Orógeno Araçuaí

O Orógeno Araçuaí é um orógeno confinado localizado no Brasil, formado entre o Neoproterozoico e o início do Paleozoico durante a amalgamação do supercontinente Gondwana.

O Orógeno Araçuaí ou Faixa de dobramentos Araçuaí foi definido primeiramente pelo professor Fernando Flávio Marques de Almeida em 1977. Este orógeno representa o segmento setentrional da Província Mantiqueira[1] e localiza-se a leste do Cráton do São Francisco, entre os paralelos 15° e 21°S[2] sendo limitado a Norte por este cráton e ao Sul pela Faixa Ribeira.

Durante a década de 1990 obteve-se o resultado de grandes projetos de mapeamento geológico, além de diversos dados como seções estruturais regionais, dados litoquímicos e estudos isotópicos pelos métodos U-Pb, Sm-Nd e Pb-Pb. Este conhecimento foi essencial para a interpretação geotectônica da área e possibilitou a definição do Orógeno Araçuaí.

Com base nesse conhecimento adquirido, na correlação entre as faixas Araçuaí e Congo Ocidental[3][4] e na relação crono-espacial dos conceitos de orógeno e cráton definiu-se o Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental (Araçuaí-West-Congo Orogen) para referir o conjunto orogênico neoproterozóico-cambriano contido na grande reentrância delineada pelos crátons do São Francisco e Congo. Nesta conceituação, este orógeno é identificado por um conjunto de componentes geotectônicos que caracterizam um orógeno colisional sucessor de um orógeno acrescionário de margem continental ativa.

Estágios editar

Os componentes geotectônicos são representados por rochas originadas durante diversos estágios evolutivos, passando desde a bacia precursora até o edifício resultante da orogenia.

Os principais estágios evolutivos da bacia precursora são:

  • Rifte continental com magmatismo bimodal;
  • Margem continental passiva com associação arenito-pelito-carbonato, turbiditos;
  • Oceânico com rochas magmáticas ofiolíticas, sedimentação pelágica;

Os estágios orogênicos são:

  1. Pré-colisional com subducção da litosfera oceânica ativa e geração de arco magmático;
  2. Sin-colisional representando a interação direta entre as partes em colisão, espessamento crustal, fusão parcial e geração de magma tipo S;
  3. Tardi-colisional com escapes laterais e geração de granito tipo S por fusão parcial sob descompressão adiabática;
  4. Pós-colisional com colapso gravitacional, plutonismo tipo I e A2;

Em decorrência da abertura do Atlântico Sul, no Cretáceo, a contraparte Araçuaí herdou dois terços do Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental ficando com unidades do rifte-continental, a margem passiva ocidental com restos ofiolíticos, a zona de sutura, o arco magmático e as bacias relacionadas. A Faixa Congo Ocidental guardou espessa pilha vulcano-sedimentar da fase rifte continental, a margem passiva oriental e uma bacia molássica.

Como a contraparte brasileira do Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental contém todos os componentes geotectônicos necessários para se caracterizar um orógeno colisional simplifica-se a denominação neste texto para Orógeno Araçuaí[5].

Bacia precursora editar

A bacia precursora deste orógeno configura um golfo, ensiálico a norte e oceanizado a sul, que desembocaria em amplo oceano.

Estágio Rifte continental editar

Diversos processos de rifteamento ocorreram no paleocontinente São Francisco-Congo entre o Estateriano e o Toniano, mas nenhum deles foi capaz de romper a litosfera continental na região do futuro Orógeno Araçuaí. Registros destes processos são abundantes no orógeno, e incluem rochas do Supergrupo Espinhaço e da base do Grupo Macaúbas, além de várias suítes magmáticas anorogênicas.

No Criogeniano, novo episódio de rifteamento teve início, durante a glaciacão Sturtiana. Este evento é registrado por magmatismo anorogênico e sedimentação glacial, presentes na Província Alcalina do Sul da Bahia e no Grupo Macaúbas.

Estágio Margem Continental Passiva editar

O rifte evolui para uma margem passiva, com formação de assoalho oceânico e sedimentação em contexto pós-glacial, registradas por rochas pelíticas, localmente com termos químico-exalativos, e ofiolitos. A bacia oceânica gerada tinha uma geometria confinada, a exemplo do que ocorre hoje com o Mar Vermelho. Os registros do estagio de margem passiva estão presentes no Grupo Macaúbas, Complexo Jequitinhonha, e unidades correlatas.

