Ouriço-terrestre

mamífero europeu conhecido por seus espinhos pelo corpo
 Nota: Este artigo é sobre a espécie de animal Erinaceus europaeus. Para outros animais também conhecidos como ouriços-cacheiros, veja Erethizontidae.

O ouriço-cacheiro (português europeu) ou ouriço-terrestre (português brasileiro)[1] ou chamado pelo seu nome científico: Erinaceus europaeus também chamado porco-espinho,[2] ouriço-cacho[3] ou, simplesmente, ouriço[4] é um mamífero insectívoro primitivo da família Erinaceidae, a qual engloba 16 espécies. O ouriço-cacheiro está apenas presente no continente europeu (nativo), sendo introduzido na Nova Zelândia.[5] Em Portugal é uma espécie fácil de encontrar na natureza.

Como ler uma infocaixa de taxonomiaOuriço-terrestre

Estado de conservação
Espécie pouco preocupante
Pouco preocupante (IUCN 3.1)
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Erinaceomorpha
Família: Erinaceidae
Subfamília: Erinaceinae
Género: Erinaceus
Espécie: E. europaeus
Nome binomial
Erinaceus europaeus
Linnaeus, 1758
Distribuição geográfica
mapa de distribuição na Europa
mapa de distribuição na Europa

Descrição editar

Os ouriços-terrestres são facilmente reconhecíveis pelos seus espinhos, que revestem todo o corpo exceto o focinho e ventre. O ouriço-cacheiro tem cerca de seis mil espinhos aguçados de 2 a 3 centímetros, que cobrem o dorso e os flancos do seu corpo. Os espinhos são pêlos modificados cuja mobilidade é controlada pelos músculos. Os espinhos são eriçados, de cor castanha matizada com tons mais ou menos escuros, porém o pêlo da barriga é creme ou esbranquiçado.

Quando se sente ameaçado, o ouriço-terrestre enrola-se sobre si próprio, ocultando as partes expostas do seu corpo, como o ventre, os membros e a cabeça, transformando-se numa “bola com picos”, bastante difícil de penetrar. A cabeça distingue-se facilmente do resto do corpo, os olhos são grandes, as orelhas são relativamente pequenas e pontiagudas e possui uma cauda rudimentar.[6]

 
esqueleto em relação ao corpo

Não existe dimorfismo sexual, isto é, não existem características evidentes que diferenciem machos e fêmeas. No entanto, a principal diferença é que os machos possuem testículos intra-abdominais e o pénis bastante desenvolvido, enquanto a fêmea possui uma vagina perto do ânus e têm cinco pares de mamilos ou têtas: um par na zona peitoral, dois pares na zona abdominal e dois pares na zona inguinal.[7] O comprimento do corpo varia entre 20 e 35 centímetros e a cauda entre 10 e 20 centímetros. Os animais adultos pesam em média 700 gramas, podendo este valor variar entre 400 e 1200 gramas. Um animal que não possua, pelo menos, entre 500 e as 600 gramas terá dificuldade em sobreviver ao período de hibernação.[8] Geneticamente são seres diplóides (2n) com 48 cromossomas.[8] A longevidade média é de 3 anos mas podem viver até aos 16 anos[9].

Distribuição geográfica editar

 
Mapa do Atlas de Mamíferos de Portugal, 2ª edição (2019)

[10] O ouriço-terrestre distribui-se por quase toda a Europa Ocidental e central, incluindo as ilhas Britânicas, áreas costeiras e meridionais da Escandinávia, estendendo-se aos Países Bálticos como a Finlândia, Estónia e partes ocidentais da Carélia, na Rússia. A sua fronteira leste atinge a porção ocidental da Polónia, Áustria, República Checa e Eslovénia. Pode ser encontrada em quase toda a Península Ibérica. No Mediterrâneo, apenas ocorre nas ilhas da Córsega (França), Sardenha e Sicília (Itália).[5]

Não ocorre nas ilhas Baleares, Canárias, Chipre, Madeira, Malta, Balcãs ou Grécia.[6] Foi introduzido artificialmente nalgumas ilhas dos Açores, nomeadamente em São Miguel, Santa Maria, Terceira, São Jorge, Pico e Faial.

