Usuária:Domusaurea/teste - Romanização

O conceito de Romanização, criado pelo pesquisador Theodor Mommsen no século XIX, indica a propagação da cultura romana através da aculturação e assimilação cultural de seus atributos, por parte das populações anexadas durante o período de expansão da República Romana, do Império Romano ou Principado, dentro da perspectiva civilizatória de Roma[1]. Tal processo variou de acordo com as especificidades dos diferentes locais em que ocorreu.[2]

Segundo Millet, a romanização teria começado de cima para baixo, com as classes superiores adotando a cultura romana em primeiro lugar e, de modo mais lento, essa assimilação teria se espalhado para as regiões mais internas e periféricas entre os camponeses.[3] Outras perspectivas, no entanto, ressaltam a participação dos nativos nesse processo de mudanças dentro do Império Romano, resultando na adaptação de práticas e conceitos utilizados em Roma, de modo a satisfazer os interesses locais.[4]

A título de exemplificação dos mecanismos desse processo de romanização, podemos destacar a construção de cidades[5], locais em que se manifestava e se exercia o ideal de cidadão romano, reforçando a ideia do ser romano entre os nativos.

Cabe ressaltar que o termo romanização variou ao longo de sua existência, sendo, ainda hoje, alvo de discussão entre especialistas. No século XX, com os processos de descolonização, houve uma mudança ideológica, na qual a necessidade de um novo discurso e de uma nova perspectiva da história se fez presente.[6]

Histórico do termo editar

Conceito de Romanização por Mommsen editar

Theodor Mommsen foi agraciado com o Nobel de Literatura de 1902, pela sua obra "História de Roma" onde pela primeira vez se leu o termo Romanização na descrição das ações de pensar, colonizar, controlar terras distantes e possuídas por outros povos na formação do Império Romano.

Há estudos que explicam melhor a base de estudos de Mommsen e Haverfield, que são estudos baseados na teoria de Darwin. Através desses estudos tenta-se explicar a transformação de diversas culturas (a exemplo britânico) em uma cultura "romanizada".[7]

Escola Britânica - Haverfield editar

Arqueólogo, em seu trabalho "A romanização da Bretanha Romana" - publicado, pela primeira vez, em 1906 - Haverfield estabeleceu um modelo para o processo de mudança progressiva, "romanização", que tem muito em comum com os conceitos de "progresso" e de "desenvolvimento" próprios do século XIX e do início do XX, período em que o Império Britânico se estabelecia e necessitava de fundamentos positivistas encontrados na história do Império Romano para justificar suas práticas imperialistas na África e na Ásia.

Haverfield sugere que Roma manteve seu império de duas maneiras: organizando as defesas das fronteiras e intervindo no crescimento das "civilizações internas". O autor denomina de Romanização a maneira de não-Romanos receberem uma nova língua, cultura, arte, estilo de vida urbana e religião. Suas duas conclusões sobre o processo foram: primeiramente, romanização, no geral, visa extinguir a distinção entre romanos e provinciais, em relação à cultura material, política e língua; como outra conclusão, é afirmado que o processo não foi igual em todo lugar e não destruiu, de uma vez só, todos os traços tribais e sentimentos "nacionalistas" dos conquistados.

O pós-colonialismo e os Nativistas editar

Nas décadas de 1970 e 1980, a contra-resposta dos nativistas surgiu para descentralizar as visões e teorias sobre o termo, adicionando a noção de resistência para as culturas não-Romanas. Para esse grupo, que apontou a lenta incorporação do Latim, a rápida urbanização das cidades e o aparente reviver dos Celtas no final do império, Romanização foi um pouco mais do que uma "pincelada", onde a cultura céltica sobreviveu. Para os nativistas britânicos, o modo Romano de viver não foi nem "abraçado" nem rejeitado, mas ignorado.

Abordagem de Millett editar

A partir da conceituação de Haverfield sobre Romanização, Martin Millett, não querendo reacender as tensões com os nativistas, mas tentar uma coexistência das duas teorias, conciliando a conclusão de Haverfield em relação ao "recebimento" de uma nova cultura com a teoria nativista britânica da participação ativa de toda a população conquistada. Ele o fez aceitando a hipótese de Haverfield em que a Romanização foi um processo espontâneo, mas afirmando que o motor para a adoção dos símbolos da Romanitas esteve, inteiramente, nas mãos das elites nativas.

Teoria de Hingley editar

Para Richard Hingley não é possível afirmar um conceito de romano ou de cultura material romana sem recorrer à visões e opiniões modernas ou contemporâneas, ou seja, sem utilizar termos que não pertecem à época.

Definição de Romano editar

A questão do que é "ser romano" ainda é muito debatida. Segundo alguns autores, definir um romano apenas pela sua cidadania, pelos deuses que cultua ou pelo território que habita é insuficiente. Por exemplo, o camponês de uma terra conquistada é legalmente romano, mas ao mesmo tempo, ele não necessariamente cultua os mesmos deuses de Roma. Desta forma, pode-se considerar que o conceito Terra = Povo é impreciso.

