Privacidade (calcado no inglês privacy) é o direito à reserva de informações pessoais e da própria vida pessoal: the right to be let alone (literalmente "o direito de ser deixado em paz"), segundo o jurista norte-americano Louis Brandeis, que foi provavelmente o primeiro a formular o conceito de direito à privacidade, juntamente com Samuel Warren.[1] Brandeis inspirou-se na leitura da obra do filósofo Ralph Waldo Emerson, que propunha a solidão como critério e fonte de liberdade.

Pode ser também entendida como a vontade de controlar a exposição e a disponibilidade de informações acerca de si mesmo, o que é chamado de regulação dos limites:[2] a quantidade de controle que um indivíduo exerce sobre a entrada e saída de declarações de si mesmo e a quantidade de contato que se tem com outras pessoas. Esse processo tem implicações diretas no tipo de relação que o indivíduo exerce com e sobre outras pessoas em sua vida.

Relaciona-se, também, com a capacidade de existir na sociedade de forma anônima (inclusive pelo disfarce de um pseudônimo ou por um identidade falsa).

A noção de privacidade pessoal surge entre os séculos XVII e XVIII.: as construções passam a oferecer quartos privados; passa a fazer sentido a elaboração de diários pessoais. Desde então, a privacidade atravessa um percurso que vai da inexistência "forçada" à abolição espontânea, passando pelo fortalecimento do senso coletivo de privacidade. Hoje, segundo a comunicóloga argentina Paula Sibilia, vivemos a "intimidade como espetáculo", ou seja, a privacidade inserida na sociedade do espetáculo, situação ilustrada por fenômenos de mídia e comportamento - redes sociais, blogs, reality shows (Big Brother e similares), biografias e revistas de fofocas. Segundo a autora, as pessoas abdicam espontaneamente da sua privacidade, movidas pela necessidade de obter destaque e reconhecimento.[3]

Privacidade como direito universal editar

O artigo 12 da "Declaração Universal dos Direitos Humanos" adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas estabelece que o direito à vida privada é um direito humano:

"Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques a sua honra ou a sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ataques."

O artigo 17 do "Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos" adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, consagra, a esse respeito, o seguinte:

1. "Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques ilegas a sua honra e reputação.
2. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra essas ingerências ou esses ataques."

Túlio Vianna,[4] professor de Direito da UFMG, divide o direito à privacidade em três outros direitos que, em conjunto, caracterizam a privacidade:

  1. Direito de não ser monitorado, entendido como direito de não ser visto, ouvido, entre outros;
  2. Direito de não ser registrado, entendido como direito de não ter imagens gravadas, conversas gravadas, entre outros;
  3. Direito de não ser reconhecido, entendido como direito de não ter imagens e conversas anteriormente gravadas publicadas na Internet em outros meios de comunicação.

Para o autor, "o direito à privacidade, concebido como uma tríade de direitos - direito de não ser monitorado, direito de não ser registrado e direito de não ser reconhecido (direito de não ter registros pessoais publicados) - transcende, pois, nas sociedades informacionais, os limites de mero direito de interesse privado para se tornar um dos fundamentos do Estado democrático de direito"[5]

Segundo o cypherpunk Eric Hughes, "privacidade é o poder de revelar-se seletivamente ao mundo."[6] De modo semelhante, o cientista da informação Rainer Kuhlen concebe o conceito de "privacidade" (Privatheit) não apenas como proteção de dados ou como o direito de ser deixado em paz, mas também como "autonomia informacional" (informationelle Selbstbestimmung) ou seja, a capacidade de escolher e utilizar o conhecimento e a informação autonomamente, em um ambiente eletrônico, e de determinar quais atributos de si serão usados por outros.[7]

Legislação brasileira editar

Constituição Federal de 1988[8] editar

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Lei 12.527/2011 - LAI - Lei de Acesso à Informação[9][10] editar

A LAI define informação pessoal:

Art. 4º, IV - informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável;

as quais

Art 31. § 1,
I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e
II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

OCDE e proteção à privacidade editar

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou em 1980[11] diretrizes relativas à política internacional sobre a proteção da privacidade e dos fluxos transfronteiriços de dados pessoais. Elas representam um consenso internacional sobre a orientação geral a respeito da coleta e do gerenciamento da informação pessoal. Em 2013, essas diretrizes foram atualizadas.[12]

