Ocelo (mimetismo)

mancha que mimetiza um ou mais olhos e que se encontra nos animais

O ocelo[1] ou mancha ocelar[2][3] é uma mancha arredondada e muitas vezes multicolor, com a aparência dum olho, que aparece em alguns órgãos de algumas espécies de animais (como peixes, borboletas, répteis e aves) e que pode cumprir certas funções biológicas miméticas[4]. Em todo o caso não é consensual entre estudiosos que o objectivo de todo e qualquer tipo de ocelos seja necessariamente o de imitar olhos. [5]

Exemplar de Mycalesis patnia exibe ocelos de tamanhos diferentes nas asas.

Distribuição zoológica editar

Lepidópteros editar

 
Automeris io

Há indícios que corroboram a tese de que as borboletas e outros lepidópteros se sirvam dos ocelos como mecanismos anti-predador, seja como comportamento deimático, por molde a intimidar predadores ou a ludibriá-los para que não ataquem órgãos vitais.[6][7]

Nalgumas espécies como a Hipparchia semele, as notórias manchas ocelares ficam ocultas, quando a borboleta está a descansar e fecha as asas, só as exibindo quando se apercebe da aproximação de potenciais predadores.[8]

Noutras espécies de borboletas, como a Bicyclus anynana, os ocelos também podem servir como mecanismo de camuflagem, ao imitarem o padrão de folhas caídas.[9]

E há ainda outros casos, em que os ocelos das borboletas também podem desempenhar um papel na selecção de parceiros sexuais.[10] A selecção sexual promove a diversificação de ocelos nas mais variegadas espécies de lepidopteros, na medida em que há uma preferência de certas espécies por ocelos de determinados tamanhos e cores.[11][12]

Há algumas espécies de lagartas, como as da família dos esfingídeos, que têm ocelos nos segmentos anteriores do abdómen. Quando se sentem ameaçadas, retraem a cabeça e os segmentos toráxicos (onde estão os órgãos vitais) do para dentro do abdómen, deixando apenas em evidência os tais ocelos da traseira, que se assemelham a um par de olhos ameaçadores.[8]

Por outro lado, há espécies de borboletas, como as da família dos licenédeos, que têm "caudas" filamentosas na parte anterior das asas, com padrões concêntricos ao pé, que conjuntamente, formam a aparência de uma cabeça falsa.[13] Esta adaptação mimética serve para ludibriar predadores, como pássaros ou aranhas-saltadoras (Salticidae), por molde a minorar os ataques dirigidos aos órgãos vitais (como a cabeça) e a aumentar as hipóteses de sobrevivência, em caso de fuga.[14]

Répteis e mamíferos editar

Há alguns répteis, como o Lacerta agilis, que têm ocelos dispostos em fileira nos flancos e na cauda.[15]

Há inúmeras espécies de felinos, como os servais, que contam com ocelos especiais na parte de trás das orelhas, que se crê que possam servir como mecanismo de indicação para as crias, no sentido de as orientar para seguirem os progenitores.[16][17]

Aves editar

 
Ocelos da cauda do pavão

Os machos de certas espécies de aves, como o pavão, têm ocelos vistosos na plumagem da cauda, que tanto podem ser usados para efeitos deimáticos, como para atrair as fêmeas.[18] O número de ocelos na cauda de um pavão pode ser determinante no sucesso sexual de um pavão, de acordo com estudos ornitológicos, se o pavão vir as penas da cauda cortadas, e assim o número de ocelos reduzido, as pavoas tendem a perder o interesse nele.[19]

Há, ainda, inúmeras espécies de coruja que têm ocelos na nuca, por molde a imitar um segundo par de olhos, a fim de dissuadir os predadores de as tentarem atacar pelas costas.[20]

Peixes editar

 
Chaetodon capistratus com ocelos na cauda para despistar os predadores.

