Contragolpe na Líbia em 1969

O contragolpe na Líbia em 1969 foi uma tentativa fracassada de contragolpe[1] liderada pelos ministros da Defesa e Interior da Líbia em dezembro de 1969, em resposta aos rumos da Revolução de 1 de Setembro. Ocorrida três meses após assumir o poder, essa foi a primeira de muitas tentativas de golpes de Estado enfrentadas pelo coronel Muammar Gaddafi durante seu longo governo.[2]

Contragolpe na Líbia em 1969
Guerra Fria Árabe

Mapa das províncias tradicionais líbias. Em verde escuro, Cirenaica, leste da Líbia e lugar da rebelião.
Data 7 de dezembro de 1969
Local Cirenaica, Líbia
Desfecho Golpe de Estado abortado
Beligerantes
Líbia Conselho do Comando Revolucionário Líbio
Apoiados por:
 Egito
Líbia Dissidentes das Forças Armadas Líbias
Comandantes
Líbia Muammar Gaddafi
(Presidente da Líbia)
Líbia Adam al-Hawaz
(Ministro da Defesa)
Líbia Moussa Ahmed
(Ministro do Interior)

Antecedentes editar

 Ver artigo principal: Revolução de 1 de Setembro
 
Coronel Muammar Gaddafi, retratado logo após sua tomada do poder, 1970.

Em 1 de setembro de 1969, um grupo de oficiais líbios ("Oficiais Unionistas Livres") sob a liderança do coronel Muammar Gaddafi derrubaram o Rei Idris I da Líbia em um golpe de Estado.[2] Após o golpe, a monarquia líbia foi abolida e se proclamou a República Árabe Líbia.[3] Os oficiais revolucionários instituíram o Conselho do Comando Revolucionário (CCR), órgão governamental baseado no princípio da liderança coletiva – ou seja, um governo que não se baseava na liderança individual, mas sim na tomada de decisões colegiais. No entanto, devido a sua personalidade carismática e estilo politico intenso, unindo com a lealdade de seus colegas do CCR, o coronel Gaddafi tornou-se o líder de facto do novo regime.[4] Além do CCR, havia um órgão de governo presidido pelo primeiro-ministro Mahmud Sulayman al-Maghribi – um Conselho de Ministros composto por 8 membros e representado por dois militares – Adam al-Hawaz e Moussa Ahmed – os respectivos ministros da Defesa e Interior. Nenhum desses oficiais eram membros do CCR.[5]

Apesar da participação de ambos militares no golpe revolucionário de setembro, os dois oficiais caíram em desacordo com o novo governo. Descontentes com a política centralista do coronel Gaddafi de afastar seus colegas do poder político e concentrá-lo em suas mãos, os ministros al-Hawaz e Moussa Ahmed concebem uma conspiração golpista.[6][7]

Contragolpe editar

A tentativa de golpe de Estado ocorreu em 7 de dezembro, com os rebeldes tentando tomar o controle de posições importantes do leste da Líbia. No mesmo dia, entretanto, o governo capturou os dois líderes do golpe e abortou a trama golpista.[2][6][7] O Governo Nasser demonstrou apoio ao governo líbio e o golpe foi presumidamente abortado com a ajuda das forças de segurança do Egito.[8][9] Um dos líderes golpistas, al-Hawaz, foi impedido de cometer suicídio pelas autoridades líbias.[10][11] A conspiração golpista foi revelada publicamente em 10 dezembro e o governo soltou uma série de declarações.[9][8]

A rádio líbia alegou que os supostos envolvidos na conspiração abortada eram "oportunistas que atuam em prol do imperialismo"[10] e que tentaram "roubar a revolução".[9] Em uma entrevista, o coronel Gaddafi asegurou que tanto al-Hawaz quanto Moussa Ahmed já estavam presos, com mais detenções entre oficiais de alta patente que o CCR havia mantido confiança, mas que continuaram a não respeitar os Oficiais Livres de baixa patente.[10] Cerca de 30 oficiais, mais os ministros da Defesa e Interior, foram detidos na Líbia em dezembro de 1969.[12]

