Privilégios políticos no Brasil
Na política do Brasil, os privilégios políticos são um conjunto de privilégios e direitos garantidos por lei, concedidos a parlamentares em atividade e também aposentados.

Os parlamentares brasileiros estão entre os mais bem remunerados do mundo.[2] O custo de cada deputado ou senador atinge 24 milhões de reais por ano. Além do salário, eles contam com até 106 mil reais por mês para contratar até 25 secretários.[3]
Privilégios Editar
Cota para Exercício de Atividade Parlamentar ou "Cotão" Editar
Formalmente Cota para Exercício de Atividade Parlamentar CEAP (antiga "Verba Indenizatória"),[4] é popularmente chamada de "cotão".[5]
A cota é paga através de reembolso, e o parlamentar deve apresentar notas fiscais referentes aos gastos dos quais quer ser restituído. Se a comprovação de que o gasto está de acordo com as normas, então o valor é ressarcido ao parlamentar.[6]
A Cota para Exercício de Atividade Parlamentar (CEAP) é para Câmara dos Deputados, enquanto a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar dos Senadores (CEAPS), para o Senado Federal.[6]
O Ato da Mesa n.º 43 de 2009[7] detalha as regras para o uso do "cotão", além de determinar as despesas que podem ser reembolsadas como passagens aéreas; telefonia e serviços postais; manutenção de escritórios de apoio à atividade do parlamentar; a assinatura de publicações com o jornais e revistas; alimentação do parlamentar; hospedagem; outras despesas com locomoção, como a locação ou o fretamento de aeronaves, veículos automotores e embarcações, serviços de táxi, pedágio e estacionamento e passagens terrestres, marítimas ou fluviais; combustíveis e lubrificantes; serviços de segurança; contratação de consultorias e trabalhos técnicos; divulgação da atividade parlamentar, exceto nos 120 dias anteriores às eleições; participação do parlamentar em cursos, palestras, seminários, simpósios, congressos ou eventos congêneres; e a complementação do auxílio-moradia.[4]
Verba de gabinete Editar
A verba de gabinete é o recurso necessário para o parlamentar exercer suas funções, o valor da verba de gabinete de deputado, por exemplo, é 111 mil reais por mês.[10][11] A verba é destinada ao pagamento de salários dos secretários parlamentares, que são funcionários que não precisam ser servidores públicos e que são escolhidos diretamente pelo deputado.
Cada deputado, por exemplo, pode contratar de cinco a 25 secretários parlamentares para prestar serviços de secretaria, assistência e assessoramento direto e exclusivo nos gabinetes dos deputados, em Brasília ou nos estados de representação.[11]
Auxílio-moradia Editar
O auxílio-moradia é a verba destinada a membros do Judiciário e do Ministério Público e que serve como reembolso de todos os gastos com estadia ou moradia no Distrito Federal. Mesmo aos representantes que possuem imóvel próprio, o governo brasileiro disponibiliza 432 imóveis funcionais[12], mas os que optam por não utilizá-los têm acesso a esse recurso.[5] O limite pago como auxílio-moradia na Câmara dos Deputados, conforme definido pelo Ato da Mesa n.º 3, de 2015, é de 4 253 reais por mês.[13]
Após as Eleições gerais no Brasil em 2018, o UOL realizou um levantamento que mostrou que, apesar da mudança em termos de partidos e representações, o uso dos privilégios se manteve inalterado. Apenas 45 parlamentares abriram mão do auxílio-moradia e do apartamento funcional: 28 deputados e 17 senadores. Outros três deputados pediram o cancelamento do benefício no mês de abril, mas receberam valores nos meses anteriores.[14]
Em 2021, a Câmara dos Deputados gastou dois milhões de reais para reformar os apartamentos funcionais dos deputados.[15]
Previdência social especial Editar