Há várias espécies de peixes que exibem ocelos, a título de exemplo, o peixe-borboleta recebe este nome exactamente por causa dos grandes e vistosos ocelos que lhe exornam as barbatanas da cauda.[21]

Estes ocelos podem servir para despistar os predadores, de feição a que ataquem a cauda, em vez de outras partes do corpo mais vitais e difíceis de esquivar ou ainda para fintar o predador, induzindo-o em erro quanto à direcção para que o peixe vai guinar.[22] Trata-se portanto de uma manifestação de automimetismo.[23]

Desenvolvimento dos ocelos editar

O estudo do desenvolvimento dos ocelos foi um dos campos mais destacados da biologia do desenvolvimento e da evo-devo. [24]

Fred Nijhout mostrou que a posição dos ocelos, nas borboletas, é determinada já durante a embriogénese e que os padrões concêntricos, que se irão transformar no ocelo, são induzidos por um centro morfogenético, designado «foco», que se encontra no centro do ocelo em desenvolvimento, o qual instrui as células circunvizinhas para que assumam determinado tipo de padrão de pigmentação.[25][26]

Referências

  1. S.A, Priberam Informática. «ocelo». Dicionário Priberam. Consultado em 9 de julho de 2021 
  2. «BORBOLETA CORUJA (Caligo beltrao. Klima Naturali. Junho de 2011. 1 páginas. Consultado em 27 de janeiro de 2021. Durante o dia, pousada à sombra da vegetação, mostra, nas asas posteriores, duas manchas ocelares, uma em cada asa, que lembram olhos de coruja, com pupila negra e íris clara. 
  3. Baumgartner, Gilmar; Pavanelli, Carla Simone; Baumgartner, Dirceu; Bifi, Alessandro Gasparetto; Debona, Tiago; Frana, Vitor André (2012). «Perciformes» (PDF). SciELO Livros. p. 174. Consultado em 27 de janeiro de 2021. Mancha ocelar preta circundada por uma estreita região esbranquiçada ou amarelada, localizada na base da nadadeira caudal. 
  4. Kodandaramaiah, U. (2011). «Eyespot evolution: phylogenetic insights from Junonia and related butterfly genera (Nymphalidae: Junoniini)». Behavioral Ecology. 22 (5): 1264–1271. PMID 19754706. doi:10.1111/j.1525-142X.2009.00357.x 
  5. Stevens, Martin; Ruxton, Graeme D. (2014). «Do animal eyespots really mimic eyes?» (PDF). Current Zoology. 60 (1): 26–36. doi:10.1093/czoolo/60.1.26. Cópia arquivada (PDF) em 12 de dezembro de 2013 
  6. Vallin, A.; Jakobsson, S.; Lind, J.; Wiklund, C. (2005). «Prey survival by predator intimidation: an experimental study of peacock butterfly defence against blue tits». Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. 272 (1569): 1203–1207. PMC 1564111 . PMID 16024383. doi:10.1098/rspb.2004.3034 
  7. Prudic, K. L.; Jeon, C.; Cao, H.; Monteiro, A. (6 de janeiro de 2011). «Developmental Plasticity in Sexual Roles of Butterfly Species Drives Mutual Sexual Ornamentation». American Association for the Advancement of Science (AAAS). Science. 331 (6013): 73–75. Bibcode:2011Sci...331...73P. JSTOR 40986635. PMID 21212355. doi:10.1126/science.1197114 
  8. a b Stevens, Martin (Novembro 2005). «The role of eyespots as anti-predator mechanisms, principally demonstrated in the Lepidoptera». Biological Reviews. 80 (4): 573–588. PMID 16221330. doi:10.1017/S1464793105006810 
  9. Bhardwaj, Shivam; Jolander, Lim Si-Hui; Wenk, Markus R.; Oliver, Jeffrey C.; Nijhout, H. Frederik; Monteiro, Antonia (2020). «Origin of the mechanism of phenotypic plasticity in satyrid butterfly eyespots». eLife. 9. ISSN 2050-084X. PMC 7012602 . PMID 32041684. doi:10.7554/eLife.49544 
