Requiem (Mozart)

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O Réquiem em ré menor (K. 626) é uma missa fúnebre do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, de 1791, encomendada pelo Conte Franz von Walsegg, foi deixada incompleta devido à morte de Mozart em 5 de Dezembro de 1791, sendo completada posteriormente pelos amigos e discípulos de Mozart: Franz Xaver Süßmayr, Joseph Leopold Eybler e possivelmente Franz Jacob Freystädtler.

"Réquiem"
Requiem (Mozart)
Primeira página do manuscrito do Réquiem
Composição Wolfgang Amadeus Mozart
Época de composição 1791-1792
Tonalidade ré menor
Tipo Réquiem
Catalogação K.626
Duração + ou - 50 minutos
Instrumental 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompetes, 3 trombones (alto, tenor e baixo), tímpanos, instrumentos de cordas: violinos (primeiros e segundos), violas, violoncelos e contrabaixos, órgão.

Sua última composição é talvez uma de suas melhores e mais famosas obras, não apenas pela música em si, mas também pelos debates em torno de até qual parte da obra foi preparada por Mozart antes de sua morte.

Essa obra também se destaca pelo enorme número de versões e revisões feitas à versão de Süßmayr desde o século XX.[1]

História editar

Em 14 de Fevereiro de 1791, Anna Walsegg, esposa de Franz von Walsegg falece aos seus 20 anos. Em Julho do mesmo ano, bateu à porta de Mozart um desconhecido (possivelmente Franz Anton Leitgeb ou Johann Nepomuk Sortschan) a mando de Walsegg, que desejava uma missa de réquiem para o memorial de sua falecida esposa, mas que planejava dizer que fora ele quem compôs a obra (por isso o anonimato). Recusando-se a se identificar, o mensageiro deixa Mozart encarregado da composição de um Réquiem em Ré menor. Deu-lhe um adiantamento de 25 ducados e avisou que retornaria em um mês com os outros 25 restantes.[2]

Mas pouco tempo depois, o compositor é chamado para Praga com o pedido de que ele escrevesse a ópera A clemência de Tito, para festejar a coroação de Leopoldo II na comitiva de compositores de Antonio Salieri.[3] Quando subia com sua esposa, Constanze, na carruagem que os levaria a esta cidade, o desconhecido teria se aproximado outra vez, perguntado por sua encomenda. Mozart lhe promete que a completaria assim que voltasse de sua viagem, dizendo-lhe que ficou mais interessado na missa.

Todavia, Mozart conseguiu terminar apenas poucas partes do Réquiem antes da sua morte: toda a orquestração da Réquiem Aethernam, um rascunho detalhado da Kyrie, trechos instrumentais, o coro e o baixo cifrado da Sequentia até a Lacrymosa, esta que apresenta apenas 8 compassos. Também havia todas as vozes e baixos cifrados do Domine Jesu e da Hostias. Wolfgang também deixou alguns rascunhos de músicas, dentre eles uma fuga Amém e outros papéis perdidos.

Cinco dias após sua morte, em 10 de Dezembro de 1791, a Introit foi tocada em um serviço memorial para o próprio Mozart na Igreja de Miguel Arcanjo em Vienna, tendo quase toda sua orquestração completada por Franz Jacob Freystädtler (madeiras, cordas e trombones), tendo os seus tímpanos e trompetes adicionados posteriormente por Franz Xaver Süßmayr, vale ressaltar que a participação de Freystädtler não é uma certeza, sendo alvo de discussões entre diversos historiadores e musicologistas.[4][5]

Em 21 de Dezembro de 1791, o jovem Joseph Eybler foi encarregado por Constanze de terminar a obra, afinal, Mozart deixou dívidas enormes para a esposa, fazendo com que ela precisasse dos outros 25 ducados restantes da comissão. No entanto, após completar todas as partes dos instrumentos de cordas da Sequentia e toda a orquestração do Dies Irae e do Confutatis, além de ter adicionado dois compassos na linha do soprano da Lacrymosa, Eybler desiste por razões desconhecidas.

