Universidade Livre de Bruxelas (1834–1969)

Universidade Livre de Bruxelas (em língua francesa: Université libre de Bruxelles, ULB; em neerlandês: Vrije Hogeschool te Brussel, posteriormente Vrije Universiteit Brussel) foi uma universidade privada localizada em Bruxelas, Bélgica.

Universidade Livre de Bruxelas
Vrije Universiteit Brussel, em Holandês
Edifício principal do campus de Solbosch, construido na década de 1920. Atualmente abriga a Université Libre de Bruxelles (ULB)
SiglaULB
LemaScientia vincere tenebras
Conhecimento vence a escuridão
Fundação20 de Novembro 1834
Dissolução1 de Outubro 1969
Tipo de instituiçãoPrivada
LocalizaçãoBruxelas, Brabant, Bélgica

Fundada em 1834, a instituição existiu como uma única universidade até 1969, quando foi dividida em duas entidades distintas devido a tensões linguísticas: a Université Libre de Bruxelles, de língua francesa, e a Vrije Universiteit Brussel, de língua neerlandesa.

Criada sob o princípio da "livre investigação" (libre examen), a universidade foi estabelecida por intelectuais livres-pensadores como reação à hegemonia católica no sistema educacional belga.[1] Declaradamente secular, a Universidade Livre de Bruxelas esteve particularmente associada ao liberalismo político durante o período da pilarização. Ao lado da Universidade Católica de Lovaina (1834–1968) e das universidades estatais de Liège e Gante, figurava entre as principais instituições de ensino superior da Bélgica.

As chamadas "Guerras Linguísticas" impactaram diretamente a universidade, culminando em sua cisão após as manifestações estudantis em Lovaina, ocorridas em 1968. Em 1969, a Universidade Livre de Bruxelas dividiu-se formalmente em duas instituições independentes: a francófona Université Libre de Bruxelles (ULB) e a neerlandesa Vrije Universiteit Brussel (VUB). Apesar da separação, ambas mantêm colaboração acadêmica e institucional no âmbito da Aliança Universitária de Bruxelas, estabelecida em 2013.[2]

História

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Criação de uma universidade em Bruxelas

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Pierre-Théodore Verhaegen, fundador da Universidade Livre de Bruxelas

A Universidade Livre de Bruxelas foi fundada como Universidade Livre da Bélgica (Université Libre de Belgique) em 20 de novembro de 1834, pouco após a Revolução Belga e a independência do país, em 1830. Durante o domínio holandês, a Bélgica contava com três universidades estaduais — em Leuven, Gante e Liège — cujas atividades foram amplamente interrompidas após a revolução e os conflitos com os Países Baixos. Desde 1831, maçons da loja "Les Amis philanthropes" já cogitavam a fundação de uma nova universidade privada.

A iminente criação da Universidade Católica de Malinas reacendeu o interesse de grupos anticlericais, especialmente maçons, liberais e livres-pensadores. A partir de abril de 1834, Pierre-Théodore Verhaegen e Auguste Baron lideraram uma campanha de arrecadação de fundos. A fundação oficial da Universidade Livre de Bruxelas ocorreu em 20 de novembro de 1834, no antigo Palácio de Carlos de Lorena, em Bruxelas, com o apoio do prefeito liberal Nicolas-Jean Rouppe. A data é celebrada anualmente como feriado estudantil, o Saint Verhaegen (frequentemente abreviado como St. V), em homenagem a Verhaegen.[3]

A universidade foi fundada sob o princípio do libre examen (livre exame), que expressava os ideais iluministas de independência em relação a autoridades religiosas e políticas. Isso resultou em conflitos com a Igreja Católica e com o Partido Católico, ligado à Universidade Católica de Leuven, estabelecida em 1835.

No contexto da pilarização belga, a Universidade Livre tornou-se uma das principais instituições do “pilar liberal”. Em 1842, passou a adotar o nome Université Libre de Bruxelles (“Universidade Livre de Bruxelas”).[4]

Nos anos iniciais, a instituição enfrentou dificuldades financeiras por não receber subsídios governamentais, dependendo de doações e mensalidades. Verhaegen, professor e mais tarde reitor da universidade, reafirmou ao rei Leopoldo I seu compromisso com a liberdade acadêmica: “o princípio da livre investigação não é influenciado por nenhuma autoridade política ou religiosa”.[5]

Em 1858, a Igreja Católica fundou o Instituto Saint-Louis, que mais tarde se tornaria uma universidade independente.[6]

Expansão, tensões internas e movimento

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A Universidade Livre, então sediada no Palácio Granvelle, por volta de 1900

A Universidade Livre expandiu-se significativamente nas décadas seguintes. Em 1842, foi transferida para o Palácio Granvelle, que ocupou até 1928. Nesse período, ampliou o número de disciplinas oferecidas e, em 1880, tornou-se uma das primeiras instituições belgas a permitir que mulheres estudassem em algumas de suas faculdades.

Em 1893, a universidade recebeu grandes doações de Ernest Solvay, Alfred Solvay e Raoul Warocqué, destinadas à abertura de novas faculdades em Bruxelas. Nesse mesmo ano, um convite feito pelo reitor Hector Denis ao geógrafo anarquista Élisée Reclus para proferir uma palestra na universidade gerou controvérsia. O episódio provocou a cisão de um grupo de professores liberais e socialistas, que fundaram a Nova Universidade de Bruxelas (Université Nouvelle de Bruxelles) em 1894. No entanto, a nova instituição não conseguiu competir com a Universidade Livre e encerrou suas atividades definitivamente em 1919.[7]

 
O time de futebol da universidade que ganhou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1900

Em 1900, o time de futebol da Universidade Livre conquistou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Verão.[8] Após a recusa do Racing Club de Bruxelas em participar do torneio, a Federação enviou uma seleção de estudantes da universidade,[9][10] que foi posteriormente reforçada por alguns jogadores que não eram estudantes.