Ecologia e comportamento editar

Na Península Ibérica possui uma vasta gama de meios naturais, desde zonas abertas a áreas mais arborizadas, esta última é a mais procurada pelos ouriços-terrestres pois oferece abrigo e proteção. Na área do Mediterrâneo preferem áreas mais húmidas, como florestas. Habitam também zonas semiurbanas, como jardins.

O ouriço-terrestre é um animal ativo, principalmente ao crepúsculo e durante a noite. O ouriço-cacheiro é insetívoro, isto é, o seu regime alimentar passa sobretudo por pequenos insetos. No entanto, também come frutos silvestres, sementes, minhocas, caracóis, ovos de aves (de ninhos que são construídos no solo) ou ainda pequenas rãs e répteis que encontre pelo seu caminho. Apesar das pequenas pernas, o ouriço-terrestre pode percorrer um a três quilómetros numa noite à procura de alimentação.[11]

 
Ouriços-terrestres também consomem frutos

Como se alimenta em poucas porções e tem uma taxa metabólica muito alta, os ouriços-terrestres procuram alimento também durante o dia, em especial as fêmeas durante o período de amamentação e os jovens, pois têm maiores necessidades energéticas.[11]

Os ouriços-terrestres são animais solitários, não sendo contudo animais territoriais. A sua área territorial varia entre 20 a 30 hectares para os machos e cerca de 10 hectares para as fêmeas.[6]

Não são animais agressivos, mas há registo de lutas principalmente entre os machos, para estabelecer domínio entre eles.

São mamíferos noctívagos e hibernam, usando uma toca que cavam no solo. A hibernação do ouriço ocorre de novembro a março normalmente, havendo uma alta taxa de mortalidade nos ouriços durante a primeira hibernação.[6] Durante a hibernação o seu ritmo cardíaco passa de cerca de 190 bpm para 20 bpm e a respiração quase pára.

Os ouriços-terrestres constroem tocas para hibernar e terem as crias. Durante os meses mais quentes do ano, refugiam-se em locais com vegetação densa, mudando muitas vezes de abrigo. Em Portugal, a hibernação acontece nos ouriços-terrestres que habitam regiões de elevadas altitudes, como a Serra da Estrela e planaltos do distrito de Bragança, onde o frio é muito acentuado.[12]

Reprodução editar

Por terem o corpo coberto de espinhos, é difícil pensar como os ouriços-terrestres se reproduzem. Porém os espinhos são manobráveis e, na época de reprodução, quando o macho faz uma “dança” à volta da fêmea, esta baixa os espinhos de forma a que os espinhos fiquem deitados sobre o seu corpo, permitindo o acasalamento.[11]

 
Ouriço-terrestre bebê

Em Portugal, os ouriços podem acasalar entre Janeiro/Fevereiro e Agosto/ Setembro, sendo que na maior parte das vezes, acasalam apenas uma vez por ano. A fêmea constrói um ninho com penas e palhas onde criará sozinha, a sua ninhada.

O período de gestação tem a duração de 35 dias, nascendo 2 a 6 crias. As crias nascem cegas, de cor branca e com peso relativo de 10 a 25 g. As crias não nascem com os picos aguçados e o seu corpo está envolto numa camada gelatinosa espessa. Deste modo, ao nascer, as crias não ferem a mãe. Mas no interior dos espinhos há um líquido que horas após o nascimento, secará levando a que estes rapidamente fiquem eriçados e fortes. A abertura dos olhos ocorre após duas semanas e as crias começam a sair do ninho na terceira semana. A amamentação dura cerca de um mês. Após esse período, a cria alimenta-se sem qualquer auxílio dos progenitores.[13]