Após tentar com que vários compositores terminassem a obra, Constanze enfim se aproximou de Süßmayr, este que coletou diversos rascunhos e finalizou a orquestração da obra, além de compôr o resto da Lacrymosa, todo o Sanctus, Benedictus e Agnus Dei, e repetir parte do Réquiem Aethernam para a Lux Aetherna e a Kyrie para o Cum Sanctis Tuis.[6]

Estrutura editar

Estrutura do Réquiem
Seção Título Tempo (Mozart) Tempo (Süßmayr) Tonalidade Compasso
Introit Requiem Aethernam Adagio Adagio Ré Menor 4/4
Kyrie Allegro Allegro 4/4
Sequentia Dies Irae Allegro assai Allegro assai Ré Menor 4/4
Tuba Mirum Andante (Eybler?) Andante Si♭ Maior 2/2
Rex Tremendae Sol Menor 4/4
Recordare Fá Maior 3/4
Confutatis Andante (Eybler?) Andante Lá Menor 4/4
Lacrymosa Ré Menor 12/8
Offertorium Domine Jesu Andante con moto Sol Menor 4/4
Quam olim Abrahae 4/4
Hostias Andante Mi♭ Maior 4/4
Quam olim Abrahae (da capo) Andante con moto Sol Menor 4/4
Sanctus Sanctus Adagio Ré Maior 4/4
Hosanna Allegro 3/4
Benedictus Andante Si♭ Maior 4/4
Hosanna (da capo) Allegro 3/4
Agnus Dei &

Communio

Agnus Dei Ré Menor 3/4
Lux Aetherna Adagio Si♭ Maior - Ré Menor 4/4
Cum sanctis tuis Allegro 4/4

Letra editar

Introitus editar

Movimento Letra Tradução
Requiem Aethernam Requiem aeternam dona eis,

Domine, et lux perpetua luceat eis.

Te decet hymnus, Deus, in Sion,

et tibi reddetur votum in Jerusalem:

exaudi orationem meam,

ad te omnis caro veniet.

Requiem aeternam dona eis, Domine,

et lux perpetua luceat eis.

Repouso eterno dá-lhes, Senhor,

e que a luz perpétua os ilumine.

Tu és digno de hinos, ó Deus, em Sião,

e a ti rendemos homenagens em Jerusalém:

Ouve a minha oração,

diante de Ti toda carne comparecerá.

Repouso eterno dá-lhes, Senhor,

E que a luz perpétua os ilumine.

Kyrie Kyrie eleison

Christe eleison

Kyrie eleison

Senhor, tende piedade.

Cristo, tende piedade.

Senhor, tende piedade.

Sequentia editar

Movimento Letra Tradução
Dies Irae Dies iræ, dies illa,

Solvet sæclum in favilla;

Teste David cum Sibylla.

Quantus tremor est futurus,

Quando judex est venturus,

Cuncta stricte discussurus!

Dias de ira, nestes dias,

dissolverão os séculos em cinzas

assim testificam Davi e Sibila.

Quanto temor haverá então,

Quando o Juiz vier,

Para julgar com rigor todas as coisas!

Tuba Mirum Tuba mirum spargens sonum

Per sepulchra regionum,

Coget omnes ante thronum.

Mors stupebit, et natura,

Cum resurget creatura,

Judicanti responsura.

Liber scriptus proferetur,

In quo totum continetur,

Unde mundus judicetur.

Judex ergo cum sedebit,

Quidquid latet, apparebit:

Nil inultum remanebit.

Quid sum miser tunc dicturus?

Quem patronum rogaturus,

Cum vix justus sit securus?

A trombeta miraculosa espalha seu som

pela região dos sepulcros,

para juntar a todos diante do trono.

A morte e a natureza se espantarão

com as criaturas que ressurgem,

para responderem ao juízo.

Um livro será trazido,

no qual tudo está contido,

pelo qual o mundo será julgado.

Logo que o juiz se sente,

tudo o que está oculto, aparecerá:

nada ficará impune.

O que eu, miserável, poderei dizer?

A que patrono recorrerei,

quando apenas o justo estará seguro?

Rex tremendae Rex tremendae majestatis

Qui salvandos salvas gratis,

Salva me, fons pietatis!

Ó Rei, de tremenda majestade,

que salvando, salva grátis,

salva-me, ó fonte de piedade!

Recordare Recordare, Jesu pie,

Quod sum causa tuæ viæ:

Ne me perdas illa die.

Quærens me, sedisti lassus:

Redemisti Crucem passus:

Tantus labor non sit cassus.

Juste judex ultionis,

Donum fac remissionis

Ante diem rationis.

Ingemisco, tamquam reus:

Culpa rubet vultus meus:

Supplicanti parce, Deus.

Qui Mariam absolvisti,

Et latronem exaudisti,

Mihi quoque spem dedisti.

Preces meæ non sunt dignæ:

Sed tu bonus fac benigne,

Ne perenni cremer igne.

Inter oves locum præsta,

Et ab hædis me sequestra,

Statuens in parte dextra.

Lembra-te, ó Jesus piedoso,

que fui a causa de tua peregrinação,

não me percas naquele dia.