O Instituto de Sociologia foi fundado em 1902, seguido pela Escola de Comércio Solvay em 1904, que mais tarde se tornaria a Escola de Administração e Economia Solvay Bruxelas. Em 1911, a universidade obteve sua personalidade jurídica sob o nome de Université Libre de Bruxelles - Vrije Hogeschool te Brussel.[11]

A ocupação alemã da Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial levou à suspensão das aulas por quatro anos, entre 1914 e 1918. No período pós-guerra, a Universidade Livre de Bruxelas transferiu suas principais atividades para o bairro de Solbosch, no município de Ixelles, ao sul da cidade, onde foi construído um campus universitário específico para esse fim, com financiamento da Fundação Educacional Belga-Americana.[12]

Durante a Segunda Guerra Mundial, a universidade foi novamente fechada pelas autoridades alemãs em 25 de novembro de 1941, durante a segunda ocupação da Bélgica. Estudantes da universidade participaram ativamente da Resistência Belga, notadamente com a criação do Grupo Geral de Sabotagem da Bélgica (Groupe G).[13]

Divisão da universidade

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A Vrije Universiteit Brussel, de língua holandesa, mudou-se para um novo campus como resultado da divisão

Os cursos da Universidade Livre de Bruxelas eram ministrados exclusivamente em francês até o início do século XX. Após a independência da Bélgica, o francês consolidou-se como a língua da burguesia e das classes altas, sendo o único idioma utilizado nos campos jurídico e acadêmico. Com o fortalecimento do Movimento Flamengo, que representava a maioria dos falantes de neerlandês em Flandres, a ausência de ensino superior em neerlandês tornou-se uma importante fonte de tensão política. A Universidade de Gante foi a primeira instituição a oferecer cursos exclusivamente em neerlandês, a partir de 1930.[14]

Alguns cursos da Faculdade de Direito da Universidade Livre passaram a ser ministrados em francês e neerlandês já em 1935. No entanto, apenas em 1963 todas as faculdades passaram a oferecer ensino nos dois idiomas.[15]

As tensões entre estudantes francófonos e neerlandófonos atingiram seu auge em 1968, quando a Universidade Católica de Leuven foi dividida por critérios linguísticos, tornando-se a primeira de várias instituições belgas a adotar essa medida.[16]

Em 1º de outubro de 1969, as seções francófona e neerlandófona da Universidade Livre de Bruxelas foram oficialmente separadas, originando duas universidades irmãs distintas. A divisão foi formalizada pela lei de 28 de maio de 1970, aprovada pelo Parlamento belga, que reconheceu a Université Libre de Bruxelles (ULB), de língua francesa, e a Vrije Universiteit Brussel (VUB), de língua neerlandesa, como entidades jurídicas, administrativas e científicas independentes.[17][18]

Corpo docente notável

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Honrarias

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Referências

  1. Charle, Christophe; Verger, Jacques (1996). História das Universidades. São Paulo: Fundação Editora da UNESP. pp. 82–85 
  2. «Brussels University Alliance – Official website». www.ulb-vub.be (em inglês). Consultado em 20 de dezembro de 2024. Cópia arquivada em 30 de maio de 2023 
  3. «Pierre Théodore Verhaegen and St V». Vrije Universiteit Brussel (em inglês). Consultado em 25 de fevereiro de 2023 
  4. «A University born of an idea». Université libre de Bruxelles. Consultado em 4 de agosto de 2016 
  5. Witte, Els (1996). Pierre-Théodore Verhaegen (1796–1862) (em neerlandês). Brussels: VUB Press. ISBN 90-5487-140-7 
  6. «History - Université Saint-Louis - Bruxelles». www.usaintlouis.be. Consultado em 16 de junho de 2025 
  7. Laqua, Daniel (2013). The Age of Internationalism and Belgium, 1880–1930: Peace, Progress and Prestige. Manchester: Manchester University Press. ISBN 978-0-7190-8883-4 
  8. «Paris 1900: Resultados futebol masculino». Olympics. Comitê Olimpico Internacional 
  9. Great Britain's first home Olympic football adventure by Jon Carter, ESPN, 26 Jun 2012
  10. Before the World Cup: Who were football's earliest world champions? by Paul Brown on Medium Sports, 6 Jun 2018
  11. Nerincx, Edmond (8 de novembro de 1911). Loi du 12 août 1911 accordant la personnification civile aux universités de Bruxelles et de Louvain (PDF) (em francês). Brussels: Belgian official journal. 4846 páginas. Consultado em 25 de fevereiro de 2023 
  12. «History of the BAEF – BAEF» (em inglês). Consultado em 16 de junho de 2025 
  13. «Brief History». Groupe G - WWII Living History. Consultado em 16 de junho de 2025. Cópia arquivada em 29 de outubro de 2013 
  14. Dumoulin, Michel (2010). L'Entrée dans le XXe Siècle, 1905–1918 [The Beginning of the XX Century, from 1905–1918]. Bruxelas: Le Cri édition 
  15. «About the University: Culture and History». Vrije Universiteit Brussel. Arquivado do original em 16 de junho de 2015 
  16. Jonckheere, Willy; Todts, Herman (1979). Leuven Vlaams: Splitsingsgeschiedenis van de Katholieke Universiteit Leuven (em neerlandês). Leuven: Davidsfonds. ISBN 9061523052 
  17. «Chambre des Représentants» (PDF) 
  18. «Law of 28 May 1970, concerning the splitting of the universities in Brussels and Leuven» (em neerlandês). Belgisch Staatsblad/Flemish Government