Nacionalismo cívico

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O nacionalismo cívico, também conhecido como nacionalismo democrático e nacionalismo liberal, é um dos tipos de nacionalismo, que adere aos valores liberais tradicionais de liberdade, tolerância, igualdade e direitos individuais[1] [2]. Oposto ao nacionalismo étnico, que é frequentemente associado a regimes autoritários ou ditatoriais, o nacionalismo cívico tem um papel histórico no desenvolvimento de governos constitucionais e democráticos [3].

Pensadores editar

Foi formulado por filósofos políticos que defendem uma forma não-xenofóbica de nacionalismo, compatível com valores de liberdade, tolerância, igualdade e direitos individuais.[4] Há teóricos que argumentam que uma identidade nacional robusta é crucial tanto para o bem-estar individual como para o funcionamento eficiente de democracias[5] [6].

Nacionalismo liberal é uma forma de nacionalismo, em que o estado deriva a legitimidade política a partir da participação ativa dos seus cidadãos (ver soberania popular), na medida em que ele representa a "vontade geral". Ele é muitas vezes visto como proveniente de Jean-Jacques Rousseau e, especialmente, o teorias sobre o contrato social que tomam o seu nome a partir seu livro de 1762 O Contrato Social.

Ernest Renan e John Stuart Mill são os fundadores do nacionalismo liberal. E desde então, Nacionalistas cívicos tipicamente defendem a importância de uma identidade nacional para que os indivíduos tenham uma vida significativa e autônoma,[7] e que democracias necessitam de identidade nacional para funcionar bem.[8]

Na obra “Considerações Sobre o Governo Representativo” de John Stuart Mill, filósofo e economista britânico, publicada em 1861. Partindo do princípio de que a construção da identidade nacional acontece através da adesão voluntária de seus cidadãos por compartilharem princípios políticos e valores, Stuart Mill argumenta que a participação ativa dos integrantes das instituições democráticas é necessária para a coesão nacional acontecer. Em sua obra, afirma que "Uma nação, por conseguinte, compõe-se de todas as pessoas que concordam em obedecer à mesma lei.", destacando a importância da cidadania ativa como alicerce da identidade nacional.

Seguindo os passos de John Stuart Mill, o filósofo e historiador francês Ernest Renan é um dos principais pensadores do conceito de nacionalismo liberal. Em seu ensaio "Qu'est-ce qu'une nation?" ("O que é uma nação?"), de 1882, Renan apresenta suas ideias, sobre nacionalismo e identidade nacional, explorando o entendimento de formação de um Estado-nação baseado em noções de livre arbítrio, engajamento cívico e consentimento político. O filósofo apresenta que nação é um conceito além da ancestralidade étnico-cultural, é uma união voluntária de indivíduos que optam por se unir a determinado grupo.

Logo, a noção de "nação cívica" é baseada na cidadania compartilhada dentro de um Estado e se define mais por instituições políticas e princípios liberais do que por características culturais ou étnicas [9]. Um exemplo dessa abordagem é o Artigo 66 da Constituição da Turquia, que considera "turco" qualquer indivíduo que adquira a cidadania turca, independentemente de sua origem étnica.

História da criação das Nações no século XIX editar

Nacionalismo liberal encontra-se dentro das tradições do racionalismo e do liberalismo, mas como uma forma de nacionalismo é contrastado com o nacionalismo étnico. Pertencer a uma nação é considerada uma escolha voluntária, como na clássica definição de Ernest Renan em "Qu'est-ce qu'une nation?" da nação como um "plebiscito diário", caracterizado pela "vontade de viver juntos".[10] Os ideais do nacionalismo liberal influenciaram o desenvolvimento da democracia representativa em países como os Estados Unidos e a França (ver o Estados Unidos Declaração de Independência de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789).

Como consequência das revoluções liberais do final do século XVIII e início do XIX e da estabilidade territorial proposta pelo Congresso de Viena (1815), ocorre a Primavera dos Povos (1848) na Europa ocidental e central. Este evento, prenunciando as mudanças tecnológicas de difusão de normas, conhecimento e discurso da Segunda Revolução Industrial, muda drasticamente dali em diante a expressão e coesão da população com relação ao Estado, no chamado nacionalismo.