Segundo Norma Musco Mendes[8], o ponto essencial para a construção da identidade romana está baseado em um conjunto de ações e representações referentes ao ideal de 'ser romano', como:

  • Produção intelectual;
  • Educação;
  • Administração;
  • Instituições;
  • Idioma (Latim);
  • Culto Imperial;
  • Arte;
  • Cultura material, entre outros.

Além desses fatores, devemos destacar a importância do papel da Uirtus na construção da identidade. Originalmente, a “uirtus” descrevia especificamente a coragem guerreira, porém seu sentido foi ampliado e passou a designar também as virtudes romanas (valores morais) no seu conjunto. As virtudes eram divididas em diferentes qualidades e incluíam a grauitas (postura que denota um homem sério), a iustitia (justiça), prudentia (prudência), temperantia (autocontrole), fortitudo (coragem), a pietas (cultuar deuses corretamente), a fides (fé) e a auctoritas (o grande uir romano, o imperador, o poder). Acredita-se que, juntas, estas virtudes convergem em um único ideal ético romano: a humanitas. Portanto, um homem com "uirtus", é um homem que age com "humanitas", traduzindo vulgarmente, alguém civilizado, que possui uma conduta moralmente superior.

Diferenças regionais editar

A expansão do Império Romano, durante os séculos III e II a.C., não ocorreu de maneira uniforme em todas as regiões conquistadas. Cada povo apresentou reações diferentes, seja através da resistência ou da conciliação de interesses entre os grupos dirigentes e os invasores romanos, seja devido à variedade de povos ou às suas respectivas formas de organização econômico-social.

A Germânia, por exemplo,como ressalta Otto C. Barreto Neto[9], era um território desconhecido pelo Império Romano, o que fez com que, em um primeiro momento, a região recebesse poucos investimentos e o seu desenvolvimento não fosse efetivo. Os germanos viviam em aldeias e eram um povo semi-nômade. Ao perceberem a presença dos romanos, fugiam para as florestas e optavam pela guerrilha como forma de resistência, o que dificultava a dominação por parte do Império. A principal presença de romanos na Germânia eram nos acampamentos militares na fronteira, o Limes, sendo através deles desenvolvidas as práticas comerciais e as representações culturais romanas. Além das legiões, passavam também pelo território comerciantes, prostituas, aventureiros e políticos, alguns deles "cidadãos romanos".

A Invasão romana da península Ibérica ocorreu pela primeira vez em 194 a.C. Conhecida como Lusitânia e atualmente como Portugal, durante o processo de expansão, a região serviu muitas vezes de abrigo para os romanos, antecipando, assim, uma forma de contato entre lusos e romanos. A entrada dos romanos se deu de maneira diferenciada nesta região, sendo caracterizada por alguns conflitos, e em algumas áreas de menor resistência, principalmente pelo interesse dos grupos dirigentes e das classes mais ricas em integrar o Império.[10] De modo geral, o Império romano obteve domínio sobre a Lusitânia gerando uma miscigenação significativa entre estes, marcando a região com características importantes de cultura e costumes, formando as raízes do que hoje é Portugal.[11]

No caso da Britânia, os motivos de sua invasão geram debate entre historiadores, principalmente por acreditarem num forte potencial comercial daquela região. A assimilação cultural entre os dois povos e outros dominados por Roma, levou até mesmo a propagação do cristianismo, posteriormente, por todo o império.[12]. Resquicios materiais, por exemplo, como a Muralha de Adriano influiram na divisão atual das Ilhas Britânicas. De acordo com Bernardo Milazzo[13], a Conquista romana da Britânia criou elementos como a "fronteira étnica" entre os dominados e os dominadores, devido ao aspecto de resistência dos bretões.

No Oriente, em especial na Grécia, a romanização foi menos marcante. A cultura grega influenciou mais os romanos do que o contrário, como diz o poeta latino Horácio: "Graecia capta ferum victorem cepit", "A Grécia capturada conquistou seu feroz dominador"[14]). Em um primeiro momento, os gregos desprezaram a cultura de seus dominadores, mas especialmente a partir do século II d. C. pode-se perceber uma presença maior da cultura romana, como por exemplo na popularização de combates de gladiadores, no aumento da participação de gregos dentro do Senado romano, na adoção do culto imperial e no processo de incremento da burocratização durante a Antiguidade tardia.

É preciso enfatizar uma característica comum do processo: em todas as regiões invadidas pelos romanos preservaram-se muitos dos traços culturais locais, sendo transformada principalmente a esfera política. Isso ocorreu tanto para Roma quanto para os povos dominados, o que gerou uma mescla entre as culturas, criando uma cultura heterogênea e nova nas regiões dominadas. Alexandria, por exemplo, mesmo se considerando superior em tradição e cultura, incorporou elementos políticos oriundos de Roma e características culturais da Grécia. Da mesma maneira que Roma, "absorvia" diversos modelos egípcios, por considerar esta uma civilização avançada, de costumes e tradições com característicais muito fortes.[15]

Assim, o que se nota de maneira mais geral é que, apesar das diferentes influências e transformações causadas, não se diluíram as culturas locais, sendo esse processo caracterizado pela integração das culturas.

