Terra Indígena Cachoeira Seca

terra indígena localizada no estado do Pará

Cachoeira Seca é uma terra indígena localizada no estado do Pará, nas cidades de Altamira, Placas e Uruará. Seu território está localizado entre o rio Xingu e rio Iriri, sendo ocupado por cerca de 100 indígenas do povo Arara, grupo de recente contato da etnia Karíb.[1]

Terra Indígena Cachoeira Seca
Terra Indígena Cachoeira Seca
Terra indígena Cachoeira Seca durante ação de fiscalização do Ibama
País  Brasil
Estado Pará
Municípios Altamira, Placas e Uruará
Área 734 mil hectares
População 88 (Sesai 2014)
Povos Arara
Status Registrada
Modalidade Reserva Indígena

Sua homologação foi condicionante da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e tem sofrido historicamente forte pressão do desmatamento, sendo a terra indígena mais devastada cumulativamente no Brasil,[2] além de ameaças de violência e ocupação por cerca de 3 mil não indígenas no território.[3]

Histórico editar

Desde os anos 1960, o povo Arara se estruturava politicamente e economicamente de forma autônoma, sem ter contato voluntariamente com não indígenas, até o governo brasileiro iniciar as obras da Rodovia Transamazônica e deslocá-los para outras localidades, já que o empreendimento cortou parte do território deste povo indígena.[4][5] Nas duas décadas seguintes, o governo federal realizou um processo de incentivos fiscais e de financiamento com a finalidade de promover a ocupação da Amazônia, o que propiciou um avanço do desmatamento, garimpo, roubo de madeira ilegal, além do desenvolvimento agrícola e pecuário da região dos povos Arara.[1][4] Assim, a FUNAI criou a Frente de Atração Arara em 1970, a qual possuiu o intuito de controlar os conflitos decorrentes dessa colonização da região.[1]

No ano de 1985, a área da terra indígena foi interditada pela FUNAI para aprofundar os estudos referentes à demarcação do território. Porém, apenas em 1987 as comunidades que residem hoje na TI Cachoeira Seca foram contactadas oficialmente pelo órgão indigenista.[4]

Em 1989, técnicos da FUNAI iniciaram os trabalhos de identificação e demarcação do território indígena, sendo este composto por duas etapas. Primeiro, foi feito o mapeamento da região utilizada pelos indígenas para estabelecerem seus locais sagrados, roças e pontos de caça e pesca. Depois, foram realizados trabalhos de localização de possíveis invasores e suas benfeitorias, passo necessário para conduzir as propostas de demarcação da terra.[6]

No dia 13 de março de 1991, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação de reintegração de posse contra a indústria madeireira Bannach, por retirada ilegal de madeira no território indígena interditado pela FUNAI desde 1985. No mês seguinte, a Justiça Federal expediu o mandato de reintegração de posse, de forma que oficiais de justiça e a Polícia Federal foram cumpri-lo. No entanto, de acordo com o órgão indigenista, a madeireira Bannach não cumpriu o mandato, realizando apenas a interrupção de suas operações na época.[7][8]

Em 21 de janeiro de 1993, a Terra Indígena Cachoeira Seca é declarada oficialmente pelo Ministério da Justiça com 760 mil hectares, sendo o território interligado com a Terra Indígena Arara.[9] No entanto, essa medida desagradou empresas e órgãos municipais da região, como os prefeitos de Altamira, Uruará e Rurópolis. Assim, a partir desses eventos, um antropólogo assessor do Ministério Público Federal elaborou um parecer contestando a área demarcada do território e a necessidade de interligação com a TI Arara. Tal parecer embasou uma visita do procurador da República e Coordenador de Defesa de Direitos e Interesses Indígenas do MPF, Wagner Gonçalves, para a região que, por sua vez, concluiu em julho do mesmo ano pela ilegalidade da portaria que demarcou a Terra Indígena Cachoeira Seca.[8][10]

No ano seguinte, a FUNAI busca a resolução de novo laudo antropológico, contestando as alegações realizadas pelas autoridades no ano anterior. No entanto, os grupos econômicos contrários à demarcação do território, prosseguiram na tentativa de anular completamente a portaria de 1993, entrando com cinco mandados de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dos quais apenas dois foram acatados. Assim, em 1997 o STJ concede um dos mandados de segurança e anula completamente a portaria declaratória de 1993, baseado na fragilidade dos estudos que subsidiaram o aumento do território indígena e da necessidade de participação de outro grupos envolvidos na demarcação.[8][9][10]

Em 2004, a FUNAI inicia novos estudos com a finalidade de identificação e delimitação do território, resultando em uma proposta de demarcação de cerca de 734 mil hectares. A proposta é aprovada em 2008 e nova portaria de delimitação é assinada.[9]

Apenas no dia 5 de abril de 2016, no entanto, a Terra Indígena Cachoeira Seca foi oficialmente homologada, iniciando assim o processo de regularização do território e desintrusão dos não indígenas por meio do reconhecimento das ocupações de boa-fé e pagamento pelas benfeitorias.[5]

Apesar do processo de homologação ter sido realizado, a regularização fundiária não foi concluída em definitivo, restando no território milhares de ocupantes não indígenas e amplo avanço do desmatamento no território.[11]