O Nacionalismo altera então a divisão territorial da Europa com base em uma união sintética, orgânica e ancestral para algumas linhas de pensamento, das vontades de um grupo unido por um contrato. Nações como Alemanha (Império Alemão à época), Reino de Itália e Bélgica (independente em 1830) surgem enquanto entidades soberanas, entretanto, diversas nações só irão conquistar um Estado após a dissolução dos Impérios Centrais depois da Primeira Guerra Mundial em diante.

Características do Nacionalismo Cívico editar

Estados em que formas liberais de nacionalismo predominam são muitas vezes (mas não sempre) ex-colônias, como os Estados Unidos, Canadá, México, Brasil e Argentina, em que o nacionalismo étnico é difícil construir em conta a diversidade de etnias dentro do país. Uma exceção notável é a Índia, onde o nacionalismo liberal tem predominado devido à diversidade linguística, religiosa e étnica do país. Países nacionalistas liberais são muitas vezes caracterizados pela adoção do jus soli (direito do solo), para a concessão de cidadania no país, considerando todas as pessoas que nascem dentro da integral do território do estado, cidadãos e membros da nação, independentemente de seu país de origem. Isso serve para vincular a identidade nacional não com pessoas, mas sim com o território e sua história, e a história de anteriores ocupantes do território alheio aos atuais ocupantes são, muitas vezes, de apropriação de mitos nacionais.

Um ponto interessante e desdobramento significativo para Política ExternaRelações Internacionais é que, de acordo com Jack Snyder (cientista político americano), o nacionalismo cívico pode levar a uma abordagem mais cautelosa em relação às políticas externas, com os Estados nacionalistas cívicos demonstrando uma maior consideração pelos possíveis custos da guerra. Eles tendem a engajar-se em conflitos apenas quando acreditam poder vencê-los rapidamente, minimizando as perdas de vidas e recursos materiais. Além disso, esses Estados buscam acomodar todos os cidadãos dentro de uma estrutura legal e institucional não discriminatória, o que reforça a percepção de que o nacionalismo cívico é um princípio "racional", "benigno" e "desejável". No entanto, é importante notar que o nacionalismo cívico ainda oferece às elites políticas a oportunidade de buscar a cooperação do público, identificar "inimigos nacionais" e, consequentemente, aumentar a probabilidade de conflitos em comparação com um contexto onde o nacionalismo não exista.

Nações Cívicas editar

Estados Unidos editar

Nos Estados Unidos, o nacionalismo cívico encontra suas origens na Declaração de Independência de 1776, que estabeleceu os ideais fundadores de liberdade e igualdade. Este tipo de nacionalismo é central para a identidade nacional em um país caracterizado por sua diversidade étnica e cultural. A noção do Sonho Americano é frequentemente citada como um pilar do nacionalismo cívico americano, promovendo os ideais de oportunidade e mobilidade social para todos, independentemente de sua origem étnica ou cultural.

Brasil editar

No Brasil, o nacionalismo cívico tem desempenhado um papel significativo na formação da identidade nacional. Desde a Proclamação da República em 1889, o país tem priorizado os princípios de liberdade e igualdade. A concepção de "Brasilidade" é central para o nacionalismo cívico brasileiro e reflete uma identidade nacional que se baseia em valores cívicos compartilhados e cultura, ao invés de critérios étnicos.

Índia editar

A Índia representa um exemplo singular de nacionalismo cívico devido à sua diversidade linguística, étnica e religiosa. O país tem se esforçado para unificar sua população diversificada sob uma identidade nacional fundamentada em princípios democráticos e constitucionais. Contudo, vale ressaltar que a Índia enfrenta desafios relacionados a tensões étnicas e religiosas, que por vezes entram em conflito com os princípios de um nacionalismo baseado em valores cívicos.

