Susan Brownmiller

Feminista e autora norte-americana

Susan Brownmiller (Nova York, 15 de Fevereiro de 1935) é uma jornalista norte-americana, ativista feminista e autora de diversos livros relacionados a essa temática.

Susan Brownmiller
Nascimento 15 de fevereiro de 1935 (89 anos)
NY
 Estados Unidos
Nacionalidade Americana
Ocupação jornalista, escritora e ativista feminista
Principais trabalhos Against Our Will: Men, Women and Rape (1975); Femininity (1984); In Our Time: Memoir of a Revolution (1999).

Biografia editar

Brownmiller nasceu no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque. Oriunda de uma família de classe média baixa judaica, frequentou  a East Midwood Jewish Center, onde estudava Hebraico e História Judaica. Tal proximidade com o passado do povo judeu e seu histórico de perseguição, sobretudo durante os chamados Pogrons e o Holocausto, despertou seu interesse em estudar as causas da violência, física e psicológica, principalmente contra a mulheres. Posteriormente, estudou na Cornell University e na Jefferson School of Social Sciences, embora sonhasse em ser atriz da Broadway, chegando inclusive a estudar artes cênicas. Trabalhou como garçonete e balconista antes de começar a escrever trabalhos editoriais para alguns periódicos no início da década de 60, momento de extrema efervescência política, social e cultural em torno da defesa dos direitos humanos nos Estados Unidos. Foi nesse período também que consolidou sua carreira como jornalista e iniciou sua militância política em torno, sobretudo, das pautas feminista e racial. Em 1964, participou de mobilizações no estado do Mississippi em torno do direito a voto da população negra. Quatro anos mais tarde, foi co-fundadora da New York Radical Feminist, uma das primeiras organizações feministas americanas. Teve experiências no CORE (Congress Of Racial Equality), uma das quatro maiores organizações que lutavam pelos direitos civis de afro-americanos à época. Em 1979, Foi co-fundadora do Women Against Pornography. Mais tarde, em seu livro In Our Time: Memoir of a Revolution, de 1999, a autora traria reflexões a respeito de suas experiências nesse período. No início da década de 70, Brownmiller inicia sua incursão teórica no universo do estupro, em um contexto no qual a violação do corpo feminino era recorrente e naturalizada. Ganhou o prêmio da fundação Alicia Patterson, por conta de seus estudos e escritos nessa área. Como resultado destes trabalhos, publica sua mais famosa obra: Against Our Will: Men, Women, and Rape, em 1975. Tal obra foi considerada revolucionária para o entendimento acerca das relações de dominação homem-mulher que envolvem o crime de estupro. A principal crítica a seu pensamento se deu em torno do modo como a autora aborda a questão racial dentro da lógica deste crime, sendo radicalmente criticada por feministas negras como Alison Edwards e Angela Davis. Embora não tenha se dedicado ao estudo da criminologia, a autora contribuiu significativamente para o pensamento e entendimento criminológico em torno do crime de estupro. Publicou seu último livro em 1999, e atualmente continua seu ativismo em torno de pautas feministas de viés radical como, por exemplo, o aborto a qualquer tempo de gestação.

Against Our Will: Men, Women and Rape editar

Against Our Will: Men, Women, and Rape (Contra Nossa Vontade: Homens, Mulheres e o Estupro) foi publicado pela primeira vez em 1975, pela editora Simon and Schuster, sendo selecionado, em 1995, pela The New York Public Library, como um dos mais importantes livros publicados no século XX. Desde sua publicação, o livro se tornou um clássico a respeito do tema estupro e foi traduzido para mais de 16 idiomas. A tese principal do livro é a de que o crime de estupro decorre de um processo consciente de intimidação da mulher pelo homem, a qual se mantém, assim, em um permanente estado de medo. Perde, portanto, o caráter de mero crime sexual violento para ganhar conotação política. O estupro se torna uma forma de subordinação da mulher frente ao homem. Cria-se assim, uma Ideologia do estupro, oriunda do fato de que todos os homens se beneficiam, em alguma medida, dessa condição de superioridade, internalizando práticas e conceitos que dão sustentáculo para esse estado de terror.

A autora situa a origem do estupro nos primórdios da humanidade, atribuindo a sua existência a dois fatores biológicos, quais sejam: o fato do acasalamento não mais depender de ciclos hormonais femininos (como em outros animais, no qual o cio da fêmea é condição de existência para a relação sexual) e no fato de que a mulher é fisicamente impossibilitada de oferecer algum tipo de retaliação à violência sexual. Para ela, a descoberta pelo homem de tal possibilidade de dominação é fator preponderante para a estruturação da sociedade tal qual ela se apresenta hoje, notadamente patriarcal.

A definição de estupro dada pela autora é direta: "Se uma mulher escolhe não ter relações sexuais com um homem, e ele, ainda assim, procede contra sua vontade, isso é um ato criminoso de estupro." Entretanto, em sendo o estupro historicamente definido por homens, essa dimensão politica inerente ao ato fica invisibilizada, impedindo que seja tratado de acordo com toda a sua problemática estrutural.

