Modelo de reação-difusão

O Modelo de Reação-Difusão é um modelo matemático teorético de como são formados e regulados padrões característicos durante o desenvolvimento de embriões animais. É conhecido também como Modelo Turing em referência ao cientista e matemático Alan Turing, que iniciou esta linha de pesquisa com seu último artigo publicado antes de sua morte.

Partes da equação da variação da taxa de alteração da concentração de morfógenos no modelo Síntese-Difusão-Degradação

Modelagem Matemática na Biologia editar

A tentativa de modelar fenômenos biológicos matematicamente vêm da dificuldade de se obter relações intuitivas de causa e consequência originários destes fenômenos, frequentemente mediados por múltiplas vias moleculares redundantes ou auto-regulatórias. Assim, estabeleceram-se duas iniciativas frente aos problemas de modelagem:[1]

  1. Analisar quantitativamente todos os componentes de uma rede molecular e simular em computadores suas interações. Esta prática é útil e efetiva em sistemas menos robustos, como vias simples em células únicas e é utilizado extensamente no campo da biologia de sistemas.
  2. Omitir informações do sistema propositalmente a fim de simplificá-lo em um modelo que consegue gerar previsões efetivas para um fenômeno complexo mesmo sem contar com todas suas partes. Esta estratégia é requerida quando padrões espaçotemporais são envolvidos na equação, tornando previsões computacionais pouco confiáveis.

Utilizando-se desta segunda estratégia, Alan Turing desenvolveu o Modelo de Reação-Difusão, capaz de descrever como padrões espaciais podem desenvolver-se autonomamente em embriões animais.

O Modelo SDD editar

Conceito editar

Análise da formação de padrão de Turing utilizando degradação de moléculas detetoras induzida por gás cuja concentração varia com a concentração de células.

Trabalhando sobre o modelo de Reação-Difusão de Turing, cientistas como Crick e Driever e suas respectivas equipes aprimoraram e formalizaram o modelo entre a década de 70 e a década de 90[2][3]. Recentemente, em 2007, Gregor et. al. aperfeiçoaram o modelo e denominaram-no o Modelo Síntese-Difusão-Degradação (SDD)[4]. Este modelo consta em um sistema de (ao menos) duas substâncias que difundem-se pelo embrião, regulando sua própria produção e interagindo entre si. A inovação de Turing que permitiu a evolução deste modelo foi a concepção de que uma substância não teria efeito morfógeno antes de interagir com outra substância. Esta quebra de paradigma - a introdução da reação entre moléculas difundidas - permitiu que padrões muito mais complexos do que os ditados pela difusão simples de substâncias em diferentes pontos pré-determinados, dependentes portanto de um pré-padrão genético.

 
Soluções para a equação de Reação-Difusão, que converge para um dos seis modelos apresentados.

Em sua publicação original, Turing previu que duas moléculas teoréticas poderiam formar 6 estados estáveis:[5]

  1. O sistema converge para um estado uniforme e estável
  2. Ocorre uma oscilação uniforme da concentração de morfógenos, como se observa em células musculares cardíacas[6] ou no ciclo circadiano[7].
  3. O sistema forma um padrão de "ilhas", como por exemplo quando células diferenciadas inibem suas vizinhas de diferenciar. Isto é observado por exemplo nas células diferenciadas neuroprogenitoras do epitélio de embriões de Drosophila melanogaster.[8]
  4. Um estado ainda não observado em sistemas biológicos no qual um sistema descrito em 3 tem padrão oscilante. Requereria ao menos 3 substâncias morfógenas.[9]
  5. Uma onda de gradiente pulsa pelo embrião, como observado na formação de padrões espirais na ameba social Dictyostelium discoideum em agregação[10] e na onda de cálcio que atravessa o ovo do anuro Xenopus laevis como consequência da entrada de um espermatozóide[11].
  6. Ocorrem padrões estacionários, com comprimento de onda finito. Estes são a grande descoberta de Turing e apropriadamente intitulados de Padrões de Turing. Este padrão de onda não-linear e seu comprimento de onda é regulado por um equilíbrio entre diversas propriedades do sistema, como velocidade de produção das moléculas envolvidas, velocidade de difusão, velocidade de reação e velocidade de degradação destas. A capacidade de auto-regeneração do padrão após distúrbios induzidos em laboratório corroboram a robustez e validade do modelo nas observações.[12][13]

Matematicamente editar

Para um morfógeno qualquer num embrião de eixo de dimensão L, temos que a função de sua concentração é dada por "c(x,t)", a ver:

 

Para a qual:

s(x,t) representa a função de produção de morfógeno;

D é o coeficiente de difusão;

ᐁ é o vetor gradiente;

kdeg é a taxa de degradação.