Até ao primeiro ano de vida, a mortalidade é bastante elevada (até 70%). Passado esse ano, os ouriços conseguem viver até cinco anos. A maturidade sexual é atingida ao primeiro ano de vida. As crias, desde a nascença enrolam-se sobre si mesmas, pois são deixadas sozinhas no ninho pela progenitora que necessita de se alimentar. Embora as crias sejam mais vulneráveis, pois os seus espinhos são menos duros, os predadores não são a principal ameaça dos ouriços.[14]

Fatores de ameaça editar

Por serem animais relativamente lentos, são um dos vertebrados mais susceptíveis de ser atropelados.[15] Em Portugal não são uma espécie em risco. Noutras regiões, por exemplo, na província de Leão (Espanha) são atropelados em média de 1,7 indivíduos por quilómetro.[15] No que diz respeito a relações bióticas, existem registos de o ouriço-terrestre ser presa do bufo-real [16](Bubo bubo), raposas (Vulpes vulpes), texugos (Meles meles) e mesmo cães (Canis familiaris).

Parasitas editar

São animais que apresentam diversas patologias, sendo parasitados por trematódes, nematodes, sifonápteros e acarinos, entre os quais alguns parasitas exclusivos, como o trematóde Brachylaemus erinacei e a pulga Archaeopsylla erinacei.[17]

Fatores de conservação editar

 

O ouriço-terrestre está classificado como espécie com estatuto de conservação pouco preocupante (LC), segundo a Lista Vermelha da IUCN[5].

Apesar de a sua principal ameaça ser os atropelamentos, não estão sujeitos a nenhuma tendência regressiva e são relativamente abundantes [18] na sua área de distribuição. O ouriço-cacheiro é uma das espécies que está listada no Anexo III da Convenção de Berna. Ocorre em várias áreas protegidas dentro da sua área geográfica.

Importância cultural e económica editar

 
A Lebre e o Ouriço-cacheiro (ilustração de Otto Ubbelohde), lenda dos Irmãos Grimm

Tradicionalmente, não tem particular interesse económico especial pelo seu uso. Em certas regiões Europeias são animais por vezes perseguidos pelo homem, pois alimentam-se de ovos de aves cinegéticas que têm ninho no solo.[13]

No País Basco e em Portugal no passado era uma espécie capturada com fins gastronómicos. O ouriço-terrestre era considerado um petisco no sul de Portugal, tendo o prato nome de «leitão da serra». Atualmente, não é permitida a captura destes animais selvagens.[7] Regra geral, hoje têm a estima humana pela sua morfologia única e natureza inofensiva. São parte do imaginário infantil, com personagens comuns em literatura (contos) e programas infantis em muitos Países.[19][20][21]

Informações taxonómicas editar

Estudos genéticos recentes apoiam a distinção duma nova subespécie E. europaeus hispanicus, endémica à Península Ibérica, mas serão necessários estudos adicionais a fim de confirmar esta possibilidade.[6]

