O desterro dos mortos

O desterro dos mortos é um livro de contos impactantes do escritor baiano Aleilton Fonseca publicado pela Relume Dumará em 2001. Este livro faz parte da lista de obras indicadas para o vestibular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).[1][2][3] O livro leva os leitores a refletir sobre as relações humanas e sua própria existência diante do progressivo processo de desumanização da sociedade contemporânea. Há um entrelaçamento dos personagens e temas dos contos que compõem a obra. As narrativas se unem em torno dos temas de morte, dor, perda, culpa, decepções, solidão e rompimento, que são revelados pelo personagem-narrador. As experiências de perda conduzem o narrador à sua própria transformação e ao encontro consigo mesmo.[4]

O desterro dos mortos
Autor Aleilton Fonseca
Título original Brasil
País Brasil
Data de publicação 2001

Conteúdo editar

O desterro dos mortos é composto de 12 contos e um posfácio escrito pela professora Rita Santos da Universidade do Estado da Bahia. É escrito em um estilo bastante inovador, com uma linguagem arrebatadora que fisga o leitor desde o início até a última página. O livro é repleto de um lirismo contundente, característica de seu autor que, além de ficcionista, é também poeta e ensaísta.[5][6] A maioria dos contos apresenta uma relação temática e de seus personagens, como ressalta o posfácio de Rita Santos.[7]

  • O livro inicia com o conto "Nhô Guimarães," cujo título se transformou em outro romance do autor em 2006.[8] Trata-se de uma homenagem a Guimarães Rosa. Neste conto, a narradora, uma mulher sertaneja idosa, descreve as lembranças das antigas visitas de Nhô Guimarães a um visitante que a princípio ela achava que fosse Nhô Guimarães pelo modo de cavalgar, mas que parecia ser bem mais jovem. O autor toma de empréstimo o estilo e a oralidade da linguagem roseana no romance Grande Sertão: Veredas e ficcionaliza um relato de como o escritor mineiro pesquisou e registrou em anotações a linguagem do sertão mineiro para depois usá-la em seu romance. Ao final da narrativa, o autor deixa a interpretação em aberto ao leitor para que ele decida se o visitante é uma outra pessoa ou o próprio Nhô Guimarães que deixou sua moradia no mundo dos mortos para fazer sua última visita àquele local.
  • O segundo conto, "O sorriso da estrela", narra a relação conflitante de uma garota chamada Estela, portadora de deficiência mental, e seu irmão Pedro. Estela dedicava amor e atenção ao irmão, mas Pedro não era capaz de perceber o seu carinho e cuidado para com ele. Com a morte de Estela aos treze anos, Pedro, três anos mais novo do que ela, passa a perceber o quanto amava a irmã. A narrativa tem início no velório de Estela. Pedro relembra os momentos passados e só assim passa a perceber o cuidado da irmã para com ele. Em um misto de saudade e culpa por não ter se apercebido daquele sentimento antes, Pedro se dá conta da amabilidade de Estela, que agora se encontra morta. O conto enfoca a tristeza provocada em Pedro pela morte da irmã através da lembrança de seu sorriso que se transforma em uma estrela, e agora sorri eternamente para ele. De forma pungente, o conto enfatiza, em flashback, a saudade do jovem irmão e seu sentimento de culpa por não ter compreendido nem o carinho da irmã, nem o amor que ela lhe dedicava através de sua linguagem ao chamar-lhe de Dindinho. É através da morte da irmã que o personagem alcança a maturidade e passa a compreender a dimensão do sentimento da perda de um ente amado.[9] Este conto foi publicado pela primeira vez em Jaú dos Bois (1997), tendo agraciado o autor com o 3° Prêmio Nacional de Contos da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Também aparece na coletânea O conto em vinte e cinco baianos (2009).[10]
  • "O avô e o rio" narra a luta de um homem com um rio que invade suas terras, ao mesmo tempo em que descreve a relação entre um neto e seu avô e enfatiza temas como aprendizado, conhecimento e herança, tanto no nível material como emocional, legados familiares que passam de pais e avós para filhos e netos.[11] Da amizade entre o avô e o neto, o leitor descobre que os dois só possuem um ao outro a quem possam recorrer.[9] De modo arrebator, o narrador conta como o avô vai envelhecendo e perdendo suas forças, até o dia em que o neto não pode mais contar com ele.
  • Em "O pescador", o autor aborda os problemas da poluição e devastação da natureza sob a ótica de um escritor que, através de uma antiga fotografia, empreende uma viagem fictícia de canoa com Juca e Antonho, dois pescadores de siri, com o intuito de buscar material para a escrita de um conto. Neste passatempo, o escritor (João Paulo, apelidado de Janjão na infância) reencontra seu antigo colega de escola e ambos acabam por rememorar lembranças da infância. Além de trazer à tona lembranças de um passado mútuo que havia se perdido, a pesca se transforma em uma metáfora para o ato de escrever através da pesca de palavras, mas também para o ato de recuperação de memórias através da pesca de lembranças, embora a pesca só tenha acontecido de forma ficcional através da mente do escritor.
  • "Para sempre" é a história de um menino que desconhece seu pai. Sua mãe havia dito a ele que não tinha pai. Contudo, antes de morrer, sua mãe revela que ele tinha pai, mas a doença a levou antes de ela dizer-lhe quem era. O conto gira em torno do mistério que acompanha a vida do garoto, mistério que só é desvendado ao final da narrativa.

