Cassiano Branco

arquiteto português

Cassiano Viriato Branco (13 de agosto de 189724 de abril de 1970) foi um arquiteto português. É um dos mais importantes arquitetos da primeira metade do Século XX em Portugal.

Cassiano Branco
Nome completo Cassiano Viriato Branco
Nascimento 13 de agosto de 1897
Lisboa, Portugal (ex-Reino de Portugal)
Morte 24 de abril de 1970 (72 anos)
Lisboa, Portugal
Nacionalidade português
Ocupação arquiteto
Cineteatro Éden, Lisboa, 2ª proposta, 1930

Pertence ao grupo notável – que inclui Pardal Monteiro, Cottinelli Telmo, Carlos Ramos, Cristino da Silva ou Jorge Segurado –, que protagonizou a viragem modernista da arquitetura portuguesa.

Vivendo acima de tudo da encomenda privada, a sua obra, vasta e multifacetada, inclui projetos visionários nunca realizados e obras de referência da primeira modernidade nacional. Edifícios de sua autoria como o Éden (sobretudo a 2ª proposta, não construída), o Hotel Vitória e o Coliseu do Porto, são exemplos de construções de grande escala urbana "que confirmam as potencialidades plásticas e o modo como Cassiano, o mais inventivo, espetacular e cosmopolita modernista da sua geração, soube integrar o contributo das vanguardas artísticas europeias".[1]

Biografia / Obra editar

 
Costa da Caparica, Praia Atlântico, pormenor da solução urbanística, 1930

Cassiano Branco nasceu em Lisboa, na Rua do Telhal, 51, em Agosto de 1897. Foi o único filho de Maria de Assunção Viriato e Cassiano José Branco, pequeno industrial de Alcácer do Sal. Frequentou a escola primária, hoje desaparecida, que se localizava entre a Calçada da Glória e as Escadinhas do Duque, Lisboa; aí conheceu Ávila do Amaral, futuro engenheiro e seu colaborador.[2][3]

Inscreve-se na Escola de Belas-Artes de Lisboa em 1912 mas interrompe o curso dois anos mais tarde, insatisfeito com o ensino praticado. Frequenta o ensino Técnico-Industrial. Em paralelo com a frequência das aulas trabalha na gestão de uma pequena fábrica (com o pai) e, mais tarde, num Banco. Casa-se com Maria Elisa Soares Branco em 1917; no ano seguinte nasce a sua única filha.[4]

Conclui o ensino Técnico-Industrial em 1919. Nesse ano viaja até Paris e Bruxelas. Em 1921 visita Amsterdão e reingressa na Escola de Belas-Artes (termina o curso de arquitetura no ano letivo de 1926-1927); obtendo o diploma de Arquitectura em 1932, após a conclusão do seu tirocínio. Visita a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, Paris (1925), contactando com as linguagens da vanguarda da época. Entra para a Maçonaria, viaja até Paris, Espanha e Inglaterra (1926). Empenha-se nas suas primeiras propostas arquitetónicas; projeta as instalações da Câmara Municipal da Sertã (1925-27). Em 1928 realiza o projeto do stand de automóveis Rios de Oliveira, Avenida da Liberdade, Lisboa, onde começa a revelar-se a identidade da sua arquitetura.[5]

 
Hotel Vitória, Lisboa, 1934

A influência da Art Déco e do modernismo europeu torna-se determinante a partir do início da década de 1930. Cassiano Branco empenha-se em projetos visionários, formalmente avançados, para o desenvolvimento de uma vasta área de lazer e turismo na Costa da Caparica e para uma hipotética Cidade do Filme Português, Cascais; realiza diversos estudos para o Cineteatro Éden, Lisboa; projeta o Hotel Vitória e o Coliseu do Porto, assim como um conjunto de notáveis edifícios de habitação que irão servir de modelo para muitos prédios da década de 1930 (em alguns casos o mimetismo é tal que se torna difícil distinguir as suas obras das dos seus imitadores).[6][7]

De fortes convicções políticas, opositor declarado do Estado Novo de Salazar, Cassiano Branco fica excluído das encomendas oficiais de maior estatuto e visibilidade. Participa de forma discreta na Exposição do Mundo Português (1940) e realiza projetos para barragens, mas o grosso da sua obra será para uma clientela privada. Também o seu feitio, difícil e exigente, ditará o abandono prematuro de diversos empreendimentos de grande dimensão, por divergências com clientes ou construtores. E no entanto, apesar de terem sido terminados por mão alheia, nos cinemas lisboetas Éden e Império, abandonados durante o projeto, e mais ainda no Coliseu do Porto, de que se afastou já em fase de construção, a sua autoria permanece claramente identificável, pelo que em publicações de referência todos estes edifícios lhe são atribuídos (repare-se que na década de 1990 o cineteatro Éden foi quase totalmente demolido, dele restando apenas a fachada principal, adulterada pela abertura de dois enormes vãos).[4]

