Scandza é uma ilha do mar Báltico no norte da Europa, pelo historiador gótico-bizantino Jordanes do século VI, na sua obra Gética. Parece ser um nome arcaico usado para referir a península da Escandinávia, que os antigos julgavam ser uma ilha. Jordanes descreveu a área para contextualizar a sua descrição da mitológica migração dos godos, da Escandinávia para a Europa continental. Seu relato mistura observações corretas com descrições fantasiosas das regiões nórdicas e de várias tribos escandinavas do século VI, baseadas em informações provenientes de fontes diferentes.[1][2][3]

Escandinávia no atlas de Ptolomeu (edição de 1467). Tal como para Jordanes, a Escandinávia era uma ilha habitada por diversos povos e tribos.
Mapa de Scandza com suas diversas tribos

Descrição geográfica editar

Jordanes mencionou a descrição razoavelmente precisa feita pelo geógrafo grego Ptolemeu da região chamada por este de Escândia (em latim: Scandia): "uma grande ilha com a forma de uma folha de zimbro" (ou seja, comprida e não redonda), "com extremidades laterais que se projetam para fora e que se afunila no sul, numa longa extremidade".[4]

O autor também mencionou a descrição feita pelo geógrafo romano Pompônio Mela de Codanônia (também chamada de Escatinávia por Plínio, o Velho), que se localizava no "golfo Codano" (provavelmente Categate). "Esta ilha se localizava na frente do Vístula, e lá existia um grande lago" (provavelmente o lago Vänern) "de onde flui o rio Vago" (Ván, antigo nome do rio Gota). "Nos lados oeste e norte é cercada por um enorme oceano" (o Atlântico), "porém no leste há uma ligação terrestre" (a Lapônia) "que divide o oceano, a leste, formando o mar Germânico" (o Báltico). "Existiam também diversas ilhotas" (os arquipélagos suecos e finlandeses) "pelas quais os lobos podem passar quando o mar congela. No inverno o país não só é cruel com as pessoas, mas também com as feras selvagens. Devido ao frio extremo não existem enxames de abelhas que façam mel."[5]

No norte, Jordanes mencionou a nação dos Adogit (talvez referindo-se aos habitantes de Halogalândia, na Noruega, ou às pessoas da ilha de Andøya[6]), que viviam em meio à luz do sol contínua durante o meio do verão (por quarenta dias e noites), e em escuridão perpétua durante o meio do inverno. Devido a essa alternação, eles passavam rapidamente da alegria à tristeza (a primeira descrição da depressão sazonal escandinava). O sol ali, segundo ele, parecia passar em torno da Terra, e não nascer de baixo dela.

Habitantes editar

Jordanes dá o nome de 26 tribos que vivem em Scandza, que ele chama de útero de nações, descrevendo os locais como mais altos e ferozes que os germanos (a evidência arqueológica mostrou que os escandinavos da época eram realmente altos, provavelmente devido à sua dieta). A lista apresenta diversos exemplos de povos que são citados duas vezes, provavelmente devido ao acúmulo de informação obtida com diversos viajantes[7] e com escandinavos que haviam se juntado recentemente aos godos, como Rodulfo, do Condado de Bohus.[8] Os linguistas têm tentado estabelecer ligações entre os nomes destas tribos e diversos lugares na Escandinávia, embora algumas possam ser fruto de interpretações equivocadas.[1][9]

A "ilha" era habitada pelos escreréfenas (Screrefennae), identificados com os lapões,[6] que viviam como caçadores-coletores, alimentando-se dos animais que viviam nos pântanos e de ovos de pássaros; os sueãs (suehans), identificados com os suecos, "tinham, como os turíngios, cavalos esplêndidos" (o historiador islandês Snorri Sturluson menciona que no século VI o rei sueco Adelo tinha os melhores cavalos de seu tempo) e forneciam para o mercado romano peles negras de raposa, com as quais também se vestiam, de maneira ostentosa, ainda que vivessem em condições de extrema pobreza; os teustas (theustes), associados por uns aos habitantes da região de Tiúscia, na Esmolândia, e por outros a Tjuteån, na Escânia; os valagodos, provavelmente habitantes de Gotlândia[10], bérgios (que poderiam ser os habitantes de Bjäre, em Escânia, ou de Kolmården), Hallin (sul de Halândia) e os liócidas (Liócida; que podem ser de Luggude ou Lödde, em Escânia, porém outros já os associaram a Sudermânia[11]) que viviam numa região fértil e plana, motivo pelo qual eram alvo constante dos ataques de seus vizinhos.[12]