Costuma-se utilizar condições de contorno de Neumann[14] e, portanto, há ausência de fluxo nos extremos. Assim;  

Em estabilidade, o gradiente C(x) é delimitado por um equilíbrio entre taxas de difusão e de degradação.[15][3] O tempo requerido para se alcançar uma situação de equilíbrio no entanto depende da meia-vida do morfógeno e - se houver - mudanças na taxa de síntese.[16]

Simplificação editar

Podemos simplificar o sistema acima ao assumirmos algumas idealizações, que são aplicáveis apenas a casos específicos:

  1. A síntese ocorre em taxa constante.
  2. A síntese ocorre exclusivamente no ápice anterior do embrião.
  3. A concentração do morfógeno no ápice posterior do embrião é negligenciável.

Deste modo, as duas primeiras condições impõe que   , com "p" sendo uma constante da taxa de produção.

Junto com a condição 3, podemos estabelecer o equilíbrio da concentração do morfógeno, que toma a forma de uma característica função de decaimento exponencial   com comprimento de onda  [15][2].[3][17].

Instabilidade editar

Para entender matematicamente a instabilidade do sistema proposto, podemos utilizar uma versão simples do modelo, conhecida como Modelo de Reação-Difusão tipo Ativador-Inibidor. neste modelo, um Ativador (A) estimula a produção de um Inibidor (I), que bloqueia a síntese de A e decai com o tempo. As concentrações de A e I respeitam às taxas respectivas:

 

 

Estas derivadas parciais provém das equações discretas em um domínio unidimensional para as concentrações de morfógenos quando   e   tendem à zero, de modo que a primeira parte da igualdade - uma derivada temporal de primeira ordem - passa a corresponder à uma derivada espacial de segunda ordem.[18] Nestas equações,  ,  ,   e   são constantes e retratam interações entre o ativador e inibidor.

Generalizando para três dimensões, temos:

 

 

com  ; e   e  .

Como as equações acima lidam com a distribuição espacial de duas variáveis no tempo, a dinâmica do sistema é complexa e requer mais simplificações para um entendimento didático. Podemos aplicar uma transformada de Fourier, separando as equações de onda em seus componentes. Considerando então o número de onda   (frequência angular espacial), temos que:

  e   durante   e que a taxa de mudança de   é proporcional portanto à  , conforme observado nos termos:

  (Reação); e

  (Difusão).

Deste modo, podemos perceber que o número de onda   de um termo não influencia o número de onda do outro, tornando-os números que evoluem de modo independente, o que facilita a análise.

 
Relação entre o Número de onda   e   na Reação-Difusão e influência na formação de padrões.

Fisicamente, a evolução de número de onda é dada por:

 

o que significa que um componente de onda cresce ou decai dependendo do sinal de  . Se  , temos que o componente de onda aumentará exponencialmente com o tempo. Se  , o componente tende a decair de qualquer estado perturbado à um estado inicial de homogeneidade espacial.

No entanto,   é dependente de vários, parâmetros, como  , com o qual forma uma relação conhecida como Relação de Dispersão. Como a Relação de Dispersão descreve uma forma particular, na qual um arco transpassa para a região de valores positivos de  , existe um intervalo de valores de   para os quais   é positivo, com   negativo nos valores remanescentes, descrevendo uma alternância entre crescimento e caimento dos componentes de onda independentes e, portanto, das concentrações das substâncias ativadora e inibidora.[18]