Princípios básicos de aplicação nacional editar

  • Princípio de limitação da coleta: Deve haver limites para a coleta de dados pessoais e esta deve estar de acordo com a lei e justa e, quando apropriado, com o conhecimento ou consentimento do sujeito dos dados.
  • Princípio de qualidade dos dados: Os dados pessoais devem ser relevantes para os propósitos para os quais eles serão utilizados e, na medida necessária para esses propósitos, devendo ser precisos, completos e mantidos atualizados.
  • Finalidade especificação princípio: Os propósitos para os quais os dados pessoais são coletados devem ser especificados, o mais tardar, no momento da coleta de dados e o uso subsequente limitado ao cumprimento desses propósitos ou outros que não sejam incompatíveis com esses fins e serão especificados em cada ocasião de mudança de propósito.
  • Princípio de limitação de uso: Os dados pessoais não devem ser divulgados, disponibilizados ou utilizados para outros fins que não os especificados de acordo com o Parágrafo 9, exceto com o consentimento do titular dos dados ou pela autoridade da lei.
  • Princípio de segurança: Técnicas de segurança devem ser utilizadas para proteger os dados pessoais contra riscos perda, ou acesso indevido, destruição, alteração, uso e divulgação de dados não autorizados.
  • Princípio da transparência: Deve haver uma política geral de transparência sobre desenvolvimentos, práticas e políticas com respeito a dados pessoais. Deve haver meios para estabelecer a existência e a natureza dos dados pessoais, e os principais objetivos de seu uso, bem como a identidade e a localização do controlador de dados.
  • Princípio da participação individual: Os indivíduos devem ter o direito:
    • A - obter do controlador de dados, ou de outra forma, a confirmação de se o controlador de dados possui ou não dados relacionados a eles;
    • B - ter comunicado a eles, dados relacionados a eles
      • dentro de um prazo razoável;
      • por um custo, se houver, que não seja excessivo;
      • de maneira razoável; e
      • de uma forma que seja inteligível para eles;
    • C – receber explicações sobre recusas a pedidos feito nos termos das alíneas (a) e (b) e para contestar essa negação; e
    • D – verificar dados relativos a eles e, se se necessário
    • E - que os dados sejam apagados, corrigidos, completados ou alterados.
  • Princípio de responsabilização. O responsável pelo tratamento de dados deve ser responsabilizado pelo cumprimento das medidas que implementam os princípios mencionados acima.

Princípios básicos de aplicação internacional: Fluxo livre e restrições legítimas editar

  • [16] O controlador de dados permanece responsável por dados pessoais sob seu controle independentemente da localização dos dados.
  • [17] Os países membros devem abster-se de restringir os fluxos transfronteiriços de dados pessoais entre si e outros países, desde que os outros países observem substancialmente estas Diretrizes ou existam salvaguardas suficientes, incluindo mecanismos eficazes de aplicação e medidas adequadas implementado pelo controlador de dados, para garantir um nível proteção contínuo e consistente com estas Diretrizes.
  • [18] Quaisquer restrições aos fluxos transfronteiriços de dados pessoais devem ser proporcionais aos riscos apresentados, tendo em conta a sensibilidade dos dados e a finalidade e contexto do processamento.

Selo de privacidade editar

Diversos sites na internet possuem selos de privacidade que certificam que o site possui uma política de privacidade e que segue essa política. As práticas de segurança, estão de acordo com o que foi proposto em suas políticas, dando ao usuário uma maior garantia de que o site cumpre com as políticas de privacidade definidas. As organizações que emitem o selo de privacidade não verificam se as práticas nessa políticas são abusivas, apenas se o site viola ou não sua política de privacidade. Para a garantia dessas políticas, essas organizações realizam uma análise no site e em suas práticas de coleta e uso das informações pessoais dos usuários, passando o site por um processo de auditoria e avaliação.

Ver também editar

Referências

  1. «Warren and Brandeis, "The Right to Privacy"». groups.csail.mit.edu. Consultado em 5 de agosto de 2022 
  2. Derlega, Valerian J.; Chaikin, Alan L. (1 de julho de 1977). «Privacy and Self-Disclosure in Social Relationships». Journal of Social Issues (em inglês). 33 (3): 102–115. ISSN 1540-4560. doi:10.1111/j.1540-4560.1977.tb01885.x 
  3. SIBILIA, Paula. O Show do Eu - A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. ISBN 978-85-209-2129-6] (resenha), por Fernanda Cristina de Carvalho Mello.
  4. VIANNA, Túlio. Transparência pública, opacidade privada. Rio de Janeiro: Revan, 2007. ISBN 978-85-7106-360-0
  5. VIANNA, op.cit., p. 116.
  6. «A Cypherpunk's Manifesto». www.activism.net. Consultado em 5 de agosto de 2022 
  7. Rainer Kuhlen. Informationsethik. Umgang mit Wissen und Information in elektronischen Räumen. Universitätsverlag Konstanz, 2004, apud Privacy an intercultural perspective, por Rafael Capurro.
  8. «CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988». Planalto. 1988. Consultado em 15 de julho de 2018 
  9. «Acesso a Informação - Lei de Acesso a Informação». gov.br. 2011. Consultado em 15 de julho de 2018 
  10. «LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.». www.planalto.gov.br. 18 de novembro de 2011. Consultado em 5 de agosto de 2022 
  11. «Diretrizes da OCDE para a Proteção da Privacidade e dos Fluxos Transfronteiriços de Dados Pessoais (1980).» (PDF). 1980. Consultado em 5 de julho de 2018 
  12. «OECD Privacy Guidelines». OECD. 2013. Consultado em 15 de julho de 2018 [ligação inativa]