Controvérsia Jair Bolsonaro–Maria do Rosário

controvérsia envolvendo políticos brasileiros

Em três ocasiões, o então deputado federal Jair Bolsonaro disse que "não estupraria" a deputada federal Maria do Rosário "porque não merece". A frase foi dita pela primeira vez em 2003, no Salão Verde do Câmara dos Deputados do Brasil, pela segunda vez em 2014, em discurso no Plenário da Câmara, e pela terceira vez um dia depois, em entrevista ao jornal Zero Hora.[1]

Jair Bolsonaro discutindo com a deputada Maria do Rosário no plenário da Câmara dos Deputados, em 2016

Caso de 2003 editar

Em 11 de novembro de 2003, o então deputado federal Jair Bolsonaro estava sendo entrevistado pela RedeTV! no Salão Verde da Câmara dos Deputados, enquanto a também deputada federal Maria do Rosário aguardava.[2] O assunto era o Caso Liana Friedenbach e Felipe Caffé, ocorrido no início do mês, que havia causado grande comoção no país, cometido por um grupo liderado por um menor de idade.[3] Enquanto Bolsonaro era a favor da redução da maioridade penal no Brasil, Rosário tinha opinião contrária.[2][3] Em dado momento, os dois parlamentares iniciaram uma discussão.[2][3]

— O senhor é que promove essas violências. Promove, sim. (Rosário)

— Grava isso aí, grava isso aí, me chamando de estuprador. (Bolsonaro)

— É, sim, é. (Rosário)

— Jamais estupraria você por que você não merece. (Bolsonaro)

— É bom que não, por que senão eu lhe dou uma bofetada... (Rosário)

— Dá que eu te dou outra. Dá que eu te dou outra.[4] Você me chamou de estuprador. Você não tem moral. Vagabunda, tá? Vagabunda, ok? (Bolsonaro, empurrando Rosário)

— O senhor está me empurrando? Mas o que é isso? O que é isso?[4] (Rosário, chorando)

— Vai chorar, agora? Desequilibrada… E ainda bem que a câmera filmou tudo. (Bolsonaro)[3]

As imagens foram gravadas pela RedeTV! e divulgadas.[4] As senadoras Ana Júlia Carepa, Patrícia Saboya, Fátima Cleide e Ideli Salvatti protocolaram voto de repúdio a Bolsonaro pela agressão, enviando também mensagem de solidariedade a Rosário. As senadoras lamentaram que o episódio havia ocorrido pouco tempo antes do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, no dia 25 de novembro, onde ocorreria sessão solene no Senado Federal.[5] A liderança do Partido dos Trabalhadores na Câmara encaminhu à Mesa Diretora uma representação contra Bolsonaro pedindo apuração dos fatos. O líder do PT Nelson Pelegrino disse que, após isso, Bolsonaro teria que ser submetido ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.[6]

Em 26 de outubro de 2004, foi relatado que Bolsonaro ainda estava sendo investigado pela Corregedoria da Câmara devido ao caso.[7] Enquanto Bolsonaro fazia um discurso no plenário da Câmara em fevereiro de 2005, um grupo de deputadas se posicionou na primeira fila do plenário e ficou de costas para ele, como forma de protesto contra o caso.[8]

Casos de 2014 e processo editar

Em 9 de dezembro de 2014, durante um discurso de Maria do Rosário no plenário da Câmara dos Deputados, em que defendia os integrantes da Comissão Nacional da Verdade, Bolsonaro voltou a atacá-la verbalmente, reiterando que "não a estupraria porque ela não merece" e continuou, pedindo a ela que não saísse do plenário, para ouvir o que ele tinha a dizer.[3][9][10] A briga ocorreu após ela dizer que a ditadura militar foi "vergonha absoluta" para o Brasil.[10] Em um vídeo em sua defesa sobre o caso no mesmo ano, Bolsonaro alegou que sua fala foi "uma resposta reflexa": "Foi uma palavra proferida por mim a ela em cima da acusação de estuprador", afirmou.[11] Em uma entrevista um dia depois, Bolsonaro disse ao jornal Zero Hora: "Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria."[12]

Em virtude das declarações feitas durante as discussões com Maria do Rosário, Bolsonaro foi condenado em primeira instância por danos morais em setembro de 2015.[13] Em junho de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar denúncia da Procuradoria Geral da República e queixa da própria deputada, decidiu abrir duas ações penais contra o deputado Bolsonaro. Em uma decisão por quatro votos contra um, a Segunda Turma do STF entendeu que, além de incitar a prática do estupro, Bolsonaro ofendeu a honra da colega. Como resultado, o deputado tornou-se réu pela prática de apologia ao crime e por injúria. A denúncia contra Bolsonaro por apologia ao crime foi apresentada em dezembro de 2014 por Ela Wiecko (vice-procuradora-geral da República). Foi relatado que, se condenado, ele poderia ser punido com pena de três a seis meses de prisão, mais multa.[14] Em 15 de agosto de 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão da primeira instância e determinou o pagamento de uma indenização de dez mil reais para Maria do Rosário.[15] Em 19 de fevereiro de 2019, o STF negou recurso da defesa de Bolsonaro manteve a decisão das instâncias inferiores.[16] Por fim, em maio, a Justiça determinou que o valor fosse pago em até 15 dias úteis e que Bolsonaro publicasse uma nota de retratação.[17]