  10. Costanzo, K.; Monteiro, A. (2006). «The use of chemical and visual cues in female choice in the butterfly Bicyclus anynana». Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. 274 (1611): 845–851. PMC 2093980 . PMID 17251116. doi:10.1098/rspb.2006.3729 
  11. Breuker, Casper J.; Brakefield, Paul M. (2002). «Female choice depends on size but not symmetry of dorsal eyespots in the butterfly Bicyclus anynana». Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences. 269 (1497): 1233–1239. ISSN 0962-8452. PMC 1691026 . PMID 12065039. doi:10.1098/rspb.2002.2005 
  12. Huq, M.; Bhardwaj, S.; Monteiro, A. (2019). «Male Bicyclus anynana butterflies choose females on the basis of their ventral UV-reflective eyespot centers». Journal of Insect Science. 19 (1). 25 páginas. PMC 6390274 . PMID 30794728. doi:10.1093/jisesa/iez014 
  13. Robbins, Robert K. (Novembro de 1981). «The 'False Head' Hypothesis: Predation and Wing Pattern Variation of Lycaenid Butterflies». The American Naturalist. 118 (5): 770–775. doi:10.1086/283868 
  14. Sourakov, Andrei (2013). «Two heads are better than one: false head allows Calycopis cecrops (Lycaenidae) to escape predation by a Jumping Spider, Phidippus pulcherrimus (Salticidae)». Journal of Natural History. 47 (15–16): 1047–1054. doi:10.1080/00222933.2012.759288 
  15. «Reptile ID guide». Amphibian and Reptile Group. Consultado em 11 de Abril 2016 
  16. Sunquist, Mel; Sunquist, Fiona (2017). Wild Cats of the World. [S.l.]: University of Chicago Press. pp. 8–9. ISBN 978-0-226-51823-7 
  17. Stephens, Patrick R; Graipel, Maurício Eduardo; Bogoni, Juliano André; Giehl, Eduardo Luís Hettwer; Cerezer, Felipe O.; Cáceres, Nilton Carlos; Eizirik, Eduardo (2019). «Melanism evolution in the cat family is influenced by intraspecific communication under low visibility». PLOS ONE. 14 (12): e0226136. Bibcode:2019PLoSO..1426136G. ISSN 1932-6203. PMC 6919575 . PMID 31851714. doi:10.1371/journal.pone.0226136 
  18. Petrie, Marion; Halliday, T.; Sanders, C. (1991). «Peahens prefer peacocks with elaborate trains». Animal Behaviour. 41 (2): 323–331. doi:10.1016/S0003-3472(05)80484-1 
  19. Petrie, M. (1992). «Peacocks with low mating success are more likely to suffer predation». Animal Behaviour. 44: 585–586. doi:10.1016/0003-3472(92)90072-H 
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  22. Cott, Hugh B. (1940). Adaptive Coloration in Animals. [S.l.]: Oxford University Press. p. 373 
  23. Bos, A. R. (Março de 2016). «Soft corals provide microhabitat for camouflaged juveniles of the Blackspotted wrasse Macropharyngodon meleagris (Labridae)». Marine Biodiversity. 46 (1): 299–301. doi:10.1007/s12526-015-0332-x 
  24. Breakfield, M.P.; Gates, J.; Keys, D.; Kesbeke, F.; Wijngaarden, J. P.; Monteiro, A.; French, V.; Carroll, S. B. (Novembro de 1996). «Development, plasticity and evolution of butterfly eyespot patterns». Nature. 384 (6606): 236–242. Bibcode:1996Natur.384..236B. PMID 12809139. doi:10.1038/384236a0 
  25. Keys, D. N.; Lewis, D. L.; Selegue, J. E.; Pearson, B. J.; Goodrich, L. V.; Johnson, R. L.; Gates, J.; Scott, M. P.; Carroll, S. B. (Janeiro de 1999). «Recruitment of a hedgehog Regulatory Circuit in Butterfly Eyespot Evolution». Science. 283 (5401): 532–534. Bibcode:1999Sci...283..532K. PMID 9915699. doi:10.1126/science.283.5401.532 
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