Campanha gráfica e editorial da Revolução de 1932

A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um importante marco para a história do Brasil no século XX, tanto do ponto de vista dos desdobramentos políticos, econômicos e sociais, quanto do ponto de vista de sua relevância historiográfica se pensarmos em sua fartura de registros imagéticos, movimento relevante para a história do design gráfico no Brasil.

Cartaz representando bandeirante num dramático instante congelando, evocando a resistência e a causa paulista.

Através de todo esse testemunho visual (alinhado também a toda outra forma de registro), podemos, hoje, remontar com riqueza polissêmica o cenário do projeto político da Revolução de 32 e compreender e questionar com maior profundidade os impactos de uma campanha político-imagética na construção de um imaginário histórico e nacional[1].

Nesse sentido, o movimento paulista foi profundamente movido pela propaganda, que tratou de manter alinhados diversos setores sociais sob uma ideia de causa e missão comum, interessante política e economicamente, a princípio, apenas a uma parcela muito determinada da população paulista (elites cafeeiras e alguns setores da classe média)[2]. Esta população geral, por sua vez, foi essencial para o andamento da pretendida Revolução, desde alistamentos, a doações de fundos, aos esforços da indústria paulista para produção de equipamento e inovações de guerra. A circulação de cartazes, emblemas, cartões postais, hinos, fotografias, revistas, paradas infantis, narrativas de rádio e jornal, etc, mantinha a população permanentemente mobilizada com o projeto político da elite paulista.

Contexto histórico editar

Logo antes do ano que deu início a Revolução de 32, o Brasil se encontrava em crise econômica, devido a derrubada dos preços do maior produto de exportação do país, o café, pela Grande Depressão. Querendo mudanças políticas e econômicas, foi eleito o paulista Júlio Prestes nas eleições do ano de 1930 contra Getúlio Vargas. No entanto, Prestes nunca chegou a assumir o cargo, pois em união a comandantes militares do Rio de Janeiro, o presidente vigente Washington Luís foi deposto e o poder entregue nas mãos de Getúlio Vargas. Com isso, chegou ao fim a hegemonia política dividida entre São Paulo e Minas Gerais, e foi instalada uma ditadura no país. Foram nomeados interventores para os governos de todos os estados, e foram nomeados para São Paulo apenas figuras que o povo paulista desgostava, por inúmeros motivos.

O clima se tornava insustentável politicamente, com interventores tendo interferência em suas administrações pela ditadura de Vargas, enormes comícios anti-governo ocorrendo e insatisfação geral dos paulistas. Em um desses comícios, 5 jovens foram assassinados pelo Partido Popular Paulista, uma organização pró Vargas. Esse foi um dos estopins para o planejamento da revolta armada e para a criação de grupos revolucionários como o M.M.D.C.. Nesse clima, a revolução finalmente iniciou, com a tomada de quartéis, estações ferroviárias, prédios públicos, além de iniciar a propaganda política através de programas de rádio, cartazes e editoriais.

A propaganda da revolução editar

O Separatista editar

Na véspera do início da Revolução de 1932, o jornal O Separatista[3] foi lançado. Criado por Rubens Borba de Morais, em união com Alfredo Ellis Júnior e Agenor Machado, suas edições foram todas impressas clandestinamente na gráfica Tipografia Ferraz e entregue a população por estudantes envolvidos na produção do jornal. Com 3 edições, seu discurso se concentrou em, como o próprio nome já diz, discutir e incentivar a separação do estado de São Paulo do resto do país.

Sua primeira edição promovia o separatismo sem pudor, com o discurso que São Paulo seria a maior potência do Brasil, estava sendo atrasada pelos problemas do país e que não existia nenhuma vantagem para que o estado ainda fosse parte integrante da nação. O discurso polêmico do jornal se intensificou em sua segunda edição, com menos pudor ainda, através de um discurso declaradamente anti-nordestino e anti-nortista, fazendo com que essa edição tivesse grande circulação por São Paulo e se tornasse um sucesso. Na terceira e última edição, as críticas continuaram as mesmas, porém com uma linguagem menos agressiva e direta. Em junho de 1932, logo antes da revolução de 32 estourar, o jornal saiu de circulação.

O Jornal da Trincheira editar

Alguns projetos editoriais produzidos durante a Revolução foram voltados para os soldados em campo de batalha, como o Jornal da Trincheira. Lançado pela Liga de Defesa Paulista e editado nas oficinas do Estado de S. Paulo, o intuito do periódico era esclarecer ao combatente as motivações paulistas em relação a suas demandas constitucionalistas[4].

