Salviniaceae é uma família de pteridófitas aquáticas[1][2] heterospóricas da ordem Salviniales,[3] caracterizadas pela flutuação livre e pela adaptação a sistemas de água doce estagnados de climas tropicais e temperados.[4][5][6] A família inclui dois géneros extantes, Azolla e Salvinia,[7] agrupando cerca de 20 espécies.[8] Os registos mais antigos da família datam do Cretáceo Superior.[9]

Como ler uma infocaixa de taxonomiaSalviniaceae
Ocorrência: Cretáceo Superior
O pteridófito aquático Salvinia molesta, fotografada no Hawai‘i por Eric Guinther.
O pteridófito aquático Salvinia molesta, fotografada no Hawai‘i por Eric Guinther.
Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Tracheophyta
Classe: Polypodiopsida
Ordem: Salviniales
Família: Salviniaceae
Martinov
Géneros
Sinónimos
Salvinia natans.
Salvinia molesta, pilosidade da face superior da folha, repelente à água, com tricomas em forma de "pincel".
Salvinia natans (ilustração).
Azolla filiculoides.
Salvinia molesta.
Salvinia minima.
Salvinia (Salviniaceae) nas regiões sul e sudeste do Brasil. A-C: Salvinia auriculata: A: hábito, B – fronde flutuante, C – detalhe do soróforo; D-F: Salvinia biloba: D – hábito, E – fronde flutuante, F – detalhe do soróforo; G-I: Salvinia cucullata: G – hábito, H – fronde flutuante, H – sistema de tricomas; J-M: Salvinia herzogii: J – hábito, K – fronde flutuante, L – sistema de tricomas (todas as espécies do complexo Salvinia auriculata), M – detalhe do soróforo.

Descrição editar

As espécies que integram a família Salviniacae não apresentam raízes bem desenvolvidas (que no caso de Salvinia são apenas vestigiais, já que a amioria das espécies é flutua livremente) e as frondes são dimórficas (ou seja, com duas morfologias muito distintas, correspondentes aos trofóforos e esporóforos), unidas em grupos de três. A fronde dorsal, o trofóforo, é flutuante, verde, simples com lâmina foliar inteira, e as duas frondes ventrais, os esporóforos, são fortemente ramificadas e totalmente submersas. Apresentam pelos repelentes da água (tricomas hidrófugos) na superfície superior das frondes. Os órgãos produtores de esporos (esporângios) ocorrem apenas nas folhas submersas e são constituídos por soros cercados de um indúsio globoso (o esporocarpo). São consideradas plantas heterosporadas por produzirem dois tipos diferentes de esporos.[10]

Entre os membros da família Salviniaceae conta-se a espécie Salvinia molesta (conhecida por salvinia-gigante), um pteridófito flutuante nativo do sudeste do Brasil. São consideradas uma grande ameaça para ambientes de água doce lênticos porque formam espessos tapetes que cobrem a superfície dos corpos de água. Além disso, impedem recreação e a captação de água (tomadas de água) para irrigação e para produção de energia elétrica, ao mesmo tempo que fornecem refúgio para organismos portadores de doenças, como mosquitos e caracóis, e competem por habitat com espécies nativas de plantas aquáticas e contribuem para reduzir o conteúdo de oxigénio das águas. Esta espécie apresenta diferentes formas de crescimento, dentre elas primária, secundária e terciária, exibe folhas ovais que variam de 15 mm de largura a 60 mm, dependendo do estágio de crescimento. [10]

Morfologia editar

Os membros da família Salviniaceae apresenta uma morfologia muito distinta, resultado da sua adaptação ao meio aquático. Essa morfologia distintiva levou a que desde cedo fossem classificados comofetos aquáticos e considerados como pertencendo a um grupo taxonómico distinto cujas relações filogenáticas apenas foram esclarecidas com o advento da filogenética molecular. Uma característica comum da família é a presença de um eixo caulinar em forma de protostelo, com ramificação dicotómica, e de frondes desprovidas de pedúnculo, com filotaxia alterna. A lâmina foliar apresenta forma alongada, com margens inteiras e pequena dimensão (1 a 25 milímetros). A venação é livre no género Azolla, mas é anastomosada em Salvinia. O género Salvinia é essencialmente flutuante, sem raízes desenvolvidas, enquanto Azolla apresenta geralmente enraizamento no substrato. Todas as Salviniaceae são heterospóricas, produzindo em simultâneo grandes megasporos e pequenos microsporos, com germinação nos esporos.

