Usuário(a):Jhan/teste - Religião Romana

Religião Romana editar

A religião dos romanos era naturalista, terrena, ritualística, pragmática, tradicionalista, cujo objetivo fundamental era a obtenção dos favores dos deuses para eventos pontuais e, consequentemente, para a manutenção da pax deorum, quer dizer, a harmonia entre a comunidade e os deuses [1]. Sua religião era politeísta e antropomórfica com nítidas influências das crenças etrusca e helena.

O culto privado editar

 
Afresco de Pompeia com a imagem do genius no centro, flanquado pelo Penates e os Lares. No extremo esquerso é Mercúrio, e no extremo direito, Baco.

Os romanos expressavam sua devoção aos deuses com oferendas nos templos e, em santuários domésticos, aos deuses lares, embora fizessem, também, procissões, rezas e sacrifícios públicos. O culto doméstico, realizado em volta do lar, não parece ter mudado muito durante a história romana. O fogo doméstico constituía o centro do culto, eram-lhe oferecidos savrifícios alimentares quotidianos. O culto endereçava-se aos penates e ao lares, personificações mítico-rituais dos antepassados [2] e ao ''genius'', especie de "duplo" que protegia o indivíduo.

Os ritos funerários, que terminavam no nono dia após o enterro ou inumação, prolongavam-se no culto regular dos "pais defuntos" (''divi parentes'') ou ''manes''. Duas festas erma-lhes consagradas: os ''Parentalia'', em Fevereiro, e os ''Lemuria'', em Maio [3] . Durante os Parentalia, os magistrados não ostentavam suas insígnias, os templos eram fechados, os fogos extintos sobre os altares e não se contraía casamento. Os mortos retornavam e se serviam do alimento depositado sobre os túmulos. Mas era sobretudo a pietas que apaziguava os antepassados.

Durante os três dias dos Lemuria (9, 11 e 13 de Maio), os mortos (lemures) retornavam e visitavam as casas de deus descendentes [4] . A fim de apaziguá-los e de impedir que arrastassem consigo alguns vivos, o ''paterfamilia'' enchia a boca de favas pretas e, enquanto cuspia, pronunciava nove vezes as seguintes palavras: "Com estas favas redimo a mim e os meus." Finalmente, fazendo barulho com um objeto de bronze para amedrontar as sombras, repetia nove vezes: "Manes de meus pais, afastem-se daqui."

Eram os rituais que garantiam as relações entre o homem e a religião. Garantir os ritos representava a certeza da manutenção da sociedade como a queriam, ordenada e segura [5]. Ao respeitar as regras de comportamento, como o respeito aos deuses, sobretudo em seus espaços, ao curvar-se sob a autoridade dos rituais, o cidadão garantia a ordem social, e a paz divina.


Pietas editar

Dentro do caráter social da religiosidade romana, a importância que é estabelecida nas relações pessoais é expressa pelo termo latino ''pietas'' [6] . Apesar de sua ligação com o verbo piare (apaziguar, apagar uma falta, conjurar um mal presságio), a pietas designava a observação escrupulosa dos rituais, mas também o respeito aos relacionamentos entre as pessoas [7] . Para um filho, a pietas consistia em obedecer ao pai, e ao mesmo tempo existia a pietas que os membros de um grupo devia a cidade que eles pertencem. Contudo, mais importante do que esses deveres, era a pietas com relação aos deuses [8] . As ideologias "humanitárias" dos séculos XVII e XIX tentaram retomar essa concepção, todavia, dessacralizaram a velha concepção da pietas romana.

Colégios sacerdotais editar

Os flâmines editar

O culto público, sob o controle do Estado, era efetuado por certo número de oficiantes e confrarias religiosas. Na época da monarquia, o rei ocupava o primeiro posto na hierarquia sacerdotal, ele era o ''rex sacrorum'' [9]. Depois do rei, vinham, na hierarquia sacerdotal, os 15 flâmines, em primeiro lugar os três flâmines maiores: os de Júpiter (''flamines Dialis''), de Marte e de Quirino. Os flâmines não formavam uma casta e não consistiam um colégio. Cada flâmine era autônomo e ligado a uma divindade [10] . O flâmine de Júpiter era repleto de proibições: não podia se afastar de Roma, não devia aparecer despido sob o céu (aos olhos de Júpiter), nem ver o exército, nem montar a cavalo, devia evitar o contato com as coisas impuras e os omortos ou com aquilo que evocava a morte [11].