O incidente militar coincidiu com as negociações líbias sobre a retirada das bases militares britânicas, o que fez Gaddafi alertar sobre os supostos laços dos golpistas com interesses estrangeiros e o possível envolvimento do Reino Unido e os Estados Unidos na tentativa de golpe.[9][10] Apesar das suspeitas da Líbia, os Estados Unidos negaram qualquer envolvimento no contragolpe.[13]

Consequências editar

Em 11 de dezembro, o regime líbio publicou uma declaração constitucional designando o Conselho de Comando Revolucionário da Líbia como a autoridade máxima da república.[8][9] Após a crise golpista, um novo gabinete foi formado – a primeira mudança de governo desde a revolução. Neste segundo gabinete, o coronel Gaddafi continuou sendo presidente do CCR, mas assumiu os cargos de primeiro-ministro e comandante supremo das forças armadas. O major Abdessalam Jalloud, considerado o número 2 no comando do CCR, foi designado ministro do Interior e vice-primeiro-ministro de Gaddafi.[4][3] O capitão Abu-Bakr Yunis Jabr foi nomeado ministro da Defesa.

Apesar de protestos de setores de Cirenaica – a província natal da maioria dos réus – os ministros Adam al-Hawaz e Moussa Ahmed, junto com outros 30 suspeitos, foram levados a julgamento em uma sessão presidida pelo major Mohammed Najm.[14] O ex-ministro da Defesa, al-Hawaz, permaneceu preso até 1984; sua família foi informada da sua morte em 1988.[15] Já o ex-ministro do Interior, Moussa Ahmed, permaneceu preso durante quase 20 anos – sendo libertado pelo regime líbio apenas em 1988.[12]

Referências

  1. Africa, Problems & Prospects: A Bibliographic Survey. [S.l.]: U.S. Department of the Army. 1977. p. 150 
  2. a b c «Golpes na Líbia... a história de meio século de luta pelo poder». Maghrebvoices (em árabe). Consultado em 20 de maio de 2024. Cópia arquivada em 12 de maio de 2024 
  3. a b «18 fatos sobre a República Árabe Líbia». Afrigatenews.net (em árabe). Consultado em 20 de maio de 2024. Cópia arquivada em 14 de maio de 2024 
  4. a b «Libya - Qadhafi» (em inglês). Library of Congress Country Studies. Consultado em 20 de maio de 2024. Arquivado do original em 30 de maio de 2023 
  5. Oyeniyi, Bukola A. (2019). The History of Libya. ABC-CLIO. p. 114.
  6. a b «Os golpes fracassados mais famosos do Mundo Árabe». Saná, Iêmen: Universidade Rainha Arwa (em árabe). Consultado em 20 de maio de 2024. Cópia arquivada em 12 de maio de 2024 
  7. a b «História dos golpes de Estado na Líbia: Nenhum teve sucesso, exceto o de Gaddafi». Haberler (em árabe). Consultado em 20 de maio de 2024. Cópia arquivada em 12 de maio de 2024 
  8. a b c Deeb, Mary-Jane (2019). Libya's Foreign Policy In North Africa, Cap. 3. Taylor & Francis.
  9. a b c d e Wright, John (1982). Libya: a Modern History. Johns Hopkins University Press. pp. 137–138.
  10. a b c d «Telegram 3684 From the Embassy in Libya to the Department of State». Office of the Historian (em inglês). Departamento de Estado dos Estados Unidos 
  11. «Militar golpista da Líbia tenta suicídio». Jornal do Brasil. 12 de dezembro de 1969 
  12. a b Bou Nassif, Hicham (2020). Endgames: Military Response to Protest in Arab Autocracies. New York, NY 10006, USA: Cambridge University Press. p. 237.
  13. «Arquivos de 2001-2009». Office of the Historian (em inglês). Departamento de Estado dos Estados Unidos 
  14. «New Libyan Regime's Goals Still Unclear». The New York Times (em inglês). 11 de abril de 1970 
  15. «Human Rights Solidarity: Libya (2010)» (PDF). Escritório do Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (em inglês). Cópia arquivada (PDF) em 20 de maio de 2024