Desmatamento editar

 
Ibama apreende madeira retirada ilegalmente da TI Cachoeira Seca

De acordo com levantamento da Frente de Proteção Etnoambiental do Médio Xingu, a Terra Indígena possuía taxa de desmatamento de cerca de 500 hectares por ano no período de início da construção da rodovia Transamazônica e passou para 2.400 hectares por ano em 2004. Esse ritmo segue a taxa de ocupação do território por não indígenas que passou de 311 ocupações em 1992 para 1.171 em 2011.[9]

Já segundo os dados do INPE, a terra indígena perdeu cerca de 368 quilômetros quadrados de floresta apenas entre 2008 e 2020,[12] atingindo um total de 697 quilômetros quadrados desmatados até o ano de 2022.[10] Também, a TI apareceu entre os cinco territórios indígenas mais desmatados entre 2019 e 2022 de acordo com os levantamentos anuais de desmatamento do Mapbiomas.[13][14][15][16]

Segundo relatório do Instituto Socioambiental, até o ano de 2014 cerca de R$400 milhões já haviam sido retirados de forma ilegal em madeira da TI, sendo principalmente ipês, jatobás e angelim-vermelhos, utilizados em indústrias na região Sul e Sudeste do Brasil.[17]

Em 2021, a Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca (Kowit) lança a campanha Guardiões do Iriri, com o intuito de formar uma rede de apoio para defender o território e reivindicar a retirada dos não indígenas pelas autoridades competentes.[11][12]

Uma série de ações integradas foram deflagradas pelo Ibama a fim de combater o desmatamento na região. Em 2022, a Operação Guardiões do Bioma apreendeu cerca de $2 milhões de multa por exploração ilegal de madeira em 500 hectares do território indígena, além de apreender cerca de mil bovinos criados ilegalmente.[18] No ano seguinte, nova operação do Ibama com a Polícia Federal, denominada Massaranduba, apreendeu e destruiu equipamentos utilizados no desmatamento ilegal na região, tendo como suspeito um vereador da cidade de Placas.[19]

Referências

  1. a b c Nakamura, Rafael (27 de junho de 2016). «Terra Indígena Cachoeira Seca: do contato com os Arara até a homologação». Boletim Povos Isolados. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  2. «Terra indígena no Pará que teve agentes federais cercados é a mais desmatada do Brasil no último ano». G1. 19 de novembro de 2021. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  3. Bond, Letícia (19 de setembro de 2023). «Relatório aponta desafios de territórios indígenas». Agência Brasil. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  4. a b c Harari, Isabel (3 de setembro de 2018). «Povo Arara luta para proteger seu território | Cimi». CIMI. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  5. a b Chagas, Paulo Victor (6 de abril de 2016). «Governo homologa Terra Indígena Cachoeira Seca». Agência Brasil. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  6. «Técnicos delimitam Cachoeira Seca/Iriri» (PDF). O Liberal (Pará) (122). 20 de maio de 1989. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  7. «Funai diz que move ação contra madeireira, não contra invasor». O Liberal (Pará) (139). 28 de maio de 1991. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  8. a b c «PA - Povo Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca luta por retirada de não-índios do seu território e por fim de conflitos com os colonos». Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  9. a b c d «As políticas de proteção territorial foram discutidas no último dia de eventos paralelos da Funai na Rio+20». Fundação Nacional dos Povos Indígenas. 21 de junho de 2012. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  10. a b c «KOWIT - Povo Arara - Guardiões do Iriri». guardioesdoiriri.org.br. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  11. a b «Povo Arara, da T.I. Cachoeira Seca, lança campanha em defesa de direitos territoriais». APIB. 16 de março de 2021. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  12. a b «Indígenas Arara da TI Cachoeira Seca pedem apoio da Funai para desintrusão do território». Fundação Nacional dos Povos Indígenas. 12 de junho de 2023. Consultado em 22 de setembro de 2023 
  13. Relatório Anual de Desmatamento 2019 – São Paulo, SP – MapBiomas, 2020 – 49 páginas. Disponível em https://alerta.mapbiomas.org/relatorio. Acesso em 23/09/2023.
  14. Relatório Anual de Desmatamento 2020 – São Paulo, SP – MapBiomas, 2021 – 93 páginas. Disponível em https://alerta.mapbiomas.org/relatorio. Acesso em 23/09/2023.
  15. Relatório Anual de Desmatamento 2021 – São Paulo, SP – MapBiomas, 2022 – 126 páginas. Disponível em https://alerta.mapbiomas.org/relatorio. Acesso em 23/09/2023.
  16. Relatório Anual de Desmatamento 2022 – São Paulo, SP – MapBiomas, 2023 – 125 páginas. Disponível em https://alerta.mapbiomas.org/relatorio. Acesso em 23/09/2023.
  17. «Terra indígena no Pará que teve agentes federais cercados é a mais desmatada do Brasil no último ano». G1. 19 de novembro de 2021. Consultado em 23 de setembro de 2023 
  18. «Operação em terra indígena de Cachoeira Seca apreende 1 mil bovinos e aplica multa de mais de R$ 2 milhões no PA». G1. 21 de maio de 2022. Consultado em 24 de setembro de 2023 
  19. «Com ajuda de drones, PF e Ibama flagram extração ilegal de madeira em Terra Indígena no Pará». G1. 20 de julho de 2023. Consultado em 24 de setembro de 2023