Houve um intervalo de quase setenta anos para a nomeação do flamen Dialis desde a morte do último em 86 a.C. Um novo sacerdote só foi inaugurado nos anos 20 a.C., sob o principado de Augusto [12] . Este evento, para além de outros, foi celebrado no grande friso da ''Ara Pacis'', mostrando Augusto na frente e os outros quatro flâmines o seguindo. A mensagem é a de que o dano causado pelo lapso foi afastado pelo novo pontifex maximus.

 
Augusto como Pontifex maximus.
 
Vestal.

O pontifex editar

Ao lado flamen Dialis, o ''pontifex'' desempenhava, no círculo sagrado do rei, uma função complementar. O colégio dos pontífices, mais precisamente o ''Pontifex maximus'', de quem os outros eram apenas o prolongamento, dispunha ao mesmo tempo de liberdade e de iniciativa [13]. O pontifex maximus era o líder e falava pelo colégio no Senado. Comparecia as reuniões em que se decidiam sobre os atos religiosos, respondia pelos cultos sem titulares e fiscalizavam as festas. No tempo da Replúbica, incubia ao pontifex maximus criar os flâmines maiores e as vestais sobre os quais possuíam poderes disciplinares e ser o conselheiro e também às veze, o representante destas últimas. O colégio dos pontífices era composto por 9 membros desde 300 a.C., em outros momentos, eram eleitos por 17 das 35 tribos [14].

As vestais editar

As seis vestais estavam vinculadas ao colégio pontificial. Escolhidas pelo sumo pontífece entre os seis e os dez anos de idade, as vestais eram ordenadas por um período de 30 anos [15]. Protegiam o povo romano alimentando o fogo da cidade, que tinham a obrigação de nunca deixar extinguir. Sua força religiosa dependia da virgindade. A condenação de uma virgem vestal por má conduta sexual era um evento raro, porém significativo. A punição era parte de um ritual de purificação do Estado. Por ser sacrossanta, a vestal não podia ser executada. Por isso, era confinada numa câmara subterrânea com um cama, uma lamparina e um pouco de água e comida, largada para a morte Cúmplices do sexo masculino eram açoitados publicamente até a morte [16].

As virgens vestais tinham privilégios dos quais nenhuma outra mulher Roma podia gozar: Eram mantidas em condições de luxo, com dinheiro público; eram livres da autoridade paternal; guardavam testamentos e tratados, e podiam elas mesmas ter um testamento; podiam dar depoimentos em cortes sem fazer juramento; até os magistrados mais condecorados tinham que ceder passagem a elas [17].

As funções desses três tipos de sacerdotes era aconselhar o Senado sobre todos os assuntos referentes aos sacra, aconselhar o povo em temas da lei sagrada, incluindo a lei dos mortos, supervisionar os assuntos da lei familiar (adoção, herança, etc.), manter os registros do Estado [18].

 
Relevo com os flâmines.

Outros colégios editar

O colégio augural era tão antigo e tão independente quanto o colégio dos pontífeces. Mas o segredo da disciplina foi bem guardado. Sabe-se apenas que o áugure não era convocado para desvendar o futuro, seu papel era esclarecer se este ou aquele projeto era um sinal divino [19] . O colégio dos áugures tinha o mesmo número dos pontífices, eles eram supervisores e conselheiros sobre os rituais e procedimentos concernentes aos auspícios. Com o tempo, certas técnicas divinatórias de origem helena e etrusca foram introduzidas em Roma. O método dos arúspices, que consistia em examinar as entranhas da vítimas, era uma prática etrusca. Existe uma lista de 60 membros [20] . Eram ocasionalmente consultados pelo Senado.

 
Relevo de mármore mostrando a preparação de um sacrifício.

Existia o colégio dos ''Salii'', composto por dois grupos de doze membros cada, que dançavam e cantavam na cidade nos Festivais de Março e Outubro. O ''Luperci'' tinha dois grupos também, mas o número de membros é desconhecido [21] . Eles corriam pelas ruas da cidade no Festival da Lupercália, batendo nas pessoas com chicotes de pele de cabra. Outro colégio era dos ''Fratres Arvales'', doze membros que cuidavam da manuntenção do culto da Deusa Dia, numa gruta fora de Roma [22] . Estes três colégios não eram consultados pelo Senado.

O sacrifício editar

Tanto no culto público quanto no privado, o sacrifício consistia na oferenda de determinada matéria alimentar. Cereais, uva, vinho e principalmente vítimas animais. Efetuavam-se libações preliminares sobre o lar portátil (''foculus''), que representava o foculus do sacrificante, e situava-se em frente ao templo, ao lado do altar [23] . A parte reservada aos deuses (fígado, pulmão, coração e alguns outros pedaços) era queimada sobre o altar. A carne era consumida pelo sacrificante e por seus companheiros no culto privado, e pelo corpo de sacerdotes nos sacrifícios celebrados em favor do Estado.