Análise Histórica de Estupro editar

Diante desse estado de terror, a mulher passa a procurar um parceiro, não por tendências biológicas à monogamia, mas pela questão prática de ter um protetor frente a tentativas de estupro impetradas por outros homens. A consequência desse fato é a destruição de vínculos de diálogo entre as mulheres, que tem a sua autonomia restringida pela figura do parceiro masculino. Instala-se, assim, a noção da mulher como parte integrante do patrimônio do homem, bases para as relações patriarcais.

Nessa linha, a autora faz uma profunda incursão sobre a história do estupro. Partindo da história judaica, percorre momentos da história assíria, grega, romana, inglesa, americana para demonstrar como a criminalização do estupro sempre esteve associada a uma ideia de violação de um direito masculino de propriedade sobre a mulher. A mero título de exemplificação, pode-se citar como, durante muito tempo, não era considerado relevante o estupro de mulheres não virgens (sobre as quais não existia mais direito ao dote, que a autora considera a mercantilização do corpo feminino). Nesse sentido, há que se notar que era reiterada a compreensão da mulher como ser ardiloso, que detinha parcela de culpa pela ocorrência do ato, sendo muitas vezes punida juntamente com o seu agressor.

Ainda em termos de análise histórica, aponta-se para a existência de uma intrínseca relação entre as guerras e estupro. Para a autora, em tempos de guerra, a questão da superioridade masculina fica mais evidente. A guerra mostra a psique masculina em sua forma mais crua possível, despida de qualquer cavalheirismo ou civilidade. É por isso, por exemplo, que as mulheres dos inimigos são vistas pelos exércitos vencedores como parte integrante do espólio de guerra, retomando a comprensão da mulher como propriedade do homem. Dominar a mulher do inimigo é parte da estratégia de disseminação do terror e de consolidação da vitória. Em contrapartida, do lado vencido, o estupro é visto como ofensa não ao corpo feminino, mas sim à própria masculinidade do homem derrotado, que vê "suas mulheres" sendo violentadas. O corpo da mulher é, então, instrumentalizado no sentido da transmissão de uma mensagem de capitulação entre interlocutores essencialmente masculinos. A autora recorre a diversos exemplos históricos para corroborar sua tese: o exército alemão na Bélgica, na França e na Rússia; o exército japonês na China e na Coréia; o revanchismo do Exército Vermelho russo em território alemão; a bestialidade do exército americano no Vietnã, além de uma série de outras passagens históricas durante revoluções e revoltas.

Encerrando sua percurso histórico, Brownmiller foca em duas questões sobre a história americana: o tratamento destinado aos indígenas e escravos africanos durante os séculos XVIII e XIX. É particularmente importante ressaltar a abordagem feita no que tange à escravidão. A autora desconstroi a visão que se tornava difundida de que o estupro de escravas negras era raro. Opondo-se claramente a uma tendência freudiana que estereotipava o estuprador como alguém solitário e portador de comportamentos desviantes, ela parte da premissa segundo a qual o estuprador era um homem comum, notadamente um branco dono de escravos. Assim, o abuso das escravas por homens brancos era naturalizado como sendo oriundo de um pretenso direito de propriedade, inerente à própria condição de escravidão, não sendo considerado como estupro, mas prerrogativa de um direito de propriedade. Na contramão dessa lógica, o estupro de uma mulher branca por um homem negro (fosse ele liberto ou não) era visto com extrema reprovação pela sociedade, resultando, muitas vezes, em mortes e linchamentos. É patente a diferença de tratamento entre homens brancos e negros, ancorada na diferença de papeis sociais ocupada por ambos os agentes.

A Crítica Sobre o Racismo editar

Algumas passagens do livro, principalmente no que se refere ao capítulo ao 7, A question of race, suscitaram comentários por parte de feministas negras, tais como Angela Davis e Alison Edwards. A primeira chega, inclusive, a afirmar que, em alguns momentos, a relação entre estupro e raça resvala para uma complicada demonstração de racismo. O ponto em comum de ambas as críticas é que a mera análise dos dados feita por Brownmiller desconsidera o contexto em que esses dados foram colhidos, seja ele social ou econômico. A consequência é a geração de aberrações interpretativas, sem respaldo na realidade social, e que justificam a caracterização de racista.

A crítica de Alison Edwards se assenta no fato de que Brownmiller parte de uma concepção de movimento feminista que é incapaz de fazer aliança com outros grupos oprimidos, evitando um combate eficiente frente às formas de opressão em geral. Assim sendo, o movimento feminista tende a se descolar da realidade que permeia os outros movimentos emancipatórios, já que a sua causa de opressão deriva de uma motivação diferente, qual seja, diferenças biológicas, e não sociais.

Para a crítica, a autora de Against Our Will desconsidera o papel da mulher no sistema produtivo, importante elemento para a sua análise classista de feminismo. De acordo com essa linha de raciocínio, a classe dominante se mantém no poder através do estímulo à competição entre a classe trabalhadora, a qual se funda na existência de uma miríade de desigualdades. A opressão feminina seria apenas mais uma vertente dessas desigualdades incentivadas pelo sistema produtivo.