Além desses, o livro apresenta os seguintes contos, tão surpreendentes quanto os anteriores: "O voo dos anjos", "O sabor das nuvens", "O casal vizinho", "Amigos, amigos", "In memoriam", "O desterro dos mortos" e "Jaú dos bois".

Recepção crítica editar

O livro foi muito bem recebido pela crítica[12] e pelos leitores, como pode se ver pela reação de alguns deles no site Scoob, como descreve o seguinte exemplo:

"O livro é todo vazado em uma prosa simples, atraente, poética, que narra os fatos com a leveza, detalhes e uma enorme solidariedade para com as personagens e o leitor. A morte marca as narrativas e instiga o leitor a pensar na existência humana e na importância de tentar compreender e aceitar as diferenças no convívio com as pessoas próximas e com os semelhantes."[13]

O site Toque poético escreveu sobre o livro:

"Não é um livro para deleite fantasioso no qual a leitura provoca suspiros apaixonados, divagações, mas as histórias são impactantes, tiram o leitor, de certa forma, de um local de conforto para refletir a própria experiência, talvez porque mesmo sendo ficcional, os contos trazem sentimentos verdadeir[o]s que se manifestam diante das perdas. E a morte é a nossa grande perda, e de forma brilhante, Aleilton Fonseca a coloca como um momento [de] transcendência, como uma linha de fuga para encontrar-se, seja com a morte de uma irmã, um pai, um avô, escritor, amigo ou até a morte da inocência e de um sonho."[4]

Na resenha do livro feita por Cyro de Matos denominada "Lirismo do contista Aleilton Fonseca", este escritor tece vários elogios ao livro e ao autor e conclui, afirmando:

"As histórias de Aleilton Fonseca fornecem a sensação de que entram pelos ouvidos e ficam com seriedade ritmadas dentro de nós sob puro lirismo. Assim são construídas com seus tremores e amores, como feixes acesos de humanidades múltiplas, determinam simpatia entre o real e o sonho. Não precisam de questionamentos profundos nas razões de ser dos outros no mundo, e porque dotadas de puro lirismo simplesmente o coração as aceita, pulsam amores em atitudes e sentimentos."[14]

Além disso, o livro vem sendo analisado em diversos trabalhos acadêmicos, o que demonstra a sua importância para a literatura e para a crítica literária nacional.

Referências

  1. «Vestibular UNEB 2020: guia completo para se sair bem». Imaginie. 23 de novembro de 2019. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  2. «Obras Literárias: conheça os livros cobrados para os vestibulares 2020». Blog Maxi Educa. 25 de julho de 2019. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  3. Line, A. TARDE On. «Uneb divulga lista de livros exigidos no vestibular 2013». Portal A TARDE. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  4. a b toquepoetico (3 de abril de 2017). «O desterro dos mortos ( comentário)». Toque Poético. Consultado em 11 de setembro de 2020 
  5. «Aleilton Fonseca». Wikipédia, a enciclopédia livre. 5 de setembro de 2020. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  6. «Biografia». aleilton.blogspot.com. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  7. Santos, Rita. Pósfácio. O desterro dos mortos: contos. Rio de Janeiro: relume Dumará, 2001. pp. 113-121.
  8. Rocha, Helder Santos (30 de junho de 2015). «O criador como criatura: Guimarães Rosa revisitado no romance Nhô Guimarães , de Aleilton Fonseca». Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (13). ISSN 1984-7556. doi:10.35520/flbc.2015.v7n13a17235. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  9. a b «"O desterro dos mortos", de Aleiton Fonseca». diversaslinguagens. 29 de outubro de 2013. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  10. «Jornada». www2.uefs.br. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  11. «O desterro dos mortos» (PDF). Biosaprova 
  12. Universo, Universo (9 de agosto de 2017). «Universo de Utopia : O desterro dos mortos». Universo de Utopia. Consultado em 11 de setembro de 2020 
  13. «Resumo - O desterro dos mortos - Recentes - 1». www.skoob.com.br. Consultado em 10 de setembro de 2020 
  14. Machado, Eglê Santos (7 de agosto de 2018). «Itabuna Centenária Artes & Literatura - ICAL: LIRISMO DO CONTISTA ALEILTON FONSECA – Cyro de Mattos». Itabuna Centenária Artes & Literatura - ICAL. Consultado em 11 de setembro de 2020