Nota: Para o filme baseado no livro, veja Cascalho (filme).

Cascalho é o título do livro de estreia do escritor brasileiro Herberto Sales, um romance ambientado na Chapada Diamantina e publicado originalmente em 1944, considerado um expoente do regionalismo.

Cascalho
Cascalho (livro)
Capa da 1ª edição
Autor(es) Herberto Sales
Idioma (em português brasileiro)
País  Brasil
Assunto Garimpo, luta de classes
Gênero romance regionalista
Linha temporal Fim do séc. XIX, começo do XX
Localização espacial Chapada Diamantina
Editora O Cruzeiro
Lançamento 1944
Cronologia
Além dos Marimbus

Coloca-se ao lado das obras nordestinas de autores como José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e Rachel de Queiroz mas, ao contrário destes em que o ambiente é o engenho, a seca ou o litoral, ali o autor registra o universo da Chapada Diamantina e sua cidade natal Andaraí, retratando a corrida pela fortuna no garimpo do diamante e carbonado, que eram "encontrados até nas moelas das galinhas", sendo um precursor de Guimarães Rosa.[1]

Nas duas edições seguintes, 1951 e 1955, o autor procedeu a algumas modificações: na primeira alterando questões de estilo, e a segunda é a versão definitiva que segue sendo publicada até o presente.[2]

Histórico editar

A obra foi publicada quando o escritor contava apenas vinte e sete anos de idade e este, segundo registrou Carlos Heitor Cony, já havia desistido da carreira literária. Segundo o memorialista, Sales morava ainda em sua cidade natal e enviara as seiscentas e cinquenta páginas originais para um concurso no Rio de Janeiro promovido pela "Revista do Brasil", onde era secretário o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira que procurava expressões regionais para o seu dicionário.[1]

Como aqueles originais seriam descartados pela organização do concurso ainda em 1942, Aurélio guardou para si esta cópia. Sales, em Andaraí, desistira da carreira literária e, acreditando possuir a única cópia remanescente do romance, o destrói e comunica o fato ao escritor Marques Rebelo. Aurélio, que era vizinho deste, numa conversa menciona o desconhecido autor e sua obra a Rebelo que, então, comunica que com ele se correspondia e relata a decisão do escritor, até então inédito, de destruí-la. No relato de Cony: "Juntara gravetos no quintal da casa de sua família, rasgara em quatro partes as 650 páginas da cópia que lhe restara. Queimara tudo (...) Quando Herberto escreveu a Rebelo, comunicando-lhe que queimara a cópia única do livro, foi surpreendido com a revelação de que o original continuava com Aurélio. Não foi difícil encontrar uma brecha no mercado editorial da época."[1][2]

Sendo a história ambientada no local em que nascera, a repercussão na cidade não foi positiva e Sales foi ameaçado de morte pelos poderosos locais que se sentiram ridicularizados pela forma como teriam sido retratados na obra de forma que, por instâncias do amigo e da mãe, com a ajuda de Rebelo em cuja casa se hospeda, o autor refugia-se no Rio de Janeiro e começa a trabalhar para o O Cruzeiro.[3]

Análise editar

Everaldo Augusto assim se manifesta sobre o livro: "A narrativa de Herberto Sales em Cascalho vai às origens da civilização do garimpo para buscar ali as explicações relacionadas ao lugar ocupado pelos personagens. Estas idas e vindas da narrativa à fonte da história passam pela descrição sociogeográfica da região do garimpo, passam pela interação da história local com os acontecimentos do país. Através desta historicidade da obra, o autor vai montando uma biografia da civilização do garimpo através do texto literário."[2]

Para Fernando Milliet, "Há em Cascalho, além do valor literário, uma importante contribuição ao estudo do vocabulário e da sintaxe de toda uma região. Do ponto de vista do estilo e da língua será talvez, esse, o melhor e mais sedutor aspecto do romance."[2] Ruy Espinheira, no posfácio da terceira edição, informa que a obra causara impacto não somente no Brasil, mas "logo surgindo traduções para diversos países, dentre os quais a Tchecoslováquia, Romênia, Itália, Polônia, Argentina, Rússia, China, Coreia e Japão, além de edições em Portugal". Ele cita a análise feita por Wilson Martins, para quem a obra era uma "admirável interpretação romanesca de uma cruel realidade."[4]

Cascalho é considerada a última obra expoente da chamada "geração de 30" de autores regionalistas.[3]

Excerto editar

"Sente-se apanhado irrevogavelmente na armadilha: ia morrer como um bicho - sem vela nem sentinela - e esse pormenor lhe causava uma espécie de decepção. Por mal dos pecados, sua candeia apagara-se: mais pelo instinto que por outra coisa, avançava através da escuridão do lapeiro. Evidentemente, os outros gruneiros tinham fugido com muita rapidez ao ser dado o alarma, pois, do contrário, também estariam lutando ali para não morrer: isso lhe parecia de certo modo injusto. Enterra os pés na areia, para dar impulso ao corpo. Tem vontade de gritar, mas não o faz, por considerar essa ideia totalmente inútil: no bojo da gruna outra coisa não se ouve que não seja o rumor da água."

Referências

  1. a b c Carlos Heitor Cony (28 de outubro de 2005). «Revisitando a obra de Herberto Sales». Folha de S. Paulo. Consultado em 5 de abril de 2023. Cópia arquivada em 24 de janeiro de 2023 
  2. a b c d Antônio Marcos de Almeida Ribeiro (2021). «O léxico dos garimpeiros da Chapada Diamantina na obra 'Cascalho' de Herberto Sales». Revista Garimpus, 23 (Uneb). Consultado em 24 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 24 de janeiro de 2023 )
  3. a b Fernanda Pereira Soares (2013). «Autoritarismo, Tecnocracia e Natureza: representações da pátria brasileira em O Fruto do Vosso Ventre, de Herberto Sales (1976)» (PDF). PUC Porto Alegre. Consultado em 24 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 24 de janeiro de 2023 
  4. PÓLVORA, Hélio; ESPINHEIRA, Ruy Santos; COSTA, Aramis Ribeiro; José Ricardo Santos (coord.) (2017). Dhan Ribeiro, ed. Herberto Sales: a saga de um bamburrar literário. Simões Filho: Kalango. pp. 195 pág. ISBN 9788589526913 

Ver também editar