As principais características morfológicas da família são as seguintes:

  • Caules — as plantas da família Salviniaceae apresentam caules adaptados à vida aquática, alongados, horizontais, e revestidos por tricomas. Além disso, em cada nó do caule, emerge uma parte flutuante e uma parte submersa. Esses nós podem dar origem a novos indivíduos através de propagação vegetativa e por esse motivo são considerados clones e designados por rametes.[11]
  • Frondes flutuantes — em cada nó do caule está inserido um par de frondes flutuantse, com pecíolo curto ou ausente, clorofiladas, e portanto, verdes, tendo funções fotossintéticas e simultaneamente formando os rametes que constituem as partes utilizadas para propagação vegetativa.
  • Frondes submersas — as frondes submersas apresentam uma morfologia semelhante a raízes, com ramificações, sendo as partes responsáveis pela reprodução sexuada da planta. As frondes férteis dividem-se em trofóforos e soróforos consoante a sua função.
  • Soróforos — Os soróforos portam os soros protegidos meio de indúsios. A organização desses soros é uma característica taxonómica importante para identificação da espécie. A estrutura diferencia-se de acordo com a espécie e podem ter formatos muito distintos, como espiga, cacho ou glomérulo.[10]
  • Soros — como os soróforos, os soros também possuem formas e tamanhos variáveis consoante a espécie: globosos ou apediculados e sésseis ou pedicelados e são comumente envoltos por tricomas.
  • Indúsio — os indúsios são tecidos protetores dos esporângios e nesse caso, cada soro (megasporangiado ou microsporangiado) é envolto por um indúsio parenquimatoso formado por duas camadas de células, o que os torna delicados, sendo fácil o rompimento.[12]
  • Esporângios — os esporângios estão localizados no interior dos soros, recobertos pelo indúsio, e são classificados em microsporângios ou megasporângios. Cada microsporângio contém múltiplos micrósporos, enquanto o megasporângio contém apenas um megásporo no seu interior. A distribuição destas estruturas varia de acordo com a espécie, já que algumas apresentam soros com as duas estruturas, enquanto em outras ocorre apenas uma etrutura em cada soro.
  • Sistema de tricomas — Possuem associados a papilas e pelos são encontrados acima delas. As papilas possuem diversidade de formas, sendo curtas ou alongadas, ausentes ou presentes, afiladas ou cupuliformes. Esse sistema de tricoma está localizado na face abaxial das frondes flutuantes. Além disso, os tricomas podem ser únicos ou estar em conjuntos de dois, três ou quatro e possuem também o ápice hidrofílico e o restante hidrofóbico também, como fator importante para flutuação das plantas.[13][14].
  • Genoma — O número cromossómico base em Salvinia é x = 9 (o mais pequeno conhecido nos fetos) e em Azolla x = 22.

Taxonomia e filogenia editar

Salviniaceae é uma família de monilófitas da ordem Salviniales estabelecida em 1820 por Ivan Ivanovič Martinov em Tekhno-Botanicheskīĭ Slovar': na latinskom i rossīĭskom iazykakh. Sanktpeterburgie, página 559. O género tipo é Salvinia Ség.. O género Salvinia homenageia o filólogo italiano Antonio Maria Salvini (1653-1729).[5]

A família Salviniaceae é conhecida no registo fóssil desde o Cretáceo Superior. A família Salviniaceae tem uma distribuição subcosmopolita. São maioritariamente espécies que flutuam livremente. O membros extantes desta família estão resumidos os dois géneros, Salvinia e Azolla, que durante muito tempo foram considerados como famílias separadas. O género Azolla foi anteriormente colocada na sua própria família, as Azollaceae, mas a investigação mostrou que os géneros Azolla e Salvinia são grupos irmão com a provável relação filogenética mostrada no diagrama seguinte:[15]