Embora a vários níveis um resistente, Cassiano Branco não foi totalmente alheio ao estilo oficial do Estado Novo (vulgarmente apelidado Português Suave[8]), que dominou o panorama arquitetónico nacional a partir do final da década de 1930. Uma obra à qual se dedicou longamente foi o Portugal dos Pequenitos, Coimbra (1937-1962), onde evocou edifícios e tipologias arquitetónicas nacionais, numa síntese historiográfica do país à escala das crianças. Também o Grande Hotel do Luso (1940) ou o edifício da Praça de Londres (1951) revelam uma aproximação ao idioma tradicionalista então dominante.[7][9] Na década de 1940 destacam-se as propostas e construção do café Cristal (1940), as várias propostas rejeitadas para a Cervejaria Portugália (1940), a proposta de um arranha-céus na Av. da Liberdade (1943), prédios de habitação na Av. António Augusto de Aguiar (1944), e os projectos não aprovados para o Cinema Império (1947-48), todos em Lisboa.[10]

Em 1958 apoiou a candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República, tendo sido detido pela PIDE.[11]

Faleceu em Lisboa, no dia 24 de Abril de 1970, com 72 anos.

Alguns projetos e obras[4] editar

  • 1925-27 – Câmara Municipal da Sertã, Sertã.
  • 1928 – Stand de automóveis Rios de Oliveira, Avenida da Liberdade, Lisboa.
  • 1929 – Primeiras propostas para o Cineteatro Éden, Lisboa.
  • 1930 – Segundo projeto para o Cineteatro Éden | Projeto de urbanização para a Costa da Caparica (não construído) | Projeto para uma Cidade do Filme Português (não construída).
  • 1931-32 – Terceiro projeto para o Cineteatro Éden.
  • 1933-36 – Diversos prédios e moradias em Lisboa (Av. Álvares Cabral; Av. António José de Almeida, nº 10, 14, 16, 24; etc.).
  • 1934 – Hotel Vitória, Avenida da Liberdade, Lisboa (atual Centro de Trabalho "Vitória", PCP).
  • 1937 – Barragem do Rio Ponsul, Idanha-a-Nova | Barragem do Vale do Gaio, Estremadura | Prédios na Av. Defensores de Chaves, na Rua Nova de S. Mamede, etc.
  • 1937-62 – Portugal dos Pequenitos, Coimbra.
  • 1938 – Estação Terminal do Caminho‐de‐Ferro de Benguela (no Lobito) e Projeto do Grande Hotel do Luso.
  • 1939 – Coliseu do Porto, Rua Passos Manuel, Porto.
  • 1940 – Plano de urbanização, Exposição do Mundo Português, Lisboa | Grande Hotel do Luso.
  • 1941 – Junta Nacional do Vinho, Rua Mouzinho da Silveira, 5, Lisboa.
  • 1942 – Hotel Britania antigo Hotel do Império, Rua Rodrigues Sampaio, 17, Lisboa
  • 1943 – Proposta de um arranha-céus na Avenida da Liberdade, Lisboa.
  • 1947-48 – Primeiros estudos e projetos para o Cinema Império, Lisboa.
  • 1951 – Prédio na Praça de Londres, Lisboa.
  • 1958 – Proposta para uma ponte sobre o Tejo (não aprovada).

Cine-teatro Éden editar

 Ver artigo principal: Cineteatro Éden

Hotel Vitória editar

O Hotel Victória é uma edificação modernista projetada por Cassiano Branco em 1934. Esta obra joga ritmadamente a horizontalidade das aberturas e volumes rectos com os volumes circulares das varandas. No exterior há uma intenção de lhe conferir um aspecto mais nobre pelo emprego de revestimentos em mármore e aplicações metálicas que se repetem nas varandas.

História editar

O Hotel Victória está classificado como edifício de interesse público. Coincidindo com a renovação da cidade de Lisboa que ocorreu ao longo da década de 1930 e na qual Cassiano Branco teve importante papel, o Hotel Victória articula referências modernistas europeias com alusões ao estilo decorativo Art Deco. Situa-se na Avenida da Liberdade e foi uma das obras mais relevantes concebidas por este arquiteto, tornando-se numa obra de referência da arquitetura portuguesa da época. Com o passar do tempo surgiram novas construções na Avenida da Liberdade e o edifício foi ameaçado de demolição, o que representaria uma perda irreparável para o património arquitectónico da Cidade e do País. Foi graças a intervenção do Instituto Português do Património Cultural que, apontando razões históricas e arquitectónicas, se decidiu que este seria um imóvel a preservar. O Hotel Victória foi projetado, numa primeira fase, como uma unidade hoteleira com cerca de 60 quartos, tendo Cassiano Branco optado, na sua construção, pelo betão armado.[12]

