Teoria do domínio do fato

A teoria do domínio do fato é uma das teorias da imputação penal mais discutidas no âmbito acadêmico nos dias de hoje, embora sua aplicação prática ainda seja controversa e tema de vários questionamentos. Trata-se de distinguir o autor do partícipe pela vontade (um desdobramento do dolo) sobre o crime de fato observado.

Visão geral editar

Incursionando-se nas origens da concepção, é de se ver que a teoria do domínio do fato ganhou notório destaque com as explanações de Hans Welzel, que propôs uma ideia amparada nos conceitos de ação final, estudados e aperfeiçoados também por ele. Para Welzel, a quem ação é o fazer final, o autor de uma conduta somente pode ser aquele que conduz o acontecimento causal conforme sua vontade final (segundo sua finalidade), o que lhe permitiria considerá-la como uma obra sua. Ou seja, a vontade de cometer o fato como próprio seria o elemento diferenciador entre o mero partícipe e o autor de uma conduta (ALFLEN, 2014. 87-88) [1]

Contudo, a teoria do domínio do fato foi efetivamente desenhada pela pena de Claus Roxin, que, no seio de uma visão funcionalista (o que significa enxergar o direito penal a partir de sua função), trouxe uma nova roupagem ao instituto. Roxin (2000, p. 151)[2] enxergava que o elemento diferenciador entre autor e partícipe estaria no domínio da ação, sendo, pois, autor aquele que assume o protagonismo da realização típica – logo, autor é aquele que pratica os elementos do tipo dependendo apenas de si e de seu atuar. Porém, além dessa hipótese, Roxin vislumbrou outras duas possibilidades de se “dominar o fato”.

Uma delas está no domínio da vontade (ROXIN, 2000, p. 166-167)[2], situação na qual o autor da conduta não a pratica de mão própria, mas, sim, por meio da utilização de outro sujeito, que atua em erro ou em estado de não culpabilidade, sendo o típico caso do “homem de trás”.

Enquanto a outra forma, também conhecida como domínio funcional do fato (ROXIN, 2000, p. 307-398)[2], consiste em verdadeira divisão de tarefas entre os diversos protagonistas da ação típica. Em suma, diversas pessoas possuem o mesmo objetivo em comum, a realização da ação típica, mas, para alcançá-lo, dividem a execução da ação em tarefas, competindo a cada um uma fração essencial do todo – tanto que a não execução de uma delas pode impossibilitar a consecução do objetivo comum –, sendo os participantes da empreitada considerados coautores do delito.

Com essa construção, Claus Roxin apresentou um conceito restritivo de autor e, de certa forma, limitou e muito o alcance do conceito unitário de autoria, pelo qual autor é todo mundo que tenha, de alguma forma, contribuído ao delito dando causa ao mesmo (teoria causal).

Todavia, o conceito mais interessante apresentado por Roxin vai além da mera teoria do domínio do fato, mas deriva dela, e hoje se mostra como o fundamento preferido do Judiciário e do Ministério Público brasileiros na “cruzada” contra a corrupção, principalmente na tarefa de justificar a responsabilidade penal de diretores de empresas, chefes de órgãos públicos e demais detentores de funções de chefia por crimes ocorridos no interior das respectivas instituições. O conceito consiste no conceito de domínio da organização.

Mas ao contrário do que o cotidiano forense brasileiro aponta, a teoria do domínio da organização não se reveste como fundamento adequado na punição de chefes, diretores, secretários e demais ocupantes de cargos ditos de “direção” pela mera posição que ocupa. A teoria exige o atendimento a alguns pressupostos bem restritivos. Para que se tenha um domínio de organização o tal “homem de trás” deve: i) dominar um aparato organizado de poder desvinculado da ordem jurídica (o que significa que seu nascedouro seja fora da ordem jurídica regular – a exemplo de grupos terroristas, máfias e Estados de Exceção); ii) possuir poder de mando (ser chefe de algo); e iii) poder emitir ordens que serão cumpridas por executores fungíveis – o que culmina na certeza de execução da ordem, sem a necessidade de se ordenar algo diretamente ao executor, pois a execução da ordem será decorrência lógica da própria hierarquia da organização (LEITE, 2014, p. 139)[3].

A responsabilidade penal, conforme essa teoria do domínio da organização, veda sua extensão ao âmbito empresarial e dos órgãos públicos. Com relação aos órgãos públicos, porque possuem organização e divisão de tarefas taxativamente previstas em leis e regulamentos, cujos executores são nomeados em portarias e demais atos administrativos – o que põe em cheque o primeiro requisito (organismo apartado da ordem jurídica) e o terceiro (certeza na execução da ordem por executor fungível). No que toca às empresas, nunca é demais lembrar que são constituídas por pessoas jurídicas, ou seja, o seu nascedouro depende da lei e não pode ser apartado dela.

Outrossim, é de se ressaltar que a responsabilização, no caso empresarial, recairia fatalmente no caráter funcional, ou seja, o gerente ou diretor de uma empresa estariam sendo responsáveis pela simples posição que ocupam, sem refletir necessariamente na conduta que praticaram. O problema é maior em empresas de estrutura complexa, pois o poder de decisão dificilmente tem a força necessária para, por si, possibilitar a execução de ordem, vez que uma decisão deverá ser “vista e revista” por diversos setores administrativos. Para resolver tal problema, talvez, já se tenha passado da hora de discutirmos uma efetiva responsabilização penal da pessoa jurídica.

Destaque-se que o próprio Roxin, noutras oportunidades, asseverou que sua teoria não se aplica a organismos amparados na ordem jurídica.

Ainda sobre a aplicabilidade da teoria do domínio do fato, discorrem os advogados Paulo Quezado e Alex Santiago:

Bibliografia editar

  • ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato. São Paulo: Saraiva, 2014.
  • ROXIN. Claus. Autoría y dominio del hecho em derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2000.
  • LEITE, Alaor. Domínio do fato, domínio da organização e responsabilidade penal por fato de terceiros: os conceitos de autor e partícipe na AP 470 do Supremo Tribunal Federal. in: GRECO, Luís; et alli. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo:Marcial Pons, 2014, p. 139.
  • FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal: parte geral. Tomo I. Coimbra e São Paulo: Coimbra Editora e Editora Revista dos Tribunais, 2007.

Referências

  1. ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato. São Paulo: Saraiva, 2014.
  2. a b c ROXIN. Claus. Autoría y dominio del hecho em derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2000.
  3. LEITE, Alaor. Domínio do fato, domínio da organização e responsabilidade penal por fato de terceiros: os conceitos de autor e partícipe na AP 470 do Supremo Tribunal Federal. in: GRECO, Luís; et alli. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo:Marcial Pons, 2014, p. 139.
  4. FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Penal: parte geral. Tomo I. Coimbra e São Paulo: Coimbra Editora e Editora Revista dos Tribunais, 2007.


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