Turcos mesquécios
Os turcos mesquécios (em georgiano: თურქი მესხები; romaniz.: t'urk'i meskhebi; em turco: Ahıska Türkleri) são um subgrupo étnico dos turcos nativos da região da Mesquécia, na Geórgia, junto a fronteira com a Turquia. A presença turca na região começou com a expedição militar turca de 1578, embora tribos turcos se assentaram na região tão cedo quanto os séculos XI-XII.[9] Hoje, os turcos mesquécios estão amplamente dispersados por toda a antiga União Soviética (bem como na Turquia e Estados Unidos) devido as deportações forçadas durante a Segunda Guerra Mundial.[10]
Turcos mesquécios Ahıska Türkleri მესხეთის თურქები | ||||||||||||||||||||||||||||||
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Mesquécios em Karabük (2019) | ||||||||||||||||||||||||||||||
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turco, azeri, russo, georgiano, cazaque | ||||||||||||||||||||||||||||||
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Grupos étnicos relacionados | ||||||||||||||||||||||||||||||
turcos e azeris (carapapaques e terequemes) |
À época, a União Soviética estava preparando uma campanha de pressão contra a Turquia e Joseph Stalin queria limpar a população turca estratégica na Mesquécia que provavelmente eram hostis às intenções soviéticas.[10] Em 1944, os turcos mesquécios foram acusados de contrabando, bandidagem e espionagem em colaboração com seu povo além da fronteira turca. Expelidos da Geórgia por Stalin em 1944, eles enfrentaram discriminação e abusos dos direitos humanos antes e após a deportação. Aproximados 115 000 turcos mesquécios foram deportados à Ásia Central e apenas algumas centenas foram capazes de retornar à Geórgia desde então. Aqueles que imigraram à Ucrânia em 1990 assentaram-se nas favelas habitadas por trabalhadores sazonais.[11]
Origem e termosEditar
A origem dos mesquécios é ainda inexplorada e amplamente controversa. Mas agora parece que há 2 principais vertentes:
- A vertente pró-turca: os mesquécios foram etnicamente turcos, descendentes de colonos otomanos, dentro os quais há elementos georgianos.[12]
- A vertente pró-georgiana: a historiografia georgiana tradicionalmente argumenta que os turcos mesquécios, que falam o dialeto turco de Cars e pertencem a escola hanafi sunita, são simplesmente georgianos turquizados convertidos ao islã no período entre o século XVI e 1829, quando a região de Mesquécia-Javaquécia (Mesquécia histórica) estava sob jugo do Império Otomano.[13]
Contudo, Anatoly Michailovich Khazanov argumenta que "é muito possível que os aderentes dessa visão super simplificaram a história étnica do grupo, particularmente se compararmos com outro grupo georgiano muçulmano, os ajares, que, apesar da conversão ao islã, mantiveram, não só a língua, mas de algum modo a cultura tradicional georgiana e alto-independência. Ao contrário, a cultura tradicional dos mesquécios apesar de conter elementos georgianos, era similar a turca."[13] Kathryn Tomlinson argumenta que nos documentos soviéticos sobre as deportações de 1944 dos turcos mesquécios são referidos só como "turcos", e que foi após sua 2º deportação do Uzbequistão que o termo "turcos mesquécios" foi inventado.[14] Ademais, segundo Ronald Wixman, o termo "mesquécio" apenas começou a ser usado no final da década de 50.[15] De fato, a maioria dos mesquécios chamam-se "turcos" ou "turcos aiscanos" em referência a região. Eles afirmam às vezes que os medievais cumanos-quipchacos da Geórgia podem ser alguns de seus possíveis ancestrais.[16]
HistóriaEditar
Conquista otomanaEditar