Os parlamentares têm regras de previdência mais vantajosas que o restante da população: a lei 9.506 de 1997, que definiu as exigências mínimas para aposentadoria de deputados e senadores, prevê benefício proporcional ao tempo de mandato. Nesse sentido, a cada ano no Congresso, o parlamentar garante 1/35 do valor do benefício. Assim, se o parlamentar cumprir mandato por 35 anos, ele receberá o salário integral.[16]
Pensão vitalícia Editar
Ainda há casos de ex-governadores e cônjuges que recebem pensão vitalícia (até o fim da vida) que chegam a 20 mil reais mensais. Esse é o caso de ao menos dez estados brasileiros, entre eles Mato Grosso do Sul, onde 16 beneficiários embolsam até 24 mil reais por mês,[17] Paraíba, que paga a 15 ex-governadores e a oito viúvas dois milhões de reais anuais,[18] Paraná, Acre e Rondônia.[18]
Em uma reportagem investigativa de 2018 do Portal R7, revelou-se que o valor mensal médio da pensão vitalícia era de 24 844 reais e que o estado de Santa Catarina era o que mais gasta com pensões, a exemplo de Eduardo Pinho Moreira, que recebe aposentadoria por ter sido governador (mais de 18 mil reais), ex-governador (15 mil reais) e ex-deputado (mais de oito mil reais, totalizando mais de 42 mil reais).[19] Esperidião Amin governou Santa Catarina por dois mandatos e recebe 30 mil reais mensais, além do salário pago pela Câmara, de 33 mil reais.[19]
O Rio Grande do Sul extinguiu o gasto de seis milhões de reais anuais com as pensões vitalícias, além de Alagoas, Paraná e Rondônia, porém Ceará ainda mantém pensão para três ex-governadores.[18]
Em janeiro de 2021, a ministra Rosa Weber, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJ-MA) que garantiam o pagamento da pensão mensal vitalícia aos ex-governadores Edison Lobão (MDB; 1991–1994) e José Reinaldo Carneiro Tavares (PSDB; 2002–2006).[20]
Foro privilegiado Editar
Formalmente, foro especial por prerrogativa de função é o direito do presidente da República, governadores, ministros, parlamentares e outras autoridades de serem julgados em tribunais específicos; apesar de o nome ser popular, o site da Câmara dos deputados não o considera um privilégio, uma vez que não é um direito do indivíduo, mas do cargo ou mandato do qual ele é titular.[21] O foro atinge membros do STF, STJ, TCU, TJ, MPU, Tribunal de Conta estaduais e municipais, Tribunais Regionais, juízes federais, militares e trabalhistas, Procuradores da República, embaixadores, e integrantes de órgãos estaduais e municipais de mesma natureza.[21]
Plano de saúde Editar
O plano de saúde de senadores brasileiros abrange cônjuge ou companheira, filhos de até 33 anos, enteados, pai e mãe, contempla UTI aérea e até tratamento no exterior. As despesas de 2021 somaram 31 700 000 reais.[22]
Em 2020, o senador Davi Alcolumbre estendeu a permanência de filhos e enteados de servidores do Senado como dependentes do plano de saúde de 24 anos para até 33 anos.[23] Na Câmara dos Deputados, filhos e dependentes até 33 anos já recebiam o benefício desde 2016.[23]
Mesmo com o plano de saúde, os parlamentares podem também pedir reembolso de gastos com tratamentos médicos e odontológicos. Em um período de 27 meses, os reembolsos de 330 deputados foram de 581 mil reais mensais, em média, o equivalente a 1762 reais por mês a cada um dos deputados.[24] A Câmara dos deputados gasta 134 300 000 reais por ano com o plano de saúde dos deputados, estendido aos dependentes, além de não cobrar esse gasto extra dos parlamentares.[24]
Em 2019, por exemplo, reembolsos de tratamentos dentários do deputado federal Marco Feliciano custaram 157 000 reais aos cofres públicos. Ao ser questionado, o parlamentar, que foi um dos mais votados pelo estado de São Paulo em 2018, justificou: "Sou político e pregador. Minha boca é minha ferramenta".[25][26][27]
Presidência da República Editar