Salviniales
Marsileaceae

Marsilea

Pilularia

Regnellidium

Salviniaceae

Azolla

Salvinia

Assim, na sua presente circunscrição taxonómica a família Salviniaceae contêm apenas os géneros extantes Azolla e Salvinia, com um total de cerca de 20 espécies conhecidas. O género Azolla foi anteriormente colocado em sua própria família, Azollaceae, mas pesquisas recentes mostraram que Azolla e Salvinia são géneros irmãos. Os géneros têm a seguinte diversidade e distribuição:

Etnobotânica editar

Algumas espécies de Salvinia são utilizadas como ferramentas para estudos em engenharia naval, pelo motivo de terem grande capacidade de retenção de ar devido ao sistema de tricomas presentes nessas plantas.[17] Essa característica é estudada pela indústria naval em cascos de navio, possibilitando a diminuição do atrito entre a camada de ar e a superfície da água e facilitando o deslizamento do navio, utilizando a tecnologia semelhante às plantas.

Além disso, a Salvinia é muito utilizada como planta ornamental em aquários e lagos artificiais. A espécie Salvinia cucullata Roxb. é facilmente encontrada em sites de lojas online. Quanto à importância ecológica, essas espécies possuem potencial como bioindicadores da qualidade da água e bioacumuladores, absorvendo metais pesados presentes (como cádmio e chumbo) no ambiente aquático em que se encontram[18] e ainda cromo.[19]

Distribuição e diversidade taxonômica no Brasil editar

A maioria das espécies de Salviniaceae ocorre em água rica em nutrientes nas regiões tropicais e subtropicais e demonstram forte propagação vegetativa e uma taxa de crescimento alta. Algumas tornaram-se ervas daninhas em reservatórios e sistemas de irrigação.

As espécies atualmente identificadas estão representadas abaixo:

No Brasil a família Salviniaceae é distribuída nos domínios fitogeográficos da Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal, nas vegetações de campo de várzea, floresta ciliar e vegetações aquáticas e são descritas 10 espécies. É encontrada em todas as regiões brasileiras, detalhadas a seguir:

  • Norte: nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Tocantins;
  • Nordeste: em Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe;
  • No Centro-Oeste: Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso.
  • No Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e possíveis ocorrências no Espírito Santo.
  • No Sul: no Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina.

Não há espécies endêmicas no Brasil.

As espécies atualmente identificadas no Brasil estão representadas abaixo:

  • Salvinia Ség.
    • Salvinia adnata Desv.
    • Salvinia auriculata Aubl.
    • Salvinia biloba Raddi
    • Salvinia martynii Kopp
    • Salvinia minima Baker
    • Salvinia molesta D.S.Mitch.
    • Salvinia nurian de la Sota
    • Salvinia oblongifolia Mart.
    • Salvinia sprucei Kuhn