Ver também editar

Referências

  1. Mendes, Norma Musco. "Romanização e as questões de identidade e alteridade".
  2. Bancalari, 2007
  3. Millett, 1990, apud Hingley, 2010.
  4. Hanson, 1994 apud Hingley, 2010
  5. Mendes, 2001
  6. Milazzo, Bernardo. "BRITÂNIA ROMANA – AS CIDADES COMO CENTROS DO PODER NA FRONTEIRA DE UM IMPÉRIO: A COLONIA DE CAMULODUNUM" 2007, Niterói.[1]
  7. [2] ARQUEOLOGIA, COLONIALISMO E DARWINISMO SOCIAL: A APLICAÇÃO DAS TEORIAS BIOLÓGICAS NOS ESTUDOS DAS SOCIEDADES HUMANAS E SUA REPERCUSSÃO NAS PESQUISAS EM ARQUEOLOGIA ROMANA (SÉCULOS XIX-XX)Rafael de Abreu e Souza (Bolsista PIBIC/CNPq) e Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari (Orientador),Núcleo de Estudos Estratégicos – NEE e Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCH,UNICAMP
  8. Mendes, Norma Musco. "Romanização e as questões de identidade e alteridade".
  9. [3] NETO, Otto C. Barreto. COLÔNIA ARA CLAUDIA AGRIPPINENSI: INTERAÇÕES NA GERMÂNIA INFERIOR. In: CANDIDO. M. R. (org.) ROMA E AS SOCIEDADES DA ANTIGUIDADE. Política, Cultura e Economia. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2008, 74-76].
  10. [4]Lima, Vanessa Vieira de. ESCOLAS DE ROMANIDADE: A EXPERIÊNCIA SERTORIANA In: CANDIDO. M. R. (org.) ROMA E AS SOCIEDADES DA ANTIGUIDADE. Política, Cultura e Economia. Rio de Janeiro: NEA/UERJ, 2008, 104-107.]
  11. [5] Lupi, João. Resenha - Os Lusitanos. Rodrigues, Adriano Vasco. Os Lusitano. Mito e Realidade. Lisboa, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, 1998, 353p. Revista Brathair, vol. 2, n°1, p. 64-68, 2002.
  12. [6] Carlan, Cláudio Umpierre. O Império Romano no século IV e os conflitos religiosos. Revista Jesus Histórico, vol. 2, n°2, p. 2-17, 2009.
  13. [7] Milazzo, Bernardo Luiz Martins. A Construção da fronteira étnica no processo de Romanização na Britânia Romana: Os casos de resistência da revolta de Carataco e Boudica durante o século I d.C. Niterói, 2009
  14. Horácio, Epístolas, livro II, 1, 156-157.
  15. [8] Clímaco, Joana Campos. IMPACTOS DA ROMANIZAÇÃO EM ALEXANDRIA: ALGUNS DEBATES BIBLIOGRÁFICOS. História Revista - Revista da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, vol. 14, n°01, p. 261-290, 2009.

Bibliografia editar

  • BANCALARI MOLINA, Alejandro. Orbe romano e imperio global. Santiago: Universitaria, 2007
  • BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha. Práticas culturais no Império Romano: entre a unidade e a diversidade. p. 109-136. In. MENDES, Norma Musco; SILVA, Gilvan da Ventura. Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória, ES/; EDUFES,2006.
  • HAVERFIELD, F. The Romanization of Roman Britain. Oxford: Oxford University Press, 1915.
  • HINGLEY, Richard. O Imperialismo Romano: novas perspectivas a partir da Bretanha. São Paulo: Annablume, 2010
  • MARQUES, Juliana Bastos. Resenha: Bancalari Molina, Alejandro. Orbe Romano e Imperio Global. La Romanización desde Augusto a Caracalla. Santiago: Editorial Universitaria, 2007, 330p.
  • MENDES, Norma Musco. Romanização e as questões de identidade e alteridade. Conflito social na História da Antiguidade: stasis & discordia-Boletim do CPA, IFCH/UNICAMP, v. 11, n. jan./jun., p. 25-42, 2001
  • MENDES, N.M. Sistema Político do Império Romano do Ocidente: Um Modelo de Colapso. Rio de Janeiro: DP&A Ed., 2002
  • MILLET, M. The Romanization of Britain: an essay in archaeological interpretation. Cambridge: Cambridge University Press, 1990a
  • MILLET, M. The Romanization historical issues and archaeological interpretation.In. BLAGG T.; MILLET, M.(Orgs.). The Early Roman Empire in the West: 35-41. Oxford: Oxford University Press,1990b
  • WEBSTER, Jane. Creolizing the Roman Provinces. American Journal of Archaeology, vol. 105, n. 2, 2001, p. 209-225.

Ligações externas editar