Outras tribos eram os Ahelmil, identificados com a região de Halmostádio,[12] os finaítas (finnaithae; possivelmente ligado a Finnheden, antigo nome de Finuídia), os ferves (Fervir), associados a Fjäre e os gantigodos (ganthigoth), possivelmente os getos (geati) de Gotalândia Ocidental, uma nação ousada, ávida por guerrear. Jordanes também menciona os mixos (Mixi), evagretingos (Evagreotingis; também chamado evragros [fvagres] e otingos [Otingis] dependendo da interpretação), que "viviam como animais, entre as rochas" - provavelmente referindo-se aos diversos castros da região, enquanto evagretingos poderia significar "povos dos castros ilhéus", descrição que poderia se aplicar aos habitantes do Condado de Bohus[13]). Além deles viviam os ostrogodos (Gotalândia Oriental), raumaricos (Raumarici; Romerícia), os eragnarícios (Aeragnaricii) ou ragnarícios (Ragnaricii; provavelmente ligado a Ranrícia, antigo nome dado a uma parte do Condado de Bohus) e os finos (segunda menção aos lapões,[14] descritos como "tranquilíssimos", mitissimi). Os vinovilodas (Vinoviloth), povo similar, possivelmente têm alguma relação com os lombardos que permaneceram na região após o deslocamento em massa do povo, que foram chamados de vinilos (vinili).[15]

Jordanes menciona pela segunda vez os suecos, desta vez como suécidos (suetidi)[14] e os danos (dani), que eram "da mesma estirpe" e que teriam expulsado os hérulos de suas terras. Os membros destas tribos eram "os mais altos homens". Na mesma área também viviam os granos (granni; Grenlândia), augandzos (augandzi; Agder), eunixos (eunixi), teteis (taetel), rugos (rugi; Rogalândia), aroquos (arochi; Hordalândia) e rânios (ranii; possivelmente ligado a Romsdalen).[16] O rei Rodulfo era dos rânios, porém abandonou-os para juntar-se a Teodorico, o Grande do Reino Ostrogótico.[17]

Referências

  1. a b Burenhult 1996, p. 94.
  2. Harrison 2002, p. 25-26.
  3. Svennung 1964, p. 7-11.
  4. Jordanes, III.16.
  5. Jordanes, III.17-19.
  6. a b Nerman 1925, p. 36.
  7. Nerman 1925, p. 46.
  8. Ohlmarks 1994, p. 255.
  9. Areskoug 1972.
  10. Nerman 1925, p. 40.
  11. Nerman 1925, p. 38.
  12. a b Ohlmarks 1994, p. 10.
  13. Nerman 1925, p. 42ff.
  14. a b Nerman 1925, p. 44.
  15. Christie 1999.
  16. Nerman 1925, p. 45.
  17. Wolfram 2004, p. 49.

Bibliografia editar

  • Areskoug, Malte (1972). «De nordiska folknamnen hos Jordanes». Fornvännen (Journal of Swedish Antiquarian Research): 1-15 
  • Burenhult, Göran (1996). Bra Böckers Encyklopedi om Människans Historia. VI. Höganäs: Bra Böcker 
  • Christie, Neil (1999). The Lombards: The Ancient Longobards. Hoboken, Nova Jérsei: Wiley-Blackwell. ISBN 0631211977 
  • Harrison, Dick (2002). Sveriges historia. Medeltiden (em sueco). Estocolmo: Liber. 384 páginas. ISBN 91-47-05115-9 
  • Jordanes. Gética 🔗 
  • Nerman, Birger (1925). Det svenska rikets uppkomst. Estocolmo: Generalstabens Litogrufiska Anstalt 
  • Ohlmarks, Å. (1994). Fornnordiskt lexikon. Estocolmo: Tidens Press 
  • Ståhl, Harry (1970). Ortnamn och ortnamnsforskning. Upsala: AWE/Gebers 
  • Svennung, J. (1964). «Jordanes' beskrivning av ön Scandia (A descrição de Jordanes da ilha Scandia)». Fornvännen (Journal of Swedish Antiquarian Research) (em sueco) 
  • Wolfram, Herwig (2004). «Origo Gentis: The Literature of Germanic Origins». In: Murdoch, Brian; Read, Malcolm Kevin. Early Germanic Literature and Culture. Woodbridge, Suffolk: Boydell & Brewer. ISBN 1-57113-199-X 

Ligações externas editar