Referências

  1. Kondo, Shigeru; Miura, Takashi (24 de setembro de 2010). «Reaction-Diffusion Model as a Framework for Understanding Biological Pattern Formation». Science (em inglês). 329 (5999): 1616–1620. ISSN 0036-8075. PMID 20929839. doi:10.1126/science.1179047 
  2. a b Driever, W.; Nüsslein-Volhard, C. (1 de julho de 1988). «A gradient of bicoid protein in Drosophila embryos». Cell. 54 (1): 83–93. ISSN 0092-8674. PMID 3383244 
  3. a b c Crick, F. (31 de janeiro de 1970). «Diffusion in embryogenesis». Nature. 225 (5231): 420–422. ISSN 0028-0836. PMID 5411117 
  4. Gregor, Thomas; Wieschaus, Eric F.; McGregor, Alistair P.; Bialek, William; Tank, David W. (13 de julho de 2007). «Stability and nuclear dynamics of the bicoid morphogen gradient». Cell. 130 (1): 141–152. ISSN 0092-8674. PMID 17632061. doi:10.1016/j.cell.2007.05.026 
  5. Turing, A. M. (14 de agosto de 1952). «The Chemical Basis of Morphogenesis». Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences (em inglês). 237 (641): 37–72. ISSN 0962-8436. doi:10.1098/rstb.1952.0012 
  6. Song, Long-Sheng; Guatimosim, Silvia; Gómez-Viquez, Leticia; Sobie, Eric A.; Ziman, Andrew; Hartmann, Hali; Lederer, W. J. (1 de junho de 2005). «Calcium biology of the transverse tubules in heart». Annals of the New York Academy of Sciences. 1047: 99–111. ISSN 0077-8923. PMID 16093488. doi:10.1196/annals.1341.009 
  7. Ueda, H. R. (1 de janeiro de 2007). «Systems Biology of Mammalian Circadian Clocks». Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology (em inglês). 72: 365–380. ISSN 0091-7451. PMID 18419294. doi:10.1101/sqb.2007.72.047 
  8. Cabrera, C. V. (1 de setembro de 1990). «Lateral inhibition and cell fate during neurogenesis in Drosophila: the interactions between scute, Notch and Delta». Development (Cambridge, England). 110 (1): 733–742. ISSN 0950-1991. PMID 1709404 
  9. «Supporting Online Material». Science (em inglês). 23 de abril de 2017. ISSN 0036-8075 
  10. Dormann, D.; Weijer, C. J. (1 de novembro de 2001). «Propagating chemoattractant waves coordinate periodic cell movement in Dictyostelium slugs». Development (Cambridge, England). 128 (22): 4535–4543. ISSN 0950-1991. PMID 11714678 
  11. Sardet, C.; Roegiers, F.; Dumollard, R.; Rouviere, C.; McDougall, A. (5 de maio de 1998). «Calcium waves and oscillations in eggs». Biophysical Chemistry. 72 (1-2): 131–140. ISSN 0301-4622. PMID 17029706 
  12. Meinhardt, Hans (1982). Models of Biological Pattern Formation. Londres: Academy Press 
  13. Mathematical Biology - Springer (em inglês). [S.l.: s.n.] doi:10.1007/b98868 
  14. Drocco, Jeffrey A.; Grimm, Oliver; Tank, David W.; Wieschaus, Eric (19 de outubro de 2011). «Measurement and perturbation of morphogen lifetime: effects on gradient shape». Biophysical Journal. 101 (8): 1807–1815. ISSN 1542-0086. PMID 22004733. doi:10.1016/j.bpj.2011.07.025 
  15. a b Houchmandzadeh, Bahram; Wieschaus, Eric; Leibler, Stanislas (14 de fevereiro de 2002). «Establishment of developmental precision and proportions in the early Drosophila embryo». Nature. 415 (6873): 798–802. ISSN 0028-0836. PMID 11845210. doi:10.1038/415798a 
  16. Berezhkovskii, Alexander M.; Sample, Christine; Shvartsman, Stanislav Y. (20 de outubro de 2010). «How Long Does It Take to Establish a Morphogen Gradient?». Biophysical Journal. 99 (8): L59–L61. ISSN 0006-3495. PMID 20959075. doi:10.1016/j.bpj.2010.07.045 
  17. Grimm, Oliver; Coppey, Mathieu; Wieschaus, Eric (1 de julho de 2010). «Modelling the Bicoid gradient». Development (Cambridge, England). 137 (14): 2253–2264. ISSN 1477-9129. PMID 20570935. doi:10.1242/dev.032409 
  18. a b Miura, Takashi; Maini, Philip K. (1 de setembro de 2004). «Periodic pattern formation in reaction—diffusion systems: An introduction for numerical simulation». Anatomical Science International (em inglês). 79 (3). 112 páginas. ISSN 1447-6959. doi:10.1111/j.1447-073x.2004.00079.x