A tríade capitolina editar

 
Estátua de Júpiter.

Ao contrário dos helenos, que desde cedo tinham organizado um panteão estruturado, os romanos apresentavam, no começo de sua época histórica, apenas um agrupamento hierárquico das divindades [24] . A tríade arcaica era composta por Júpiter, Marte e Quirino, completada por Jano e Vesta. Na qualidade de deus dos "começos", Jano foi colocado no topo da lista, e Vesta, protetora da cidade, no fim. Júpiter é por excelência o deus soberano, celeste e fulgurante, regente da justiça e fiador da fecundidade. [25] Marte, representava entre todos os povos itálicos o deus guerreiro. Quirino é solidário da comunidade dos viri, a reunião do povo romano.

 
Estátua de Minerva.
 
Estátua de Juno.

Quanto a Jano e Vesta, sua incorporação à tríade arcaica dá continuidade a uma tradição indo-europeia [26] . Espacialmente, Jano encontra-se nos limiares das casas e nas portas. No ciclo temporal, é ele quem rege os começos do ano. O nome de Vesta deriva de uma raiz indo-europeia que significa "queimar", o fogo perpétuo constitui o lar de Roma. Geralmente, os templos deveriam ser inaugurados e orientados segundo as quatro direções celestes (ter quatro cantos, ser quadricular), mas a casa da deusa Vesta não deveria ser inaugurada, visto que toda a força dela está sobre a terra, por isso seu santuário é circular, é uma ''aedes sacra'', não um ''templum'' [27] .

Aos poucos a religião foi se constituindo numa construção que mesclou a tradição procedente das épocas iniciais (componentes itálicos, indo-europeus, etruscos, helenos) com a capacidade de acolher as forças divinas dos “outros”, quer dizer, as comunidades conquistadas.

Sob a dominação etrusca, a velha tríade Júpiter, Marte e Quirino perde sua atualidade, sendo substituída pela tríade Júpiter, Juno e Minerva, instituída na época dos Tarquínios [28] . Devido a influência etrusca e helena, as divindades apresentaram estátuas. Júpiter Optimus Maximus, como passa a ser chamado, é apresentado aos romanos sob a imagem modificada do Zeus heleno.

Juno é a mais importante das deusas romanas, mas também é desconcertante. Seu nome latino, Juno, deriva de uma raiz que exprime "a força vital" [29] . Suas funções são múltiplas: rege a fecundidade das mulheres, mas também o começo dos meses. No Capitólio ela era ''Regina'', título que refletia uma tradição de realeza sagrada.

Minerva á a padroeira das artes e dos artesãos. O nome é provavelmente itálico (derivado de "men", que designa toda e qualquer atividade so espírito) [30] . Os romanos a receberam por intermédio dos etruscos, mas já na Etrúria, Menrva (Minerva) representava uma adaptação de Palas Atena.

A tríade capitolina não prolongou nenhuma tradição romana. Júpiter era o único representante da herança indo-europeia. A associação entre Juno e Minerva foi obra dos etruscos [31] . Para eles, a tríade divina também exercia um papel na hierarquia do panteão. Sabe-se, por exemplo, que ela presidia à fundação dos templos.

Bibliografia editar

Beltrão, Cláudia. A Religião na urbs. In: MENDES, N.M.; SILVA, G.V.(org.) Repensando o Império Romano. Rio de Janeiro: Mauad X, 2006: 137-159.

Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas". Rio de Janeiro, Zahar, 2011.

Funari, Pedro Paulo. "Grécia e Roma". Editora Contexto, São Paulo, 2002.

McKeown, J.C., "O livro das curiosidades romanas". Editora Gutenberg LTDA, São Paulo, 2010.

Referências

  1. Funari, Pedro Paulo. "Grécia e Roma": 95
  2. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 110
  3. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 111
  4. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 111
  5. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 146
  6. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 109
  7. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 109
  8. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 110
  9. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 112
  10. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 146
  11. McKeown, J.C. "O livro das curiosidades romanas": 89
  12. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 149
  13. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 113
  14. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 143
  15. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 113
  16. McKeown, J.C. "O livro das curiosidades romanas": 27
  17. McKeown, J.C. "O livro das curiosidades romanas": 26
  18. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 143
  19. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 114
  20. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 143
  21. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 143
  22. Beltrão, Cláudia. "A religião na urbs": 143
  23. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 115
  24. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 115
  25. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 116
  26. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 116
  27. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 117
  28. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 117
  29. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 117
  30. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 117
  31. Eliade, Mircea. "História das crenças e das ideias religiosas": 117