Sendo o machismo consequência de relações sociais de produção, ele passa a conter um elemento que o aproxima das outras opressões, o fato de derivar de uma relação social, e não exclusivamente de gênero. Para Alison, os negros e as mulheres são mantidos em um estado de inferioridade constante frente aos brancos e aos homens, sendo alvo das instabilidades sociais, como desemprego e salários baixos, com mais frequência. Desconsiderar esse fato para analisar a sociedade como exclusivamente pautada pelos homens opressores x mulheres oprimidas é simplificar a complexidade da sociedade globalizada, que estabelece vários outros sub-grupos de oprimidos, como os negros, os indígenas e as pessoas de países periféricos, dentre outros grupos culturalmente marginalizados pelo sistema de produção.

A importância da análise de Alison se assenta também na sua data de produção, apenas um ano após o lançamento do livro.Ciente das outras determinações que influem na criminalidade, a crítica versa sobre a impossibilidade de se separar as taxas de estupro das taxas de criminalidade em geral, que estavam em alta nesse período. Segundo a comentadora, as taxas de desemprego eram as maiores dos últimos trinta anos, sendo duas vezes maior para negros que para brancos, e seis vezes maior para a juventude negra do que em relação aos semelhantes brancos. Mais além, a repressão policial se recrudescia dentro das periferias urbanas. Como levantado pela autora das críticas, "focar no aumento das ocorrências de estupro, particularmente de negros sobre mulheres brancas, isolado da conjuntura total e de suas causas, acaba contibuindo para a repressão e o preconceito contra a população negra. É nesse contexto que o racismo, incluindo o uso racista das taxas de estupro, devem ser analisados."

A questão da Pornografia editar

Brownmiller se posiciona claramente contrária à indústria pornográfica, não por razões moralistas ou religiosas, justificativa comum de muitos americanos à época, mas por considerar a pornografia uma invenção essencialmente masculina, assim como o estupro, cuja função é reduzir a mulher à mero objeto sexual, desumanizando-a. Para comprovar seu argumento, a autora lança mão de dados coletados em 1970 pela Comissão sobre Obscenidade e Pornografia. Segundo a pesquisa, 90% de todo o material pornográfico produzido era para atender aos anseios do mercado heterossexual masculino, sendo que o restante era para homens homoafetivos. Ainda no âmbito da análise produzida, a maioria dos consumidores eram homens brancos de meia idade, casados e de classe média, o que pautava a forma como essa pornografia seria produzida. "Porque a pornografia foi historicamente concebida como um produto para o público masculino, [...] assim, casos de conteúdo homossexual masculino são relativamente raros, ao passo que o lesbianismo se faz presente com frequência".

A própria reação à pornografia diverge entre homens e mulheres. Ainda com base nos dados da pesquisa supramencionada, 77% dos homens se excitam com a visualização de sexo explícito. Em contrapartida, 68% das mulheres declararam não se interessar, alegando, inclusive, se sentirem "enojadas" e "ofendidas". Isso se justifica porque a construção da pornografia se dá com a reificação feminina, reduzida a corpo dobrável e descartável, mera anônima para o prazer masculino.

Por fim, consolidando a pornografia como estrutura essencialmente opressiva, a autora afirma não ser possível reverter esse caráter machista, haja vista que o símbolo da pornografia por excelência é o corpo nu da mulher, colocado em um estado de submissão e à espera do instrumento patriarcal de poder do homem.

Femininity editar

Femininity (Feminilidade) foi o segundo livro de Brownmiller dentro da temática feminista, sendo lançado em 1984 pela Linden Books. O pilar argumentativo do texto é a tese de que a sociedade pauta um estereótipo de como a mulher deve se portar, estereótipo esse sustentado pela noção de feminilidade. Essa noção resulta em um tratamento social diferenciado para homens e mulheres, limitando sua atuação dentro de um complexo de ações consideradas "femininas". Para a autora, esse estereótipo comportamental enfatiza as diferenças entre homens e mulheres, inclusive criando desigualdades onde elas não existiam naturalmente. A função disso é naturalizar a mulher como submissa, corroborando o status de dominador do homem dentro da sociedade.

O livro se divide em oito capítulos (Corpo, Cabelos, Vestuário, Voz, Pele, Comportamento, Emoção e Ambição) dentro dos quais Brownmiller utiliza de conhecimentos de biologia, de história, de artes e sobre a temática da opressão para demonstrar como a mulher foi historicamente concebida como anexo do homem e afastada de seu papel como agente da história humana.

Livros da autora editar

  • Shirley Chisholm: A Biography (Doubleday, 1970)
  • Against Our Will: Men, Women, and Rape (Simon and Schuster, 1975/Fawcett Columbine 1993)
  • Femininity (Linden Books/Simon & Schuster, 1984)
  • Waverly Place (Grove Press, 1989)
  • Seeing Vietnam: Encounters of the Road and Heart (Harper Collins, 1994)
  • In Our Time: Memoir of a Revolution (Dial Press, 1999)

Bibliografia para o verbete editar

Ver também editar

Ligações externas editar