Os registros de assoalho oceânico editar

O setor oriental da Formação Ribeirão da Folha inclui sucessão vulcano-sedimentar de assoalho oceânico, caracterizada por pelitos pelágicos (micaxistos peraluminosos ricos em estaurolita, granada, cianita e/ou sillimanita, e cianita-grafita xisto), chert sulfetado (uma rocha rara que sugere depósito de conduto exalativo), formações ferríferas bandadas dos tipos óxido, silicato e sulfeto, e raro orto-anfibolio de granulação fina. Desta forma, a parte distal da Formação Ribeirão representa a seção superior, sedimentar, incluindo parte da seção vulcânica, de uma coluna ofiolítica[6].

Componentes e Estágios Orogênicos editar

No Orógeno Araçuaí são reconhecidos 4 estágios orogênicos caracterizados pelas relações estruturais entre foliação regional e estruturas locais, assinaturas geoquímicas e isotópicas e idades U-Pb[7][2][8][9].

Estágio Pré-colisional – 630-580Ma editar

Também denominado estágio acrescionário, durante o qual foi edificado o arco magmático do Orógeno, representado pela Suíte G1 e pelas rochas vulcânicas do Grupo Rio Doce. A Suíte G1 é formada por batólitos e stocks e é composta principalmente por rochas tonalíticas e granodioríticas e apresenta tanto autólitos dioríticos e máficos quanto xenólitos de rochas metassedimentares.

Os corpos dessa suíte apresentam a foliação regional, muitas vezes milonítica, além de estruturas formadas durante a deformação sincolisional.

As rochas da suíte G1 apontam uma assinatura litoquímica e isotópica cálcio-alcalina expandida, híbrida e com contribuição de magmas crustais sobre magmas mantélicos (εNd -5 a -13 e idades modelo TDM 1,2-2,2 Ga). Tal assinatura representa um arco magmático de margem continental ativa de idade 630Ma a 585Ma[5].

Na base do Gr. Rio Doce[10][11] ocorrem rochas vulcânicas de composição dacítica e assinatura geoquímica de arco vulcânico continental, com idades de cristalização magmática (zircão, U-Pb LA-ICPMS e TIMS) de 585Ma. Foram interpretadas como preenchimento de bacias intra e ante arco no estágio tardio do desenvolvimento do arco magmático.

Na porção proximal da bacia de retro arco, ocorre a Fm. São Tomé, recobrindo as vulcânicas e é responsável pela contribuição sedimentar do arco (595Ma). Na porção distal da bacia de retro-arco ocorrem os paragnaisses de protólito pelítico grauvaquiano, com assinatura de fonte sedimentar em arco magmático com intercalações calcissilicática do Complexo Nova Venécia.[12][13].

Estágio sin colisional 580-560Ma editar

Apresenta granitogênese do tipo S (582-560Ma) e deformação e metamorfismo regional[14][7][2][9]. Durante a colisão foram desenvolvidas as feições dos dobramentos e empurrões com sentido para oeste, contra o Cráton do São Francisco e com sentido para leste, contra o Cráton do Congo.

Em termos gerais, o metamorfismo cresce de oeste para leste e de norte a sul, desenvolvendo os minerais metamórficos com aumento sucessivo de temperatura, desde as fácies xisto verde baixo nas proximidades do Cráton, até as fácies granulito no núcleo orogenético[15][7][2]. A quantificação dos dados metamórficos, realizados através de análises geotermobarométricas apontam 530-600°C e 5,5kbar na Fm. Ribeirão da Folha[16][17], 470-640°C a 4,5-5kbar no Gr. Rio Doce e 770-930°C a 5-7kbar nos complexos Jequitinhonha e Nova Venécia[18]. Na Fm Salinas há uma zona de baixa pressão, com temperaturas variando de 450-650°C[19][20].

A granitogênese do tipo S é representada pela suíte G2, composta por granitos peraluminosos com granada sempre presente e cordierita e/ou sillimanita frequentes, além de granito duas micas e granodiorito granatífero subordinados. Xenólitos são comuns. Os corpos da suíte G2 são batólitos e stocks que registram a deformação regional pela foliação, por vezes milonítica e usualmente paralela à orientação do fluxo ígneo[14][21][7][2].

