A casca que me habita é descartável
e me desfaço um tanto dela
a cada manhã.
Vou desvestindo aos poucos,
camada por camada,
a argila inerme,
enquanto a alma apaga as pegadas
e cumpre as exéquias
pelo que fui.
Deixo meus restos nas árvores,
nas casas caiadas,
nos troncos caídos,
e no oco mais obscuro dos quintais,
onde costumo meditar
meus atrevidos ais
e desencantos.
E resplandece a cada dia
a alma enclausurada,
liberta aos poucos desse fardo insano
que me habita,
desse artrópode destino
de lama e coração.
A desnudar meu peito a alma transcende,
ascende aos campos
divinais sonhados
e me transborda em graça e sapiência,
a tocar de leve,
em sacrílega essência
os pés descalços dos deuses.