A manobra argumentativa do M.M.D.C. residia no sentido de uma missão de “libertação nacional e restauração da lei” e do direito constitucional[5], opondo-se às novas e disruptivas mudanças políticas trazidas pela instalação do Governo Provisório (que desbalanceavam o anterior equilíbrio econômico oligárquico do café com leite em prejuízo da elite cafeeira paulista).

O Jornal das Trincheiras projetava sobre o cidadão a responsabilidade dessa luta, e projetava seus valores “civilizatórios” e políticos sobre o resto do Brasil. Para o Jornal das Trincheiras, portanto, a Revolução de 1932, não era um movimento regionalista, ou mesmo separatista, mas sim nacionalista, mirando num Brasil comum para todos os brasileiros, livre, gozando de liberdade [sic].

Entretanto, ao longo de suas 13 edições[6][7], o Jornal, em detrimento das iniciais motivações constitucionalistas, vai dando mais espaço para o apelo ao ideal de paulistanidade, muito marcado pelo etnocentrismo e xenofobia.

 
Manchete de "A Gazeta" em 24/05/32, destacando a abrangência e aderência pública ao movimento, engrandecendo-o enquanto momento histórico.

A imagem da revolução editar

A fim de divulgar seu projeto, suas ações e reunir esforços, voluntários e apoio entre a população geral, o grupo M.M.D.C. articulou, através do Departamento de Propaganda Cívica, uma ampla campanha propagandística multimídia que, em parceria com grandes plataformas de informação como o Estado de S. Paulo[8], e personalidades intelectuais paulistas como Guilherme de Almeida e Alfredo Ellis Jr., moldou todo um imaginário paulista do espírito paulista que até hoje de certas formas perdura.

Fotografia editar

 
Soldados armados dispostos em torno da bandeira do movimento constitucionalista.
 
Voluntário paulista posando com a bandeira em pose heróica.
 
Desfile do Batalhão Esportivo pelas ruas de São Paulo, reforçando a performance do imaginário da guerra.

A imagem fotográfica, muito potente em comunicar o “real”, o “verossímil” e assim orientar um imaginário sócio-cultural, foi desde o início utilizada para moldar essa tal percepção do real. A maioria dos clichês do Movimento de 32 registra unicamente os preparativos, deixando de lado a ação. O imaginário da guerra atravessa imagens de uma guerra alienada, sem violência, mortes ou fome. Do contrário, as fotografias focavam em representar um conflito idealizado e limpo, destacando imagens de soldados em poses heróicas e de sorrisos cativantes, nunca em conflito.[9]

“Uma análise superficial e apressada do legado fotográfico da Revolução de 32 nos deixa com a falsa impressão de que tudo não passou de uma alegre gincana política, promovida por animados paulistanos com o fito de obter a Constituição.” (VASQUEZ, 1982: 7)

Contrapondo o imaginário articulado pela liderança do Movimento de 32 com indicativos historiográficos de baixas em conflitos, deserções e desalinhamento políticos da população, por exemplo, observamos evidentes lacunas na narrativa parcial e manipulativa do conflito entre os paulistas e o governo federal.[10]

Cartazes editar

 
Cartaz representando gigante bandeirante subjugando um diminuto Vargas. A relação de tamanhos denota uma indicação de superioridade moral dos revolucionários.
 
Cartaz provoca sentimento de responsabilidade muito pessoal.

O cartaz enquanto veículo de comunicação de fruição pública, no caso deste evento civil-militar, busca especialmente a mobilização política de toda a conjuntura social, cultural, econômica e militar paulista. Assim, sua ênfase estratégica era a retórica da sensibilização e do convencimento através do envolvimento emocional (pathos)[11], abordando certas convenções sócio-culturais e representações de projetos políticos familiares aos paulistas dos anos 30 (havendo também um trabalho com a autoridade do orador, o ethos). O símbolo talvez mais amplamente abordado pelas peças veiculadas foi a figura do “bandeirante”. Num projeto de suscitação do sentimento regionalista paulista, ocorre um resgate dos grandes feitos do passado[12] [sic] (a partir principalmente de um ponto de vista de cultura colonizada e europeizada). O bandeirante, portanto, evocaria os valores do dito espírito paulista, vinculando o mito de um passado desbravador e heróico a um presente de autonomia política.[13]

Outra tendência simbólica muito comum foi o imaginário imperativo bélico, através dos quais os cartazes faziam uso de um discurso verbal de impacto e implicador de culpa e cumplicidade inata a todo paulista. Peças como “VOCÊ tem um dever a cumprir! Consulte o MMDC e sua consciência.” acompanhado de figuras militares uniformizadas, severas, de olhares extremamente penetrantes, e indicador apontado na direção do leitor, evocam um enorme e pessoal sentimento de responsabilidade no leitor do cartaz. O intuito era conceder ao paulista comum a ideia de um papel de importância vital no conflito, que o engajasse ao alistamento e o constrangesse caso não o fizesse.

