Desde a primeira definição cunhada em 1941 pelo dicionário especializado norte-americano Dorland’s Ilustrated Medical Dictionary, definindo-o como “o emprego de livros e a leitura deles no tratamento de doença nervosa”, que o termo biblioterapia vem tomando novas projeções.

Como bem referencia o dicionário, em princípio era utilizada como uma ação em caráter corretivo, em casas de saúde, para a cura e tratamento de indivíduos com distúrbios emocionais. No entanto, esta visão se modificou, e hoje esta atividade vislumbrou um novo olhar.

A biblioterapia (re) surge trazendo uma mudança na concepção dos aplicadores, assumindo também, um caráter preventivo para possibilitar o desenvolvimento pessoal em diferentes faixas etárias (crianças, adultos e idosos), geralmente aplicada em escolas, bibliotecas, hospitais, presídios, orfanatos, e etc.

A biblioterapia não é uma atividade nova, esta remonta aos nossos antepassados. Aristóteles (1986) enaltece a representação artística da tragédia clássica grega capaz de transformar o terror e a piedade em uma alegria estética, produzindo, dessa forma, a purificação da alma ao atingir a catarse. Assim, a função catártica, pode ser compreendida como a expurgação dos sentimentos e das emoções que atormentam a alma por meio da representação artística, ademais “il soit possible de remplacer la scène théâtrale par la scène littèraine” (Ouaknin, 1994, p. 19)

De acordo com a etimologia da palavra biblioterapia significa terapia por meio de livros. Assim, admite-se que há alívio, cura e tratamento por meio da palavra escrita dos textos literários.

A biblioterapia constitui-se de uma atividade de leitura pertencente a uma das vertentes do trabalho do bibliotecário. Atualmente temos como certo que este acontecimento se deu por volta de 1904 quando a biblioterapia entra no rol das disciplinas do curso de Biblioteconomia, constituindo como prática empírica em bibliotecas públicas e hospitalares (Pinto, 2005). Desse modo, o campo de pesquisa no Brasil certifica-se que o bibliotecário é o profissional que mais contribui para o desenvolvimento desta área.

Para algumas pesquisadoras (Caldin, 2009; Kramer & Smith, 1998; McMillen, 2014) a biblioterapia é constituída por dois aspetos distintos: uma aplicada por bibliotecários denominada biblioterapia de desenvolvimento, constituindo-se de um apoio literário individual ou em grupo para possibilitar o desenvolvimento normal e progressivo do indivíduo (Catalano, 2008). Possui um caráter preventivo, catártico, purificatório e, portanto, curativo. A sua aplicação não tem fronteiras, podendo ser destinado a diferentes públicos, em diferentes contextos e espaços.

Já a outra vertente, é desenvolvida por psicólogos, denominada biblioterapia clínica, destinada as pessoas com problemas de comportamento (Högdahl, Birgegard & Björck, 2013). Possui um caráter corretivo e patológico, e é, geralmente, aplicado em clínicas e instituições de saúde.

Com efeito, por estar inserida em diversos campos, o termo biblioterapia, refere-se a um conceito múltiplo, com um amplo espectro semântico. Neste contexto, ressalta-se as definições da pesquisadora e doutora em psicologia Geraldina Porto Witter (2004, p.181) para distingui-las:

A biblioterapia de desenvolvimento, por meio de um trabalho sistemático de leituras, tem por objetivo promover o desenvolvimento do ser em aspectos os mais variados que vão do conhecimento de si mesmo ao desenvolvimento de competências e habilidades específicas, tais como: cidadania, cognição, memória, afetividade, etc. Tem também caráter preventivo. A biblioterapia clínica, também chamada patológica, tem por meta usar técnicas associadas à leitura para resolver problemas biopsicossociais.

Para Karen Davis e Timothy Wilson (1992, p.2) a biblioterapia é definida como um “is the process of growing toward emotional good health through the medium of literature”.