A inauguração teve lugar em 1936 e, três anos mais tarde, eclodia a 2ª Guerra Mundial (o Hotel Victória iria tornar-se em ponto de encontro de espiões franquistas e nazis). Em 1945 continuava em funcionamento como um dos hotéis mais conhecidos de Lisboa, mas sofria a concorrência de outros mais modernos e confortáveis. Encerrou em meados da década de 1960, ficando ao abandono até 1975, ano em que o Partido Comunista Português (PCP) o alugou para aí instalar o Centro de Trabalho Vitória.[13] Depois de ter sido alvo de um atentado bombista, em 1976, foram tomadas medidas de segurança que alteram a leitura do piso térreo. Em 1984, o PCP adquiriu o edifício com o apoio de uma recolha de fundos, e foi realizada a primeira acção de recuperação e restauro do edifício, com adaptação dos quartos a gabinetes de trabalhos e anulação das casas de banho privadas, reconstrução da pérgola no terraço (que ruiu no sismo de 1969), reposição da pala original sobre a entrada e limpeza e recuperação da fachada, incluindo as caixilharias, que se encontravam em estado avançado de degradação. Em 1994 realizou-se mais uma acção de recuperação: todo o revestimento em pedra da fachada foi limpo e reposto nas zonas em que existiam falhas com pedra proveniente das pedreiras de origem, substituindo-se os tubos cromados decorativos e das guardas das varanda, irrecuperavelmente oxidados, por tubos de aço polido com desenho e secção idêntica à original; foi efetuada uma recuperação e reorganização extensiva dos espaços do piso térreo.[14]

Características editar

A fachada possui aproximadamente 16,50 metros e é revestida a mármore, dando grande protagonismo ao Hotel Victória. Formada por dois corpos, um vertical de aparência maciça, e um outro horizontal, com balcões corridos, guarnecidos com tubos metálicos, estes produzem um contraste com uma quebra de ritmo acentuada à verticalidade da primeira face á horizontalidade do segundo. A tensão criada pelos dois é acentuada pela presença do pilar que se destaca da superfície da fachada, e serve de eixo de rotação para o remate circular das varandas. A pérgola do terraço contribui para definir a leitura da sequência das varandas circulares como um volume em si, que serve de contraponto ao torreão. A fachada traduz a capacidade de estabelecer uma relação de equilíbrio instável exterior-interior.[14]

O piso térreo, tratado com particular acentuação dinâmica de um jogo de planos e volume, garantindo por um lado, uma sólida relação com o solo, e por outro, respondendo á necessidade de contrariar o efeito que a inclinação da Avenida levantava, um problema de escada. Segundo o projecto, o edifício dispunha de um bar, uma sala para visitas, uma sala de jantar e duas copas no rés-do-chão. Nos pisos superiores, havia 14 quartos por piso, com corredores de circulação longitudinal abertos para a fachada principal e para a fachada tardoz, sendo que nos pisos inferiores, contava com a área de serviço, destinadas a apoiar todo o hotel.[15]

Cinema Império editar

Edifícios de habitação e/ou escritórios editar

Portugal dos Pequenitos editar

Coliseu do Porto editar

Grande Hotel do Luso editar

Junta Nacional do Vinho editar

Referências

  1. Tostões, Ana – Sob o signo do inquérito. In: A.A.V.V. – Inquérito à Arquitetura do Século XX em Portugal. Lisboa: Ordem dos Arquitetos, 2006, p. 23. ISBN 972-8897-14-6
  2. A.A.V.V. – Cassiano Branco, uma obra para o futuro.De regresso a Lisboa Lisboa: Edições Asa, 1991, p. 14-16.
  3. Bártolo, José – Cassiano Branco. Vila do Conde: Quidnovi, 2011, p. 12. ISBN 978-989-554-893-4
  4. a b c A.A.V.V. – Cassiano Branco, uma obra para o futuro. Lisboa: Edições Asa, 1991
  5. Bártolo, José – Cassiano Branco. Vila do Conde: Quidnovi, 2011, p. 12.
  6. Gomes, Paulo Varela – O fazedor de cidade. In: A.A.V.V. – Cassiano Branco, uma obra para o futuro. Lisboa: Edições Asa, 1991, p. 110
  7. a b Bártolo, José – Cassiano Branco. Vila do Conde: Quidnovi, 2011, p. 20, 21.
  8. Fernandes, José Manuel – Português Suave: Arquiteturas do Estado Novo. Lisboa: IPPAR, Departamento de Estudos, 2003. ISBN 972-8736-26-6
  9. França, Jose Augusto, José Augusto – A arte em Portugal no século XX [1974]. Lisboa: Livraria Bertrand, 1991, p. 234
  10. «Projecta com Cassiano Branco». PAPELDEPAREDE objectourbanoemespaçorural. 16 de maio de 2014. Consultado em 10 de junho de 2015 
  11. Bártolo, José – Cassiano Branco. Vila do Conde: Quidnovi, 2011, p. 92.
  12. Mata, E. P. (2011). Equipamientos II. In D.C. Ocio, Resito Docomo ibérico. [S.l.]: Fundacion Caja de Arquitetos. 303 páginas 
  13. Filipe Diniz. «O CT Vitória no Lisboa Open House». Avante. Consultado em 9 de julho de 2015 
  14. a b Urss, D. d. (1981). Hotel Vitória. [S.l.]: Jornal Arquitetos 
  15. Urss, D. d. (1981). Hotel Vitória. [S.l.]: Jornal Arquitetos. 24 páginas 

Ligações externas editar

 
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