Procurando-me, ficaste exausto

redimiste-me morrendo na cruz

que tanto trabalho não seja em vão.

Juiz de justo castigo

dá-me o dom da remissão

diante do dia da razão.

Choro e gemo como um réu,

a culpa enrubesce meu semblante.

A este suplicante poupai, ó Deus.

Tu, que absolveste Maria

e ao ladrão ouviste

a mim também deste esperança.

Minhas preces não são dignas

Sê bondoso e tende misericórdia,

que eu não queime no fogo eterno.

Dai-me lugar entre as tuas ovelhas

e afastai-me dos bodes,

que eu me sente à tua direita.

Confutatis Confutatis maledictis,

Flammis acribus addictis:

Voca me cum benedictis.

Oro supplex et acclinis,

Cor contritum quasi cinis:

Gere curam mei finis.

Condenados os malditos

e lançados às chamas devoradoras,

chama-me junto aos benditos

Oro, suplicante e prostrado,

o coração contrito, quase em cinzas

toma conta do meu fim.

Lacrymosa Lacrymosa, dies illa,

Qua resurget ex favilla.

Judicandus homo reus:

Huic ergo parce, Deus.

Pie Jesu Domine,

Dona eis requiem.

Amen.

Dias de lágrimas, naqueles dias,

No qual, ressurgirá das cinzas,

Um homem para ser julgado;

Portanto, poupe-o, ó Deus.

Ó, misericordioso, Senhor Jesus,

Repouso eterno dá-lhes.

Amém.

Offertorium editar

Movimento Letra
Domine Jesu Christe Domine Jesu Christe, Rex gloriae,

libera animas omnium fidelium defunctorum

de poenis inferni et de profundo lacu:

libera eas de ore leonis, ne absorbeat eas tartarus, ne cadant in obscurum.

Sed signifer sanctus Michael repraesentet eas in lucem sanctam:

quam olim Abrahae promisiti et semini ejus.

Senhor Jesus Cristo, Rei da glória, liberta

as almas de todos que morreram fiéis das penas do inferno, e do lago profundo:

libertai-as da boca do leão, que não sejam absorvidas no inferno, nem caiam na escuridão.

Mas que o arcanjo Miguel os conduza à luz santa:

Conforme prometeste a Abraão e sua descendência.

Hostias Hostias et preces tibi, Domine, laudis offerimus:

tu suscipe pro animabus illus,

quarum hodie memoriam facimus:

faceas, Domine, de morte transire ad vitam,

quam olim Abrahae promisisti et semini ejus.

Sacrifícios e preces a Ti, Senhor, oferecemos com louvores:

Recebe-os em favor daquelas almas,

às quais hoje memória rendemos:

fazei-as, Senhor, da morte transcenderem à vida,

conforme prometeste a Abraão e sua descendência

Sanctus editar

Movimento Letra Tradução
Sanctus Sanctus, Sanctus, Sanctus,

Dominus Deus Sabaoth.

Pleni sunt coeli et terra gloria tua

Hosanna in excelsis.

Santo, Santo, Santo

Senhor Deus dos Exércitos.

Cheios estão os céus e a terra da Tua glória

Hosana nas alturas.

Benedictus Benedictus qui venit

in nomine Domini.

Hosanna in excelsis.

Bendito o que vem

em nome do Senhor

Hosana nas alturas.

Agnus Dei & Communio editar

Movimento Letra Tradução
Agnus Dei Agnus Dei,

qui tollis peccata mundi,

dona eis requiem sempiternam.

Cordeiro de Deus,

que tira os pecados do mundo,

dai-lhes o repouso eterno.

Communio: Lux aeterna Lux aeterna luceat eis, Domine:

Cum Sanctus tuis in aeternum: quia pius es.

Requiem aeternam dona eis, Domine:

et lux perpetua luceat eis.

Que a luz eterna os ilumine, Senhor:

Com os teus santos na eternidade: pois és piedoso.

Repouso eterno dá-lhes, Senhor:

e que a luz perpétua os ilumine.

Communio: Cum Sanctis tuis Cum Sanctis tuis in aeternum:

quia pius es.

Com os vossos santos pela eternidade:

pois piedoso és.