De acordo com a Lei nº 7.474/1986, após o mandato, o ex-presidente pode contar ainda com o serviço de quatro servidores, para segurança e apoio pessoal, além de ter dois motoristas à disposição junto a veículos oficiais da União, de modo vitalício.[28] Em média, o custo à União com salários desses servidores é de 56 mil reais por mês, mas todos também possuem direito a gastos com diárias de hotel, passagens de avião, combustível e seguros.[28]
Privilégios extintos Editar
"Auxílio-paletó" Editar
Formalmente "ajuda de custo", foi instituído na Constituição de 1946 e destinava-se a pagar o deslocamento do parlamentar até a cidade do Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil. Sua menção foi apenas apagada por completo na Constituição de 1988, porém em 2003 ratificou-se na Câmara e no Senado, e hoje é regularizada.[5] O auxílio é pago por meio do pagamento de 14.º e 15.º salários.[29]
Em 1998, o Superior Tribunal de Justiça cogitou suspender o pagamento do auxílio, mas terminou por mantê-lo e aguardar decisão do Supremo Tribunal Federal sobre sua validade.[30]
Em 2011, a então senadora Gleisi Hoffman (PT) propôs a extinção do auxílio,[31][32] o que ocorreu somente em 2013.[33][34]
A "ajuda de custo" atualmente se configura em um salário adicional no início do mandato e outro no final, ou seja, é paga apenas duas vezes em quatro anos.[9]
Críticas Editar
O auxílio-moradia já foi chamado de "penduricalho que ludibria o teto constitucional", "deslavado jabá", "pinguela", "obsceno, estapafúrdio e imoral privilégio".[35]
Em 2017, o Senado Federal realizou uma consulta pública por meio da plataforma e-Cidadania, sobre a opinião dos internautas a respeito do auxílio-moradia para deputados, senadores e juízes, e a enquete teve o seguinte resultado: 1,8 milhão de votos contrários ao benefício contra 9 613 favoráveis à sua continuidade, ou seja, 99,48% dos votantes defenderam a extinção do auxílio.[14]
Josias de Souza chamou o auxílio-moradia de "puxadinho da imoralidade" ao relatar o caso do juiz Marcelo Bretas e sua esposas, que recebem juntos oito mil reais de auxílio-moradia mesmo morando juntos.[36]
Sobre o fato dos parlamentares se beneficiarem de plano de saúde e e reembolso de seus gastos médicos, a especialista em saúde pública Ligia Bahia comentou:
Simbolicamente é uma tragédia porque se essas pessoas não são atendidas pelo SUS, a sinalização é de que o serviço público de saúde não é confiável. Acho que esse reembolso deveria ser abolido.— Ligia Bahia[24]
Renúncias Editar
Em 2014, o juiz do Trabalho Celso Fernando Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS), renunciou ao auxílio-moradia por considerar a remuneração "imoral, indecente e antiética".[35]
Por pressão do partido e dos eleitores, deputados do Partido Novo eleitos em 2018 passaram a custear a moradia em Brasília com o próprio salário.[37][38][39] Em 2019, no total, apenas 29 dos 513 deputados federais (17,7% da Câmara) abriram mão da prerrogativa de subsídio destinada a compensar as despesas com mudança e transporte no início da legislatura, que tem previsão em Decreto Legislativo.[40]
O senador José Reguffe considera o excesso de gastos "um desperdício e desrespeito ao contribuinte". Sozinho, seu mandato economizou 16 700 000 reais.[14]
Referências
- ↑ «Cada parlamentar brasileiro custa US$ 5 milhões por ano». Revista Exame. 27 de março de 2022. Consultado em 17 de novembro de 2022
- ↑ «Segundo mais caro do mundo, Congresso brasileiro tem parlamentares demais?». BBC News Brasil. 7 de dezembro de 2018. Consultado em 17 de novembro de 2022