Pela Paz de Amásia (1555), a Mesquécia foi dividida em dois, com os safávidas mantendo a porção oriental e os otomanos ganhando a porção ocidental.[17] Em 1578, os otomanos conduziram uma invasão bem-sucedida nos domínios safávidas na Geórgia, iniciando a Guerra Otomano-Safávida de 1578-1590 e por volta de 1582 estiveram em controle da porção oriental da Mesquécia. Os safávidas reganharam controle sobre a porção oriental da Mesquécia no começo do século XVII, contudo, pelo Tratado de Zuabe (1639), toda a Mesquécia ficou sob controle otomano e isso levou ao fim das tentativas iranianas para retomar o país.[18][19]
Governo soviéticoEditar
Deportação de 1944 da Geórgia à Ásia CentralEditar
Em 15 de novembro de 1944, o secretário-geral do PCUS Joseph Stalin ordenou a deportação de mais de 115 000 turcos de sua terra natal,[20] que foram secretamente retirados de suas casas e reunidos em vagões. Entre 30 000 e 50 000 morreram de fome, sede e frio e sofreram no exílio.[21][22] Segundo censo soviético de 1989, 106 000 turcos viviam no Uzbequistão, 50 000 no Cazaquistão e 21 000 Quirguistão.[20]
Diferente de outros nacionalidades deportadas na Segunda Guerra Mundial, nenhuma razão foi dada para essa deportação, que permaneceu secreta até 1968. Foi apenas em 1968 que o governo soviético finalmente reconheceu que os mesquécios foram deportados. A razão foi porque em 1944 a União Soviética preparou campanha de pressão contra a Turquia. Em junho de 1945, Vyacheslav Molotov, então ministro das relações exteriores, apresentou exigência ao embaixador turco em Moscou para render três províncias anatólias (Cars, Ardaã e Artvin). Como Moscou também preparou-se para apoiar as exigências armênias de várias outras províncias anatólias, a guerra contra a Turquia parecia possível, e Joseph Stalin quis resolver a questão da estratégica fronteira turco-georgiana onde os turcos mesquécios estavam assentados que eram provavelmente hostis às intenções soviéticas.[10]
Diferente de outros grupos muçulmanos deportados, os mesquécios não foram reabilitados nem permitidos retornar a sua terra natal. Em abril de 1970, os líderes do monimento nacional turco mesquécio enviaram ao embaixador turco em Moscou um pedido para emigrar à Turquia como cidadãos turcos se o governo soviético persistisse negando o reassentamento deles na Mesquécia. Contudo, como resposta, o governo soviético ordenou a prisão dos líderes mesquécios.[23]
1989 - deportação do Uzbequistão para outros países soviéticosEditar
Em 1989, revoltas eclodiram entre turcos assentados no Uzbequistão e uzbeques nativos. Ressentimentos nacionalistas contra os mesquécios que também competiam com os uzbeques no superpovoado vale de Fergana também estiveram presentes. Centenas de mesquécios foram mortos ou feridos, quase 1 000 propriedades foram destruídas e milhares de mesquécios fugiram ao exílio. A maioria deles, aproximados 70 000, foram ao Azerbaijão, enquanto o resto foi para várias regiões da Rússia (especialmente o crai de Crasnodar), Cazaquistão, Quirguistão e Ucrânia.[20][24]
Guerra Civil no Leste da UcrâniaEditar
Aproximados 2 000 mesquécios foram forçados a fugir de suas casas na Ucrânia desde maio devido os conflitos entre as forças do governo e separatistas pró-russos. Representante da comunidade mesquécia em Donetsk diz que aqueles que fugiram procuraram refúgio na Rússia, Azerbaijão, Turquia e diferentes partes da Ucrânia.[11] mais de 300 mesquécios da minoria falante de turco na Ucrânia Oriental chegaram à província turca de Erzincan onde viveram sob as medidas recém-adotadas de asilo do país.[25]
DemografiaEditar
Segundo censo soviético de 1989, havia 207 502 turcos vivendo na União Soviética. Porém, autoridades sovietes registram muitos mesquécios como pertencendo a outras nacionalidades como "azeris", "cazaques", quirguizes, e "uzbeques".[1] Portanto, os census oficiais não necessariamente mostram um reflexo real da população mesquécia; por exemplo, segundo censo azeri de 2009, havia 38 000 turcos vivendo no país; contudo, nenhuma distinção é feita entre mesquécios e turcos da Turquia que se tornaram cidadãos azeris, como ambos os grupos sendo classificados como "turcos" ou "azeris".[26] Segundo relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados publicado em 1999, 100 000 mesquécios viviam no país e o descontinuado Instituto da Paz e Democracia de Bacu afirmou, em 2001, que entre 90 000 e 110 000 mesquécios viviam ali. Similarmente, estimativas acadêmicas sugeriram que eles compreendiam 90 000 e 110 000 pessoas.[27]
Mais recentemente, alguns mesquécios na Rússia, especialmente aqueles de Crasnodar, enfrentaram a hostilidade da população local. Os mesquécios de Crasnodar sofreram significativa violação dos direitos humanos, incluindo a privação de sua cidadania. Eles também foram privadas de direitos civis, políticos e sociais e foram proibidos de obterem propriedade e emprego.[28] Assim, desde 2004, muitos turcos deixaram Crasnodar em direção aos Estados Unidos como refugiados, com boa parte deles, cerca de 1 300 indivíduos, se assentando em Dayton, Ohio. Eles ainda estão impedidos de total repatriação na Geórgia[29] e mesmo aqueles que ainda habitam o país, sofrem com a tensão racial decorrente da divergência doutrinária e étnica.[30]
CulturaEditar
A maioria dos turcos mesquécios são sunitas e a minoria sao xiitas.[7][8] Eles falam um dialeto anatólio oriental de turco, que vem das regiões de Cars, Ardaã e Artvin. Seu dialeto também possui empréstimos de outras línguas (incluindo o azeri, georgiano, cazaque, quirguiz, russo e uzbeque), pois os mesquécios estiveram em contato com outros povos durante o governo soviético.[31]
CasamentoEditar
Os casamentos mesquécios consistem numa proposta tradicional dos pais do noivo e se os pais da noiva aceita a proposta, uma festa (Nişan) é feita. A todos é dado nessa cerimônia uma bebida doce chamada Xarbate (Sharbat). O casamento de fato dura dois dias. No primeiro as noivas deixam sua casa e no segundo é quando o casamento ocorre. Antes da noiva entrar na casa de seu marido ela usa um salto para quebrar dois pratos com seu pé e coloca mel na soleira da porta. Essa tradição serve para desejar felicidade aos noivos em seu casamento. Ao fim da cerimônia, uma dança é performada com os homens e mulheres dançando separadamente. Finalmente, os recém-casados tem sua última dança que é chamada "Valsa", concluindo a cerimônia.[32]
Referências
- ↑ a b Aydıngün 2006, p. 1.
- ↑ Seferov 2011, p. 393.
- ↑ Boletim 2011.
- ↑ a b c d e Aydıngün 2006, p. 13.
- ↑ a b c d e f g h i j Ekinci 2014.
- ↑ a b c d Aydıngün 2006, p. 14.
- ↑ a b Aydıngün 2006, p. 15.
- ↑ a b An Ethnohistorical Dictionary of the Russian and Soviet Empires.
- ↑ Aydıngün 2006, p. 4.
- ↑ a b c Bennigsen 1983, p. 30.
- ↑ a b Boletim 2014.
- ↑ Glück 2016, p. 774.
- ↑ a b Khazanov 1995, p. 195.
- ↑ Tomlinson 2005, p. 111.
- ↑ Wixman 1984, p. 134.
- ↑ Yunusov 1999, p. 162-165.
- ↑ Mikaberidze 2015, p. xxxi.
- ↑ Floor 2001, p. 85.
- ↑ Tomlinson 2005, p. 110.
- ↑ a b c UNHCR 1999b, p. 20.
- ↑ Minahan 2002, p. 1240.
- ↑ Polian 2004, p. 155.
- ↑ Bennigsen 1983, p. 31.
- ↑ UNHCR 1999b, p. 21.
- ↑ Boletim 2015.
- ↑ Comitê 2009.
- ↑ UNHCR 1999a, p. 14.
- ↑ Barton 2002, p. 9.
- ↑ Coşkun 2009, p. 5.
- ↑ Direitos 2017.
- ↑ Aydıngün 2006, p. 23.
- ↑ Ranard 2006, p. 18–19.
BibliografiaEditar
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