 
Mapa ilustrativo do conflito entre São Paulo e o governo federal.

Mapa descritivo da Revolução Constitucionalista de 1932 editar

Ilustrado por José Wasth Rodrigues, esse mapa se tornou um dos maiores símbolos e registros gráficos que se tem da Revolução de 1932. Nele, foram ilustradas as frentes de combate das tropas revolucionárias e as rotas utilizadas por eles, podendo ser relacionadas a um contexto gráfico europeu contemporâneo da revolução, em termos de tipografia, grafismos, traço de ilustração, heráldica, etc.

A produção desse mapa se deu através de matrizes de pedra, na gráfica Editora Hamburgo. Após o fim da guerra civil, a gráfica foi revistada pelas forças do governo e foi feito um acordo que resultou na destruição das matrizes de pedra do mapa e de outros exemplares que ainda sobravam do mapa.[14]

 
Cédula emitida devido a escassez monetária durante a revolução de 1932 representando a imagem de um bandeirante no centro.

Outros formatos utilizados editar

Além de cartazes, que representavam mensagens mais pontuais no projeto de comunicação da elite separatista paulista, o repertório visual do “espírito paulista” estava por todo lado permeado por uma diversidade de outros artefatos. Dentre estes foram confeccionados selos, postais, flâmulas, bandeiras, braçadeiras, medalhas, notas, moedas e a indumentária de guerra, por exemplo, todas compondo com o imaginário projetado pelos demais esforços gráficos[14]. O uso das cores regionais de São Paulo, de seus brasões, de efígies militares com capacetes de aço olhando para o futuro, de frases de efeito, entre outros elementos, corroboraram para o tecimento teatral de uma espécie de espírito nacionalista da região.

Referências

  1. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/imagens/CatalogoRevolucao32.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  2. 19&20 - A propaganda política de 1932, hoje, por André Toral. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/1932_propaganda.htm>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  3. DO BRASIL, C.-C. DE P. E. D. H. C. SEPARATISTA, O. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/separatista-o>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  4. DO BRASIL, C.-C. DE P. E. D. H. C. JORNAL DAS TRINCHEIRAS. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/jornal-das-trincheiras>. Acesso em: 4 abr. 2022b.
  5. Jornal das Trincheiras : órgão da Revolução Constitucionalista. N.1. 1932. Categorias
  6. Jornal das Trincheiras : órgão da Revolução Constitucionalista. N.13. 1932.
  7. Rodrigues, João Paulo (junho de 2011). «Tradição e retórica imagética: a construção da propaganda visual oposicionista no levante de 1932 em São Paulo». SciELO. Consultado em 3 de abril de 2022 
  8. RODRIGUES, J. P. Tradição e retórica imagética: a construção da propaganda visual oposicionista no levante de 1932 em São Paulo. História (São Paulo), v. 30, n. 1, p. 372–395, 2011.
  9. Vasquez, Pedro (1982). Revolução de 32, Fotografia e Política (PDF). Rio de Janeiro: Funarte. pp. 4–8 
  10. Toral, André (2016). «A propaganda política de 1932, hoje.». 19&20. Consultado em 4 de abril de 2022 
  11. EMANUEL, B. Retórica na interação. Rio de Janeiro, 2017.
  12. JÚNIOR, O.; DE, A. R. Convencimento e emoção: a força da imagem-propaganda no movimento constitucionalista de 1932 1. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/9o-encontro-2013/artigos/gt-historia-da-midia-audiovisual-e-visual/convencimento-e-emocao-a-forca-da-imagem-propaganda-no-movimento-constitucionalista-de-1932>. Acesso em: 4 abr. 2022.
  13. Leitão, Raphael. «1932: A MOBILIZAÇÃO DE ÂNIMOS QUE CONDUZIU SÃO PAULO PARA A GUERRA CIVIL» (PDF). Consultado em 3 de abril de 2022 
  14. a b Disponível em: <https://www.casaguilhermedealmeida.org.br/museu/revolucao-de-32-alem-das-armas.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2022b.
  Este artigo sobre design é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.