh (1999). Who cares?
  • Castaneda, Carlos (1987). The Power of Silence. Nova Iorque: Simon and Schuster. ISBN 0-671-50067-8.
  • Cavallé, Mónica (2000): La sabiduria de la no dualidad. Barcelona: Kairos. ISBN 9788472456822.
  • Downing, Jerry N. (2000) Between Conviction and Uncertainty ISBN 0-79144-627-1.
  • Godman, David (Ed.) (1985). Be As You Are: The Teachings of Sri Ramana Maharshi. Londres: Arkana. ISBN 0-14-019062-7.
  • Hawkins, David R. (October 2006). Discovery of the Presence of God: Devotional Nonduality. Sedona (Arizona): Veritas Publishing. ISBN 0-9715007-6-2 (Capa mole); ISBN 0-9715007-7-0 (Capa dura)
  • Jeon, Arthur (2004): City dharma: keeping your cool in the chaos. ISBN 1-40004-908-3.
  • Katz, Jerry (Ed.) (2007). One: essential writings on nonduality. Boulder (Colorado): Sentient Publications. ISBN 1591810531.
  • Kent, John (1990): Richard Rose's psychology of the observer: the path to reality through the self (tese de doutorado).
  • Klein, Anne Carolyn (1995). Meeting the great bliss queen: buddhists, feminists, and the art of the self. Boston: Beacon Press. ISBN 0-8070-7306-7.
  • Kongtrül, Jamgön (1992). Cloudless Sky: the mahamudra path of the Tibetan buddhist Kagyü school. Boston: Shambhala Publications. ISBN 0-87773-694-4.
  • Lama, Dalai (2000). Dzogchen: the heart essence of the great perfection. Ithaca: Snow Lion Publications. ISBN 1-55939-157-X.
  • Norbu, Namkhai (1993). The crystal and the way of light: sutra, tantra and dzogchen. Londres: Arkana. ISBN 0-14-019314-6.
  • Schucman, Helen (1992) "A course in miracles". Foundation for Inner Peace, pág. 1. ISBN 0-9606388-9-X.
  • Trungpa, Chögyam (1987). Cutting through spiritual materialism. Boston: Shambhala Publications. ISBN 0-87773-050-4.

Notas

  1. Ver Consciência Cósmica, de Richard Bucke

Referências

  1. John A. Grimes (1996). A Concise Dictionary of Indian Philosophy: Sanskrit Terms Defined in English. State University of New York Press. [S.l.: s.n.] 15 páginas. ISBN 978-0-7914-3067-5 
  2. Katz 2007.
  3. a b Sarma 1996.
  4. a b Loy 1988.
  5. Dasgupta & Mohanta 1998, p. 362.
  6. a b Raju 1992, p. 177.
  7. Muller-Ortega, Paul E. (31 de março de 2010). The Triadic Heart of Śiva: Kaula Tantricism of Abhinavagupta in the Non-dual Shaivism of Kashmir (em inglês). [S.l.]: State University of New York Press 
  8. Loy 1988, p. 9-11.
  9. Renard 2010, p. 98-99.
  10. Paul A. Erickson, Liam D. Murphy. A History of Anthropological Theory. 2013. p. 486
  11. Loy, David, Nonduality: A Study in Comparative Philosophy, Prometheus Books, 2012, p. 1.
  12. George Adolphus Jacob (1999). A concordance to the principal Upanisads and Bhagavadgita. Motilal Banarsidass. [S.l.: s.n.] ISBN 978-81-208-1281-9 
  13. Brihadaranyaka Upanishad Robert Hume (Translator), Oxford University Press, pp. 127–147
  14. Max Muller, Brihad Aranyaka Upanishad The Sacred Books of the East, Volume 15, Oxford University Press, page 171
  15. Brihadaranyaka Upanishad Robert Hume (Translator), Oxford University Press, page 138
  16. Paul Deussen (1997), Sixty Upanishads of the Veda, Volume 1, Motilal Banarsidass, ISBN 978-8120814677, page 491; Sanskrit: ससलिले एकस् द्रष्टा अद्वैतस् भवति एष ब्रह्मलोकः (...)
  17. R.W. Perrett (2012). Indian Philosophy of Religion. Springer Science. [S.l.: s.n.] ISBN 978-94-009-2458-1 
  18. S Menon (2011), Advaita Vedanta, IEP, Quote:"The essential philosophy of Advaita is an idealist monism, and is considered to be presented first in the Upaniṣads and consolidated in the Brahma Sūtra by this tradition."
  19. James G. Lochtefeld (2002). The Illustrated Encyclopedia of Hinduism: N-Z. The Rosen Publishing Group. [S.l.: s.n.] pp. 645–646. ISBN 978-0-8239-3180-4 
  20. S. Mark Heim (2001). The Depth of the Riches: A Trinitarian Theology of Religious Ends. Wm. B. Eerdmans Publishing. [S.l.: s.n.] 227 páginas. ISBN 978-0-8028-4758-4