Ocorrem também nos interiores dos batólitos, porções indeformadas, apontando mesma idade de cristalização que as deformadas sugerindo a petrogênese sindeformacional. Dados geotermobarométricos apontam o desenvolvimento da foliação dúctil entre 640 e 680°C e dados de idade U-Pb apontam formação em torno de 575Ma[13][22][23].

Tardi colisional 560-530 editar

Esse período foi responsável pela formação da Suíte G3, formada por granitos de tipo S, sendo tipicamente leucogranitos com granada e/ou cordierita, pobres em mica e sem traço da foliação regional, com idades U-Pb apontando a cristalização magmática no intervalo entre 545 e 520Ma[24][9].

As feições petrográficas e estruturais da Suíte G3 indicam uma procedência derivada da fusão parcial dos granitos da suíte G2, ocorrido após o desenvolvimento da foliação regional. Esse processo está evidenciado pelas relações de corte e superposição de G3 sobre G2, além de restos não fundidos de G2 em G3[13].

Dados da Geotermobarometria indicam temperatura de cristalização superior a G2, a cerca de 815°C a 5kbar. Zircões com núcleos herdados evidenciam heranças de fontes paragnáissicas, com idades entre 630Ma e 850Ma[5].

Pós colisional 530-490Ma editar

Nessa fase, os eventos deformacionais e o plutonismo estão associados ao colapso gravitacional do Orógeno Araçuaí[7][2]. Nesse período, foram geradas as suítes G4 e G5, que são plútons intrusivos sem foliação regional, responsáveis pela geração dos distritos pegmatíticos de onde são mineradas gemas e minerais industriais[2].

A suíte granítica G4 é do tipo S e formada majoritariamente por granitos duas micas, de idade 535 a 500Ma[5], e é considerada a porção superior e mais hidratada do magma, em relação ao magma da suíte G3, pela presença das duas micas e dos minerais de lítio[25][13][26].

A suíte G5 é do tipo I e A2, cálcio-alcalino rico em potássio e ferro, com composição granítica ou charnokítica, com assinaturas isotópicas de Sm-Nd e Rb-Sr evidenciando misturas de magmas e fluxo ígneo bem marcado. Essa suíte tem origem entre 520 e 490Ma e está relacionada ao colapso do Orógeno[5].

Referências

  1. M Heilbron, Geologia do Continente Sul-Americano, Cap. Província Mantiqueira, Editora Beca Produções Culturais, p. 203-234 2004
  2. a b c d e f g Antônio Pedrosa-Soares, The Araçuaí–West Congo orogen in Brazil: An overview of a confined orogen formed during Gondwanland assembly, Precambrian Research, 110: 307-323, 2001
  3. B Brito Neves, Tectonic evolution of South America during the Late Proterozoic, 1991
  4. R. Trompette, Geology of Western Gondwana (2000-500 Ma). Pan-African-Brasiliano aggregation of South America and Africa, 1994
  5. a b c d e Antônio Pedrosa-Soares Orógeno Araçuaí: síntese do conhecimento 30 anos após Almeida 1977 Geonomos 15, 2007
  6. M. Suita Complexos Ofiolíticos do Brasil e a Metalogenia Comparada das Faixas Araçuaí e Brasília. In: Pereira, E. (org.), Complejos Ofiolíticos en Iberoamérica. Madrid, CYTED, p. 101-132, 2004
  7. a b c d e A. Pedrosa-Soares, C. Wiedemann-Leonardos, Evolution of the Araçuaí Belt and its connection to the Ribeira Belt, Eastern Brazil, Tectonic Evolution of South America. São Paulo, Sociedade Brasileira de Geologia, p. 265-285, 2000
  8. A. Pedrosa-Soares, Similarities and differences between the Brazilian and African counterparts of the Neoproterozoic Araçuaí-West-Congo orogen Geological Society, London, Special Publications, 294p., 2008
  9. a b c L. Silva The Neoproterozoic Mantiqueira Province and its African connections, Precambrian Research, 136: p. 203-240, 2005
  10. V. Vieira. Significado do Grupo Rio Doce no Contexto do Orógeno Araçuaí. Belo Horizonte, IGC-UFMG, Tese de Doutorado, 2007
  11. V. Vieira, et al. Significado do Grupo Rio Doce no Contexto do Orógeno Araçuaí. In: Simpósio de Geologia do Sudeste, 10, Diamantina. SBG-MG, Resumos, 2007
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