Referências

  1. «Dicionário Priberam» 
  2. «Dicionário Aulete» 
  3. «Dicionário Estraviz» 
  4. «Dicionário Priberam» 
  5. a b c Amori, G., Hutterer, R., Kryštufek, B., Yigit, N., Mitsain, G. & Palomo, L.J. 2008. Erinaceus europaeus. In: IUCN 2013. IUCN Red List of Threatened Species. Version 2013.2. <www.iucnredlist.org>.
  6. a b c d e Palomo, L. J., Gisbert , J. y Blanco, J. C. (2007). Atlas de los mamíferos terrestres de España (Dirección ., p. 558). Madrid, España. Retrieved from http://scholar.google.pt/scholar?q=Atlas+de+los+Mamíferos+Terrestres+de+España&btnG=&hl=pt-PT&as_sdt=0,5#2
  7. a b Mitchell-Jones, A., & Amori, G. (1999). The atlas of European mammals. Wageningen UR, Library (Netherlands) WURL, 1, 12. Retrieved from http://agris.fao.org/agris-search/search/display.do?f=2012/NL/NL201233744074.xml;NL2012033807
  8. a b alomo, L. J., Gisbert , J. y Blanco, J. C. (2007). Atlas de los mamíferos terrestres de España (Dirección ., p. 558). Madrid, España. Retrieved from http://scholar.google.pt/scholar?q=Atlas+de+los+Mamíferos+Terrestres+de+España&btnG=&hl=pt-PT&as_sdt=0,5#2 Robinson, M. (1996). A relationship betwen echolocation calls and noseleaf widths in bats of the genera Rhinolophus and Hipposideros. Journal of Zoology. Retrieved from http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1469-7998.1996.tb05459.x/abstract Sharp, L. (1985). British Hedgehog Preservation Society. Environmental Conservation. Retrieved from http://journals.cambridge.org/abstract_S0376892900016167
  9. Mendes, Renata (23 de fevereiro de 2023). «Encontraram o ouriço-cacheiro mais velho do mundo». PÚBLICO. Consultado em 23 de março de 2024 
  10. Joana Bencatel, Helena Sabino-Marques, Francisco Álvares, André E. Moura & A. Márcia Barbosa (eds.). Atlas de Mamíferos de Portugal – uma recolha do conhecimento disponível sobre a distribuição dos mamíferos no nosso país. [S.l.: s.n.] ISBN 978-989-8550-80-4. Consultado em 4 de junho de 2020 
  11. a b c Sharp, L. (1985). British Hedgehog Preservation Society. Environmental Conservation. Retrieved from http://journals.cambridge.org/abstract_S0376892900016167
  12. Robinson, M. (1996). A relationship betwen echolocation calls and noseleaf widths in bats of the genera Rhinolophus and Hipposideros. Journal of Zoology. Retrieved from http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1469-7998.1996.tb05459.x/abstract
  13. a b Bunnell, T. (2002). The assessment of British hedgehog (Erinaceus europaeus) casualties on arrival and determination of optimum release weights using a new index. Journal of Wildlife Rehabilitation. Retrieved from http://www.researchgate.net/publication/235346763_The_Assessment_of_British_Hedgehog_(Erinaceus_europaeus)_Casualties_on_Arrival_and_Determination_of_Optimum_Release_Weights_Using_a_New_IndexToni_Bunnell/file/9fcfd51124044b18ac.pdf
  14. Blanco, J. (1998). Mamíferos de España II. Cetáceos, Artiodáctilos, Roedores y. Retrieved from http://www.lavoisier.fr/livre/notice.asp?ouvrage=2410302
  15. a b Huijser, M., & Bergers, P. (2000). The effect of roads and traffic on hedgehog ( Erinaceus europaeus) populations. Biological Conservation. Retrieved from http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0006320700000069
  16. http://www.avesdeportugal.info/bubbub.html
  17. Morris, P., & English, M. (1969). Trichophyton mentagrophytes var. erinacei in British hedgehogs. Medical Mycology. Retrieved from http://informahealthcare.com/doi/abs/10.1080/00362177085190221
  18. https://www.iucnredlist.org/species/29650/2791303
  19. https://books.google.co.uk/books?id=BZU6DwAAQBAJ&pg=PA28&lpg=PA28&dq=o+carinho+pelos+ouricos+cacheiros&source=bl&ots=-qRBq0Tvd0&sig=ACfU3U3qWrW-_HD97fN2Lkrc0IFRIt01ng&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwiwgpyB39LoAhXAXhUIHdwtCgoQ6AEwEnoECBYQLA#v=onepage&q=o%20carinho%20pelos%20ouricos%20cacheiros&f=false
  20. https://www.fnac.pt/Noronha-o-Ourico-com-Vergonha-Sofia-Isabel-Vieira/a6577701
  21. https://rujokinggrandad.co.uk/4-childrens-books-with-hedgehogs-as-main-character