Clarice Caldin (2001.p.36), pesquisadora e doutora do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, acrescenta a estas definições uma outra particularidade significativa no caso da biblioterapia: trata-se de uma visão ampla e renovadora voltada para as funções do bibliotecário como mediador socioeducativo da leitura para a prevenção de males e desenvolvimento pessoal do ser, como sendo uma "[…] leitura dirigida e discussão em grupo, que favorece a interação entre pessoas, levando-as a expressarem seus sentimentos: os receios, as angústias e os anseios. Dessa forma, o homem não está mais solitário para resolver seus problemas, ele os partilha com seus semelhantes, em uma troca de experiências e valores".

Desse modo, a acepção de biblioterapia que outrora se caracterizava restritamente ao âmbito hospitalar começa a ganhar destaque, no Brasil, a partir dos trabalhos desenvolvidos por esta pesquisadora. Em razão disso, no campo investigativo, a biblioterapia a partir da década de 2000, ultrapassou os tradicionais limites da investigação confinada aos campos médicos para ser compreendida, também, como uma área de função social e educativa. Permitindo a expansão de seus serviços nos mais variados ambientes: bibliotecas, escolas, empresas, presídios, lar de idosos, centro comunitários, etc (Fonseca, 2014,2016).


Referências

Aristóteles (1986). Poética. Lisboa: Imp. Nac. Casa da Moeda, 316.

Caldin, Clarice Fortkamp (2001). A leitura como função terapêutica: biblioterapia. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, nº 12, dez. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/view/1518-2924.2001v6n12p32/5200r> Acesso em: 10 jan. de 2020.

Caldin, Clarice Fortkamp (2009). Leitura e terapia. Tese de Doutorado em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 216 f. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/92575>. Acesso em: 14 abr. de 2020.

Catalano, Amy (2008). Making a place for bibliotherapy on the shelves of a curriculum materials center: The case for helping pre-service teachers use developmental bibliotherapy in the classroom. Education Libraries: Childrens Resources, v. 31, nº 1. Disponível em: https://educationlibraries.mcgill.ca/article/viewFile/258/258 Acesso em: 16 de abr. de 2020.

Davis, Karen; Wilson, Timothy. L.Y. (1992). Bibliotherapy and children's award-winning books. - Education Resources Information Center - ERIC. Disponível em: https://eric.ed.gov/?id=ED354470. Acesso em: 12 de abr. de 2020.

Fonseca, Karla Haydê Oliveira da (2014). A leitura dos clássicos, uma possibilidade terapêutica: por um viver melhor. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, v. 19, nº 1, p. 6-12, jan./jun.. Disponível em: <https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/841> Acesso em: 20 fev. de 2020.

Fonseca, Karla Haydê Oliveira da; Azevedo, Fernando (2016). Biblioterapia: relato de uma experiência no lar de idosos em Braga – Portugal. Revista ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, Florianópolis, v. 21, nº 2, p. 381-389, abr./ jul., 2016. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1166. Acesso em: 07 de abr. de 2020

Högdahl, Louise; Birgegard, Andreas; Björck, Caroline (2013). How effective is bibliotherapy-based self-help cognitive behavioral therapy with Internet support in clinical settings? Results from a pilot study. Eat Weight Disord, v. 18, pp. 37- 44. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23757249/. Acesso em: 14 de maio. de 2020.

Kramer; Pamela A; Smith, Gail G. (1998). Easing the Pain of Divorce Through Children's Literature. Early Childhood Education Journal, v. 26, nº 2, pp. 89-94 Disponível em:https://link.springer.com/article/10.1023/A:1022951212798. Acesso em: 14 de maio. de 2020.

McMillen, Paula (2014). A Therapeutic Collaboration: The Bibliotherapy Education Project at Oregon State University. OLA Quarterly, v.12, nº 2, 14-15. Disponível em https://digitalscholarship.unlv.edu/lib_articles/370/. Acesso em: 12 de maio. de 2020.

Ouaknin, Marc-Alain (1994). Bibliothérapie: lire, c’est guérir. Paris: Éditions du Seuil.

Pinto, Virgínia Bentes (2005). A biblioterapia como campo de atuação para o bibliotecário. Transinformação, Campinas, v. 17, nº 1, p. 31-43, jan./abr. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-37862005000100003&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 11 de maio de 2020.

Witter, Geraldina Porto (2004). Biblioterapia: desenvolvimento e clínica. In: Leitura e psicologia. Campinas: Alínea.