- ↑ «Entre auxílios e benefícios, parlamentares do Brasil estão entre os mais bem pagos». CNN Brasil. 13 de fevereiro de 2022. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ a b «Cota para o exercício da atividade parlamentar». Câmara dos Deputados. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ a b c «Passagens aéreas, internet, terno e alimentação: conheça privilégios políticos que saem do seu bolso». Revista Digital Laboratório da Casper Líbero. 25 de janeiro de 2021. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ a b «Cota Parlamentar: com o que gastam os nossos políticos?». Politize!. 11 de dezembro de 2018. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ «Ato da mesa nº 43, DE 21/05/2009 - Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar». Câmara dos Deputados
- ↑ «Cada deputado custa mais de r$ 2 milhões por ano». Congresso em Foco. 23 de março de 2018. Consultado em 17 de novembro de 2022
- ↑ a b «Quanto ganha um senador?». Politize!. 22 de fevereiro de 2017. Consultado em 17 de novembro de 2022
- ↑ «Ato da mesa nº 117, de 31/08/2016»
- ↑ a b «Verba de gabinete e secretário parlamentar». Câmara dos Deputados. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ «Imóveis funcionais e auxílio-moradia». Câmara dos Deputados. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ «Auxílio-moradia». Câmara dos Deputados
- ↑ a b c «Apenas 45 de 594 parlamentares abriram mão de apartamento e auxílio-moradia». UOL. 4 de maio de 2019. Consultado em 13 de novembro de 2022
- ↑ «Câmara gastará R$ 2,1 milhões para reformar apartamentos de deputados». Metrópoles. 30 de dezembro de 2021. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ «Regra atual de previdência de políticos não prevê aposentadoria com oito anos de contribuição». Estadão. 16 de abril de 2019. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ «Wagner Chagas: "Por que não diminuir privilégios politicos?"». Correio do Estado. Consultado em 13 de novembro de 2022
- ↑ a b c «Maioria dos Estados paga pensão e outros benefícios a ex-governadores». Diário do Poder. Consultado em 13 de novembro de 2022
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- ↑ a b «Entenda o foro privilegiado e veja o que pode mudar». Câmara dos Deputados. Consultado em 13 de novembro de 2022
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- ↑ a b «Presidente do Senado amplia plano de saúde para filhos e enteados de servidores da Casa». Estado de Minas. 20 de fevereiro de 2020. Consultado em 13 de novembro de 2022
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- ↑ «Gleisi Hoffmann propõe o fim dos chamados '14º e 15º salários' pagos aos parlamentares». Senado Notícias. 4 de fevereiro de 2011. Consultado em 11 de novembro de 2022
- ↑ «Senado extingue 14º e 15º salários». Congresso em Foco. Consultado em 10 de maio de 2012
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- ↑ a b «Auxílio-moradia provoca controvérsia entre os próprios beneficiários». Folha de S. Paulo. 12 de fevereiro de 2018. Consultado em 13 de novembro de 2022
- ↑ «Auxílio-moradia virou puxadinho da imoralidade». UOL - Josias de Souza. 3 de fevereiro de 2018. Consultado em 13 de novembro de 2022
- ↑ NOVO (17 de abril de 2019). «Deputados federais do NOVO abrem mão do auxílio-moradia». NOVO. Consultado em 9 de janeiro de 2023
- ↑ «NOVO lança resolução que proíbe mandatários de usar auxílio-moradia». Boletim da Liberdade. 8 de junho de 2019. Consultado em 9 de janeiro de 2023
- ↑ Redação (7 de junho de 2019). «Sob pressão, deputado do Novo finalmente abre mão de auxílio moradia». Diário do Poder. Consultado em 9 de janeiro de 2023
- ↑ «Apenas 29 dos 513 deputados abriram mão do auxílio-mudança. Veja lista de quem recusou a verba pública». Congresso em Foco. 27 de fevereiro de 2019. Consultado em 9 de janeiro de 2023
Ver também Editar
Ligações externas Editar
- Operação Serenata de Amor, projeto que utiliza os dados abertos da cota parlamentar para fazer um controle social dos gastos públicos
- Controle cidadão, Cota para o exercício da atividade parlamentar
- Fiquem Sabendo, agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI)