Um Salto para trás, mas sem Olhar

A lenda Um salto para trás, mas sem olhar é uma tradição oral da ilha de São Jorge, nos Açores. Refere, de modo curioso, a distância entre as ilhas e a necessidade que o povo tinha de a atravessar, bem como as formas que imaginava como ideais.

Carro de Bois da raça Bovinos Ramo Grande, ilha Terceira, Açores

Lenda editar

Um homem que vivia na ilha de São Jorge dirigia-se para casa depois de um dia de trabalho, já ao anoitecer. Vinha cansado e com o carro de bois carregado de lenha para o forno, a chiar no silêncio da tarde. Vinha de longe e o caminho não era muito bom, por isso sentou-se à entrada de uma furna para descansar e dar descanso aos bois.

Para entreter o tempo começou a afiar um pau com a navalha, eventualmente a criar um brinquedo para o filho. Nestes tempos a navalha era para o agricultor um instrumento para toda a obra. Era usada para enxertar a vinha ou uma árvore de fruta, e como faca durante a refeição. Muitas vezes também era utilizada como bisturi numa operação a um animal.

Estava ele entretido, quando vinda não se sabe de onde apareceu uma galinha que começou a andar de um lado para o outro e a ciscar na terra, esgravatando tudo ao redor do homem, que começou a ficar incomodado com a poeira que a galinha levantava. Ela cacarejava sem parar e com insistência. Apesar de o agricultor a enxotar, ela não saía do pé dele. Já farto, tentou espetar a galinha com a navalha.

Quando picada, a galinha transformou-se imediatamente numa mulher nova e bonita, completamente nua. Quando recuperou a sua calma, o homem despiu o casaco que tinha vestido e colocou-o por cima da mulher, como forma de lhe tapar a nudez. A mulher então disse-lhe que era uma feiticeira que precisava de ser levada com urgência até à ilha do Pico.

O agricultor tentou esquivar-se, dizendo-lhe não a podia levar, tinha a família em casa à sua espera e que além disso não tinha barco nem era homem do mar. Mas a feiticeira tanto insistiu que o homem acedeu. Ela pediu que ele a pegasse ao colo e desse um passo para trás, mas sem olhar. Apesar de estar cheio de receio, queria ver-se livre da mulher, e assim fez.

Mal deu o passo para trás e olhou em à volta, achou-se no Pico. Aterrorizado e sem saber o que fazer, apenas perguntou "E agora? Como volto para São Jorge?" Agradecida com o acto dele, a feiticeira retirou um bocado de pano da loja de sua casa e disse que ele o segurasse e desse novamente um passo para trás, novamente sem olhar. Ele assim fez. Logo se encontrou novamente na sua ilha, junto do carro de bois que continuavam impávidos e serenos como se nada se tivesse passado. Era como se esta viagem de ir e vir ao Pico tivesse acontecido num tempo que não correspondia ao tempo normal.

Assim que recuperou do acontecido, pôs-se logo a caminho de casa, esquecendo-se no entanto de deitar fora o pano que a feiticeira lhe tinha dado. Quando chegou a casa, a mulher começou a perguntar onde ele o tinha buscar e quem lho tinha oferecido. Com medo de falar da feiticeira, o homem não quis contar o que tinha acontecido à mulher. Isto levou a grandes desconfianças e ciúmes por parte da esposa, que começou a dizer que ele tinha uma amante, levando a um divórcio algum tempo depois.

Ver também editar

Bibliografia editar

  • FURTADO-BRUM, Ângela. Açores, Lendas e Outras Histórias (2a. ed).. Ponta Delgada: Ribeiro & Caravana Editores, 1999. ISBN 972-97803-3-1 p. 211-212.

Ligações externas editar