Versões Modernas editar

Para a primeira performance do Réquiem no Rio de Janeiro, Sigismund von Neukomm compôs um "Libera me" se utilizando de partes dos movimentos anteriores com o intuito de "completar liturgicamente" a obra. Quem também faz isso é Ignaz von Seyfried, que compôs o seu próprio "Libera me" para a performance do Réquiem no funeral de Ludwig van Beethoven.[7]

Na década de 1960, um rascunho de uma fuga Amém foi descoberta, o que levou muitos musicólogos (tais como Robert Levin e Richard Maunder)[1] a crer que tal rascunho deveria ser uma fuga que seria utilizada para finalizar a Sequentia após a Lacrymosa. Todavia, H. C. Robbins Landon argumentou que tal fuga pertenceria à Kyrie K. 341.[8]

No entanto, a pesquisa de Alan Tyson no papel em que tal rascunho foi escrito chegou à conclusão de que tal fuga só foi escrita em um papel de tipo II, este que só foi ser utilizado por Mozart em Setembro de 1771, não sendo, portanto, da Kyrie K. 341.[2] Vale também ressaltar que a fuga possui a inversão do tema do Réquiem, além de que toda grande seção da obra (Intoitus, Sequentia, Offertorium, Sanctus e Agnus Dei), com exceção da Sequentia, acabam em fugas, permitindo uma finalização estável para a seção, enquanto Süßmayr preferiu um simples "Amém" de dois compassos para finalizar a Sequentia.

As complementações atuais têm vários tipos de aproximações para se completar o Réquiem. Marguerre, Flothuis, Beyer e Abigaña[9] fazem poucas modificações, mantendo boa parte do que Süßmayr compôs. Maunder, Druce, Levin, Simon Andrews, Clemens Kemme,[10] Letho Kostoglou, Benjamin Cohrs,[2] Timothy Jones, Michael Ostrzyga[11] e Pierre-Henri Dutron fazem modificações mais críticas à versão de Süßmayr. Por outro lado, H. C. Robbins Landon e Masato Susuki tentam fazer um embate entre Süßmayr e Eybler, mantendo aquilo que fosse de Eybler e que Süßmayr não utilizou em sua orquestração. Hans-Josef Irmen, Knud Vad e R.C. Keitamo substituem o Sanctus, Benedictus e Agnus Dei por paródias de outras obras de Mozart. Já Michael Finnissy e Gregory Spears tentam explorar períodos posteriores ao clássico em suas complementações do Sanctus, Benedictus, Agnus Dei e Lux Aetherna.

Referências editar

  1. a b author., Keefe, Simon P., 1968-. Mozart's Requiem : reception, work, completion. [S.l.: s.n.] ISBN 9781107532953. OCLC 928082795 
  2. a b c Cohrs, Benjamin Gunnar (2013). «MOZART, REQUIEM KV 626 (NEW VERSION BY BENJAMIN-GUNNAR COHRS, 2013)» (PDF). Consultado em 6 de outubro de 2018 
  3. E.,, Freeman, Daniel. Mozart in Prague. Minneapolis, Minnesota USA: [s.n.] ISBN 9780979422317. OCLC 881318113 
  4. 1756-1791., Mozart, Wolfgang Amadeus, (1965). Requiem : das von Franz Xaver Süssmayr vervollständigte Requiem in der traditionellen Gestalt = The Requiem completed by Franz Xaver Süssmayr in its traditional form : KV 626. [S.l.]: Bärenreiter Kassel. OCLC 872479666 
  5. Ian., Black, David (2007). Mozart and the practice of sacred music, 1781-91. [S.l.: s.n.] OCLC 181948969 
  6. Keefe, Simon P. «Appendix: original text of Franz Xaver Süssmayr's letter to Breitkopf & Härtel (1800)». Cambridge: Cambridge University Press: 249–250. ISBN 9781139027021 
  7. Wolff, Christoph (outubro de 1991). «: Wolfgang Amadeus Mozart. Requiem . Alfred Schnerich. ; Wolfgang Amadeus Mozart. Requiem, K. 626 . Gunter Brosche.». 19th-Century Music. 15 (2): 162–165. ISSN 0148-2076. doi:10.1525/ncm.1991.15.2.02a00070 
  8. Landon, H.C. Robbins (1992). Requiem, KV 626, Mozarts Fragment mit der Ergänzungen von Joseph Eybler und Franz Xaver Süßmayr, completed and edited by H.C. Robbins Landon. [S.l.]: Breitkopf & Härtel. 
  9. Abigaña, Brett (2012). «Completing Mozart's Requiem: A Description and Defense of the Process». Boston University Academy. Consultado em 6 de outubro de 2018 
  10. Kemme, Clemens (2009). «The Domine Jesu of Mozart's Requiem: Theory and Practice of its Completion» (PDF). Dutch Journal of Music Theory, Volume 14, Number 2. Consultado em 6 de outubro de 2018 
  11. «Mozart's Requiem is completed anew - The Boston Globe». BostonGlobe.com (em inglês). Consultado em 3 de dezembro de 2019