Críticas editar

Embora o nacionalismo cívico seja frequentemente visto como uma forma mais inclusiva e tolerante de nacionalismo, ele também enfrenta críticas substanciais. Alguns teóricos argumentam que o nacionalismo cívico ainda pode ser usado para excluir grupos que não se alinham com os valores e normas dominantes da nação. Isso pode ser particularmente problemático em sociedades que são etnicamente, religiosamente ou culturalmente diversas. A seguir, vamos explorar 3 críticas que apresentam contrapontos à visão até então descrita do nacionalismo cívico.

Desafios à Distinção Cívica/Étnica e Ocidental/Oriental editar

O artigo de Stephen Shulman questiona a noção generalizada de que o nacionalismo cívico é dominante no Ocidente, enquanto o nacionalismo étnico prevalece no Leste. Shulman argumenta que essa dicotomia, quando verdadeira, é apenas fracamente verdadeira e, em várias medidas, é falsa. Isso sugere que o nacionalismo cívico não é necessariamente uma forma mais "avançada" ou "liberal" de nacionalismo, como frequentemente é apresentado. [11]

O Mito do Estado Cívico editar

Taras Kuzio desafia a definição de Hans Kohn de um nacionalismo "liberal, cívico ocidental" e "étnico oriental". Kuzio argumenta que essa estrutura é idealizada e não reflete a realidade histórica. Ele também critica a suposição de que os estados ocidentais sempre foram "cívicos" desde sua criação, apontando que em tempos de crise (imigração, guerras estrangeiras, secessão doméstica, terrorismo), o elemento cívico do estado pode continuar a ser ofuscado por fatores étnicos particulares. [12]

Nacionalismo Não Tão Cívico editar

Yael (Yuli) Tamir argumenta que, embora em teoria o nacionalismo cívico e o étnico sejam duas formas distintas de nacionalismo, na realidade as fronteiras são borradas. Ela sugere que a linguagem cívica não é apenas teoricamente imprecisa, mas também motiva a evasão onde a ação é necessária. Isso ocorre porque a suposição de que as democracias ocidentais transcenderam seus elementos nacionais e étnicos incentiva os políticos a ignorar as divisões sociais. [13]

Além destes pontos, há críticas mais práticas ao nacionalismo cívico, como a questão da implementação do nacionalismo cívico, que pode ser complexa e problemática. A ideia de que a cidadania é baseada em valores compartilhados pode ser difícil de aplicar em nações onde há profundas divisões sociais ou políticas. Além disso, a ênfase nos valores cívicos pode ser usada para justificar políticas de assimilação cultural que podem ser prejudiciais para grupos minoritários. Neste contexto, surgem abordagens alternativas como o nacionalismo liberal-culturalista, que valoriza a ocupação anterior e a expressão cultural nativa de um território-nação.

Observações atuais editar

Na última década, observa-se diferentes estratégias políticas de imigração adotadas pelos Estados frente às crises que diversos países, como Síria, Venezuela e Afeganistão, enfrentam em relação à sustentabilidade econômica, estabelecimento da paz e segurança da sua população.

Nos anos recentes, os Estados Unidos da América, como exemplo de Estado-nação tradicionalmente reconhecido como cívico, durante a gestão do ex-presidente Donald Trump, apresentou políticas migratórias restritivas, adotando um discurso pautado na retórica da ameaça [14]. O discurso do 45º presidente dos EUA na sua campanha pré-eleições de 2016 era explícito em sua intenção de diminuir a abertura que o país tinha em relação aos imigrantes, principalmente provenientes da América Latina. A política de imigração de Trump foi marcada pelas restrições à imigração: inicialmente, pelas pautas trazidas pelo presidente e seus apoiadores, e, posteriormente, por medidas de contenção e segurança frente à Pandemia do COVID-19, em que diversos países do mundo fecharam suas fronteiras como resposta em um dos capítulos mais tristes da história recente.

Desconsiderando as medidas de resposta à Pandemia do COVID-19 entre 2020 a 2022, observa-se países-reino da Commonwealth fortalecendo o discurso multiculturalista em conjunto a políticas de imigração. A imigração no Canadá na última década teve como objetivo aumentar a quantidade de pessoas imigrantes residindo e trabalhando no país como solução para os problemas de baixo crescimento populacional e falta de mão de obra. Durante dois triênios, iniciando em 2017, os Ministério de Imigração canadense adotou planos para admitir aproximadamente 1 milhão de residentes permanentes para que a população canadense crescesse um ponto percentual.

No Reino Unido, o Partido Nacional Escocês[15] e Plaid Cymru (O Partido do país de Gales), que defendem a separação do Reino Unido, proclamam-se partidos nacionalistas liberais[16] além do UKIP.[17]

O nacionalismo liberal Ucrânia após a União Soviética, tem prevalecido desde a Revolução Laranja.[18]

Referências

  1. SCHROCK-JACOBSON, Gretchen (2012). The Violent Consequences of Nation: Nationalism and the initiate of interstate war Groups. [S.l.]: Journal of Conflict Resolution, v. 56, n. 5. 
  2. Snyder, Jack (2000). From Voting to Violence: Democratization and Nationalist Conflict Groups. [S.l.]: W. W. Norton & Company. 
  3. Stylz, Ana (2009). Civic Nationalism and Language Policy.Groups. [S.l.]: Philosophy & Public Affairs. 37. 257 - 292. 10.1111/j.1088-4963.2009.01160.x. 
  4. Tamir, Yael (3 de julho de 1995). Liberal Nationalism (em inglês). [S.l.]: Princeton University Press. ISBN 1400820847 
  5. Honsbawn, Eric (1990). Nations and Nationalism since 1780: Programme, Myth, Reality.Groups. [S.l.]: Cambridge University Press 
  6. Smith, Anthony (1998). Nationalism and Modernism: a critical survey of recent theories of nations and nationalism.Groups. [S.l.]: Routledge 
  7. Kymlicka, Will (1996). Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights (em inglês). [S.l.]: Clarendon Press. ISBN 9780198290919 
  8. Miller, David (5 de outubro de 1995). On Nationality (em inglês). [S.l.]: Clarendon Press. ISBN 9780191521133 
  9. Shulman, Stephen (2002). Challenging the Civic/Ethnic and West/East Dichotomies in the Study of Nationalism Groups. [S.l.]: Comparative Political Studies, v. 35, n. 5. 
  10. "Qu'est-ce qu'une nation?"
  11. Shulman, Stephen (2002). Challenging the Civic/Ethnic and West/East Dichotomies in the Study of Nationalism Groups. [S.l.]: Comparative Political Studies, v. 35, n. 5. 
  12. Taras, Kuzio (2001). The myth of the civic state: a critical survey of Hans Kohn's framework for understanding nationalism Groups. [S.l.]: Ethnic and Racial Studies, v. 24, n. 1  Texto "https://doi.org/10.1080/01419870120112049" ignorado (ajuda)
  13. Tamir, Yael (2019). Not So Civic: Is There a Difference Between Ethnic and Civic Nationalism? Groups. [S.l.]: Annual Review of Political Science, v. 22. 
  14. Contrera, F; Mariano, K.L.P; Menezes, R.G (2022). RETÓRICA DA AMEAÇA E SECURITIZAÇÃO: A política migratória dos Estados Unidos na administração Trump Groups. [S.l.]: Revista Brasileira De Ciências Sociais, 37(108), e3710802.  Texto "https://doi.org/10.1590/3710802/2022" ignorado (ajuda)
  15. Brubaker, Rogers; Brubaker, Professor of Sociology and UCLA Foundation Chair Rogers (2004). Ethnicity Without Groups (em inglês). [S.l.]: Harvard University Press. ISBN 9780674015395 
  16. EU vote: Where the cabinet and other MPs stand
  17. Is there room in this party for a pro-Brexit liberal?
  18. Rozin, Igor (24 de janeiro de 2014). «Radicais levam sistema ucraniano a impasse»