Referências editar

  1. «Salvinia». The Chambers Dictionary 9th ed. [S.l.]: Chambers. 2003. ISBN 0-550-10105-5 
  2. «Salviniaceae». Merriam-Webster Dictionary. Consultado em 8 de maio de 2022 
  3. Alan R. Smith; Kathleen M. Pryer; Eric Schuettpelz; Petra Korall; Harald Schneider; Paul G. Wolf (2006). «A classification for extant ferns» (PDF). Taxon. 55 (3): 705–731. JSTOR 25065646. doi:10.2307/25065646 
  4. a b c Youxing Lin, Shi Lei, Michele Funston, Michael G. Gilbert: In: Wu Zheng-yi, Peter H. Raven, Deyuan Hong (Hrsg.): Flora of China. Volume 2–3: Lycopodiaceae through Polypodiaceae. Science Press und Missouri Botanical Garden Press, Beijing und St. Louis, 2013, ISBN 978-1-935641-11-7. Salviniaceae, S. 125 - textgleich online wie gedrucktes Werk.
  5. a b c Clifton E. Nauman: Flora of North America Editorial Committee (Hrsg.): Flora of North America North of Mexico, Volume 2: Pteridophytes and Gymnosperms. Oxford University Press, New York 1993, ISBN 0-19-508242-7. Salviniaceae Reichenbach. - textgleich online wie gedrucktes Werk, In:
  6. Alan R. Smith, Kathleen M. Pryer, Eric Schuettpelz, Petra Korall, Harald Schneider, Paul G. Wolf: A classification for extant ferns. In: Taxon. Band 55, Nr. 3, 2006, S. 705–731. doi:10.2307/25065646 PDF online.
  7. Maarten J. M. Christenhusz; Xian-Chun Zhang; Harald Schneider (2011). «A linear sequence of extant families and genera of lycophytes and ferns» (PDF). Phytotaxa. 19: 7–54. doi:10.11646/phytotaxa.19.1.2 
  8. Christenhusz, M. J. M.; Byng, J. W. (2016). «The number of known plants species in the world and its annual increase». Magnolia Press. Phytotaxa. 261 (3): 201–217. doi:10.11646/phytotaxa.261.3.1  
  9. De Benedetti, Facundo; Zamaloa, María C.; Gandolfo, María A.; Cúneo, Néstor R. (1 de dezembro de 2021). «The South American and Antarctic Peninsula fossil record of Salviniales (water ferns): Its implication for understanding their evolution and past distribution». Review of Palaeobotany and Palynology (em inglês). 295. 104521 páginas. ISSN 0034-6667. doi:10.1016/j.revpalbo.2021.104521  
  10. a b c Almeida, Gaziele Wolff. Avaliação do potencial bioindicador e fitorremediador de Salvinia auriculata Aublet na presença de cádmio e chumbo. 2009. 73 p. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Lavras, Lavras. (Tese) 
  11. Room, P.M. & Thomas, P.A. (1986) Nitrogen, phosphorus and potassium in Salvinia molesta Mitchell in the field: effects of weather, insect damage, fertilizers and age. Aquatic Botany.
  12. Nagalingum, NS; Schneider, H (2006). Morfologia comparativa de estruturas reprodutivas em samambaias heterosporosas e reavaliação do esporocarpo. [S.l.]: International Journal of Plant Science. pp. 805–815. 
  13. Barthlott, Z.; Wiersch, S.; Colic; Koch, K. (2009). Classification of trichome types within species of the water fern Salvinia, and ontogeny of the egg-beater trichomes. [S.l.]: Botany. pp. 830–836 
  14. Barthlott, W; Schimmel, T; Wiersch, S. (2010). The Salvinia paradox: superhydrophobic surfaces with hydrophilic pins for air retention under water. [S.l.]: Adv. Mater. p. 2325–2328 
  15. Nathalie S. Nagalingum; Michael D. Nowak; Kathleen M. Pryer (2008). «Assessing phylogenetic relationships in extant heterosporous ferns (Salviniales), with a focus on Pilularia and Salvinia» (PDF). Botanical Journal of the Linnean Society. 157 (4): 673–685. doi:10.1111/j.1095-8339.2008.00806.x  
  16. a b Michael Hassler, Bernd Schmitt: World Ferns. Checklist of Ferns and Lycophytes of the World. Version 5.4.1, September 2015. (online; Gattungsnamen in Suchmaske eingeben). Karlsruhe 2015.
  17. Barthlott, W; Schimmel, T; Wiersch, S (2010). The Salvinia paradox: superhydrophobic surfaces with hydrophilic pins for air retention under water. [S.l.]: Adv. Mater. p. 2325–2328 
  18. Almeida, Gaziele Wolff. Avaliação do potencial bioindicador e fitorremediador de Salvinia auriculata Aublet na presença de cádmio e chumbo. 2009. 73 p. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal de Lavras, Lavras. (Tese) 
  19. Pereira, Paula da Fonseca; Antunes, Flavia (2012). Pigmentos lipossolúveis e hidrossolúveis em plantas de salvínia sob toxicidade por cromo. [S.l.: s.n.] 

Ligações externas editar

 
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