Revólver fotográfico

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O revólver fotográfico ou revólver astronômico foi um instrumento inventando pelo astrônomo francês Pierre Jules César Janssen em 1874 para obter, automaticamente, uma série de fotografias.[1] Ele é frequentemente citado em trabalhos especializados como o primeiro exemplo da cronofotografia, ramo da fotografia baseado na captura do movimento a partir de uma sequência de imagens. Para criar o aparelho, Pierre Janssen se inspirou no cilindro giratório do revólver de Samuel Colt.[2]

Janssen (ao centro, sentado) e sua equipe de 1874, com o revólver ao fundo

Uso editar

 
Visão detalhada do instrumento

O revólver é composto de dois discos e uma placa sensível, o primeiro com doze furos (equivalente a um obturador) e o segundo com apenas um, sobre a placa. A primeira faz uma revolução completa a cada dezoito segundos, de modo que cada vez que uma janela de obturador passa em frente à janela do segundo disco (fixo), a placa sensível é descoberta na parte correspondente de sua superfície, criando uma imagem.

Para evitar que as imagens se sobreponham, a placa sensível gira a uma velocidade de rotação de um quarto da velocidade do obturador. O tempo de exposição é então de um segundo e meio.

Um espelho na parte externa da câmera reflete o movimento do objeto em direção à lente no cano deste revólver fotográfico. Quando estava em funcionamento, o revólver poderia tomar quarenta e oito imagens em setenta e dois segundos.

História editar

Em meados do século XIX, um dos desafios científicos foi determinar com a maior precisão possível a distância entre a Terra e o Sol, também conhecida como a unidade astronômica, a fim de deduzir o tamanho do Sistema Solar. Naquela época, uma das únicas maneiras de fazer isso era usar o trânsito de Vênus e o método da paralaxe. Mais precisamente, com pelo menos duas observações simultâneas do trânsito de diferentes latitudes na Terra e medindo a duração total do evento, é possível deduzir a distância da unidade astronômica usando as leis de Kepler.

O método, entretanto, tem dois inconvenientes: a baixa frequência do fenômeno em escala humana e o problema técnico de medir o início e o fim do trânsito. O trânsito de Vênus em 1874 representou então, uma oportunidade única, 105 anos após o anterior, em 1769.

Por isso, mais de sessenta expedições coordenadas de cerca de dez países diferentes foram enviados a China, Vietnã, Nova, Nova Caledônia, algumas ilhas do Pacífico e Japão para medir o fenômeno. A distorção causada pela atmosfera terrestre, a difração dos telescópios, a subjetividade do observador e o "efeito da gota preta" (efeito ótico que distorce a silhueta de Vênus assim que entra ou sai do disco solar) são fatores que dificultam a medição da duração do fenômeno e, portanto, na medição da paralaxe.

 
Vista do instrumento em funcionamento em uma ilustração de 1874 sobre a passagem de Vênus

Janssen decidiu assim criar seu revólver, um dispositivo que teria como objetivo eliminar a subjetividade nessa medida. Após criado, ele testou o dispositivo com o apoio do governo francês em Nagasaki. Como não era possível determinar o momento exato em que ocorreria o trânsito de Vênus, ele acrescentou um conjunto de relógios para criar uma sequência de imagens. O revólver registrou 48 fotos em 72 segundos em um daguerreótipo, material que não era mais utilizado, mas era ideal para a luz solar que se apresentava na situação, pois conseguia captar a luz em um grande tempo de exposição e obter resultados mais claros.

As expedições britânicas fotografaram o trânsito de diferentes pontos geográficos usando aparelhos inspirados no revólver de Janssen.[3] Infelizmente, a qualidade das imagens resultantes das duas expedições não foi suficiente para calcular com precisão a Unidade Astronômica, e as observações foram mais confiáveis a olho nu. Mesmo assim, Janssen apresentou seu revólver à Société Francaise de Photographie em 1875 e à Académie des Sciences em 1876, à qual sugeriu a possibilidade de usar seu aparelho para o estudo do movimento dos animais, especialmente dos pássaros, devido à rapidez do movimento de suas asas.[4]

A Passage de Vénus, realidade com o revólver fotográfico em 1874.

Em 1882, o fisiologista Etienne-Jules Marey concluiu que um cavalo a galope teria quatro patas no ar em um determinado momento. Quatro anos antes, Eadweard Muybridge foi o primeiro a registrar o movimento dos seres vivos, com 12 câmeras em série que lhe permitiam brincar e até mesmo projetar aquelas fotos em sequência. A ação não estava sendo reconstruída do ponto de vista de um observador, mas de uma câmera que acompanhava o assunto - como um track shot - e na qual, a cada fotografia, a ação tinha um ponto de vista diferente. Marey, com a ajuda da invenção de Janssen, conseguiu resolver esses problemas com sua pistola fotográfica de 1882, que capturou 12 pequenas fotos em uma placa circular e em intervalos regulares. Essa melhoria permitiu que a imagem fosse capturada por uma frágil placa de vidro, de forma que não fosse mais utilizada pelo impraticável daguerreótipo, reduzindo assim o tempo de exposição.

Assim, essa pistola fotográfica foi a primeira filmadora, embora ainda apresentasse certas diferenças de concepção com as filmadoras posteriores: por um lado, as imagens obtidas tinham como objetivo a decomposição do movimento para seu estudo, e não para sua projeção; e por outro lado, sendo obtido em um disco de vidro, a duração da ação que poderia ser registrada era necessariamente muito curta.[5]

Ambas as invenções foram um primeiro passo no desenvolvimento das primeiras câmeras cinematográficas, mas não podem ser consideradas como tais porque seu objetivo principal não era a projeção de filmes, mas estudar o movimento em decorrência de sua decomposição.

Ver também editar

Referências

  1. Fiolhais, Carlos; Simões, Carlota; Martins, Décio (1 de maio de 2013). História da ciência luso-brasileira: Coimbra entre Portugal e o Brasil. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra 
  2. «Revolver fotográfico | IDIS». proyectoidis.org (em inglês). Consultado em 30 de novembro de 2018 
  3. Launay, F., Hingley, P.D. (2005). «Jules Janssen's "Revolver photographique». Journal for the History of Astronomy. 36: 57–79 
  4. Herbert, Stephen (1996). Who's Who of Victorian Cinema. British Film Institute. [S.l.: s.n.] 
  5. Zarate, Alexander. «"El cine de Solaris: El revolver Janssen"»