Em 13 de junho de 2019, Bolsonaro pediu desculpas, em mensagem publicada no Twitter, à deputada federal Maria do Rosário. Na nota de desculpa, ele afirmou estar à época "no calor do momento" em meio a um embate ideológico sobre direitos humanos com parlamentares e justificou ter falado que ela "não merecia ser estuprada" ao relembrar de quando foi chamado de "estuprador" pela deputada.[18] Ao pedir desculpas pelas declarações feitas contra a deputada Maria do Rosário, Bolsonaro disse querer aproveitar o caso para manifestar o "integral e irrestrito respeito às mulheres" e ressaltou ter defendido penas mais severas para condenados por estupro, como a castração química, e classificar como hediondos os crimes passionais.[18]

Quando assumiu a Presidência, o processo foi suspenso. Com o fim do mandato e do foro privilegiado, o STF determinou que o caso voltasse a tramitar na 1.ª instância da Justiça do DF.[1] Em 10 de julho, o caso onde Bolsonaro era réu por injúria foi para um juizado especial criminal, acolhendo um pedido do Ministério Público do DF.[19] No dia 24, o processo foi arquivado; o juiz Francisco Antonio Alves de Oliveira disse que os os crimes de calúnia e injúria imputados ao ex-presidente prescreveram.[1] Em setembro, tornou-se réu por incitação ao crime de estupro. O processo foi acatado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), e havia sido inicialmente enviado pelo ministro Dias Toffoli em junho do mesmo ano.[20]

Ver também editar

Referências

  1. a b c «Justiça arquiva ação de Maria do Rosário contra Bolsonaro». Poder360. 25 de julho de 2023. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  2. a b c «Bolsonaro xinga deputada na Câmara». Correio Braziliense. 12 de novembro de 2003. p. A-6. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  3. a b c d e «"Sinto uma atitude ameaçadora", diz Maria do Rosário». 17 de janeiro de 2015. Consultado em 4 de agosto de 2016. Arquivado do original em 9 de fevereiro de 2017 
  4. a b c «Agressão documentada». Correio Braziliense. 13 de novembro de 2003. p. A-7. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  5. «Repúdio». Correio Braziliense. 13 de novembro de 2003. p. A-8. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  6. «Mesa vai apurar briga de deputados». Correio Braziliense. 14 de novembro de 2003. p. A-5. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  7. «Indicados nomes para a comissão de sindicância». Correio Braziliense. 26 de outubro de 2004. p. A-8. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  8. «Repúdio feminino». Correio Braziliense. 15 de fevereiro de 2005. p. A-03. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  9. «The danger posed by Jair Bolsonaro». The Economist. 10 de agosto de 2018. Consultado em 12 de agosto de 2018. Cópia arquivada em 12 de agosto de 2018 
  10. a b «Para rebater deputada, Bolsonaro diz que não a 'estupraria'». Folha de S. Paulo. 9 de dezembro de 2014. Consultado em 5 de janeiro de 2015 
  11. Cíntia Alves (16 de dezembro de 2014). Jornal GGN, ed. «Em defesa, Bolsonaro diz que ameaça de estupro à deputada foi "reflexo"». Consultado em 10 de agosto de 2018. Arquivado do original em 29 de junho de 2015 
  12. Foster, Gustavo (10 de dezembro de 2014). «Bolsonaro diz que não teme processos e faz nova ofensa: "Não merece ser estuprada porque é muito feia"». Consultado em 26 de março de 2016. Arquivado do original em 17 de março de 2017 
  13. Bergamo, Mônica (17 de setembro de 2015). «Bolsonaro é condenado por dizer que Maria do Rosário 'não merece' estupro». Folha de S. Paulo. Folha da manhã. Consultado em 17 de setembro de 2015 
  14. «Bolsonaro vira réu por falar que Maria do Rosário não merecia ser estuprada». G1. 21 de junho de 2016. Consultado em 21 de junho de 2016 
  15. Casado, Letícia; Boldrine, Angela (15 de agosto de 2017). «STJ determina que Bolsonaro indenize Maria do Rosário por danos morais». Folha de S. Paulo. Consultado em 15 de agosto de 2017 
  16. UOL, ed. (19 de fevereiro de 2019). «STF nega recurso de Bolsonaro e mantém indenização a Maria do Rosário». Consultado em 3 de julho de 2019 
  17. Mônica Bergamo (23 de maio de 2019). Folha de S.Paulo, ed. «Justiça determina que Bolsonaro indenize Maria do Rosário em 15 dias». Consultado em 3 de julho de 2019 
  18. a b UOL, ed. (13 de junho de 2019). «Bolsonaro pede desculpas a Maria do Rosário por fala sobre estupro». Consultado em 3 de julho de 2019 
  19. «Ação em que Bolsonaro é réu por injúria contra Maria do Rosário vai para juizado especial». CartaCapital. 10 de julho de 2023. Consultado em 1 de dezembro de 2023 
  20. «Bolsonaro vira réu por incitar crime de estupro contra a deputada Maria do Rosário». TV Cultura. Consultado em 1 de dezembro de 2023