Os termos timbó, tingui e titim[1] designam um conjunto de plantas das famílias das leguminosas e sapindáceas que são tradicionalmente usadas para atordoar os peixes e ajudar na sua pesca.[2]

Timbó-de-mata, timborana (Derris elliptica) Heizer, 1986

As diversas espécies das famílias das leguminosas e das sapindáceas, geralmente as com casca e/ou raízes que possuem uma seiva tóxica, são utilizadas pelos nativos para tinguijar (regionalismo usado na Região Norte do Brasil e na Região Nordeste do Brasil para o ato de intoxicar peixes jogando pedaços de timbó ou tingui esmagados na água). Os peixes começam a boiar e podem ser facilmente apanhados à mão[3]. Deixados na água, recuperam-se, podendo ser consumidos sem inconveniente.

Segundo Robert F. Heizer,[4] o uso de venenos vegetais de pesca é, provavelmente, um velho e arraigado hábito cultural. Seu uso estende-se para algumas regiões da América Central até o norte do México e em algumas regiões da América do Norte (Leste do Mississípi e Califórnia).

Etimologia editar

Segundo o Dicionário Aurélio, "timbó" é palavra de origem tupi que significa, nesse idioma, "o que tem cor branca ou cinzenta"; "vapor, exalação, fumaça".[5] Já "tingui" se origina do termo tupi antigo tingy, que significa, literalmente, "líquido de enjoo".[6]

Espécies selecionadas editar

 
Paullinia pinnata

Estima-se que, no mundo, cerca de 140 espécies são utilizadas como veneno de pesca, com aproximadamente 340 nomes. Entre a lista de dezenas de plantas que são conhecidas como Timbó, incluem-se:

O termo pode ainda remeter mais especificamente à árvore Piscidia erythrina, da subfamília papilionoídea, nativa da Martinica, face o nome do gênero Piscidia originar-se das palavras latinas piscis, que significa "peixe", e caedo, que significa "matar".[9] Essa espécie também possui casca utilizada para tinguijar, além de flores brancas com pintas purpúreas e vagens lineares.

Emprego do timbó pelos indígenas das Américas editar

Os princípios ativos das plantas conhecidas como "timbó" são a rotenona, os saponáceos, os glucosídios cardíacos, os alcaloides, os taninos, os compostos cianogênicos e o ictiotereol. Embora o timbó atordoe e chegue a matar os peixes, eles podem ser ingeridos sem problemas pelos índios, mas a água contaminada pode causar diarreias e irritações nos olhos.[10]

Folhas e flores de puikama e raiz de sika eram amassados no pilão pelos Kaxinawá do Acre e Peru. Bolas com cerca de 1 quilograma eram feitas e colocadas em cestos ou bolsas impermeabilizadas com borracha. Em pequenos igarapés, a pesca era praticada por mulheres e crianças utilizando a puikama. Em lagos, a pesca era feita pelos homens usando a sika.[10]

 
Índios colocando timbó na água

Os Marubo do Amazonas faziam buracos no chão e, neles, esmagavam um tipo de planta por eles cultivada, misturando-a com barro. Faziam bolas, jogando-as em igarapés para atordoar os peixes. Os índios do Rio Uaupés do Brasil e Colômbia utilizavam a polpa do piqui para atordoar os peixes e alegavam que era mais potente do que o timbó.[10]

Os mesmos índios do Rio Uaupés desenvolveram técnica engenhosa para pescar com o timbó. Cevavam com cupins, pupunha, frutos, farinha, massa de beiju e outros alimentos o local onde fariam a pesca. Depois de alguns dias, fechavam o local com o pari, uma esteira de varas verticais e finas da palmeira paxiúba, deixando uma pequena abertura, para que os peixes tivessem acesso ao local da ceva. Continuavam a alimentar os peixes até a noite anterior ao dia da pesca, quando fechavam a abertura e colocavam timbó na água. No dia seguinte, iam ao local e apanhavam os peixes pequenos, mortos, com o puçá, uma pequena rede afunilada, com peneira ou com as mãos. Peixes maiores estonteados eram abatidos com flechadas ou azagaia. Os peixes grandes, pouco afetados pelo timbó, tentavam pular o pari, mas caíam em uma rede colocada ao longo do mesmo.[11]

Apresentando uma gama variada de técnicas pesqueiras com substâncias ictiotóxicas, os índios do Rio Uaupés atingiam peixes que ficavam no fundo com bolotas de barro onde tinha sido adicionado o sumo do timbó. Faziam, também, bolotas com folhas e sementes piladas de cunambi misturadas com farinha, cinza de cana brava, pimenta e japurá[12]. Na pesca em rios, a quantidade de timbó tinha de ser maior, devido à correnteza. Para evitar rápida dispersão do veneno, ele era misturado com barro, colocado em cestos, que eram posicionados na montante do curso de água. Barragens feitas com pari na jusante bloqueavam a fuga dos peixes, que eram capturados. Na pesca em lagos, suas entradas eram bloqueadas e canoas arrastando cestos com timbó estonteavam os peixes, que eram recolhidos[13]

Alinhadas à barragem, indígenas do Alto Rio Xingu colocavam canoas onde os peixes que saltavam a barragem nelas caíam.[12]. No vale do Rio Orinoco, na Venezuela, construíam, com varas, uma barragem de uma margem à outra no igarapé, que deixava passar a água, mas não os peixes. Jogavam o timbó e iam recolhendo os peixes menores, mais susceptíveis ao veneno. Peixes médios tentavam fugir, mas eram impedidos pela barragem e voltavam, sendo expostos ao veneno. Os grandes peixes nadavam velozmente e saltavam a barragem, mas encontravam outra, muito mais alta, e ficavam presos entre as duas, sendo, então, abatidos[14].

Técnica pesqueira refinada foi desenvolvida pelos índios Deni, da família linguística Arawá, para pescar o peixe Piau. Bolinhas contendo farinha de mandioca, larvas de vespa e um tipo de timbó eram atiradas na água e engolidas pelos peixes, que ficavam atordoados, vinham à tona e eram capturados pelos índios.[15] Na Venezuela do século XVII, os índios adotavam técnica semelhante, mas, ao invés de farinha de mandioca, empregavam o milho cozido e moído[10].

No Mato Grosso e Rondônia, os índios Cinta-larga pegavam os peixes afetados pelo timbó com a mão ou a flechadas. Os Jiahuis do Amazonas faziam a pesca com o timbó na época da seca em pequenos lagos formados na cheia anterior ou em igarapés. No Mato Grosso, os homens Paresi represavam o curso d'água e as mulheres maceravam o timbó, cujo suco era jogado na água. A coleta dos peixes afetados era feita por todos os habitantes da aldeia.[10]

Algumas comunidades indígenas amazônicas barravam trechos do igarapé para impedir que o timbó se espalhasse demais e se diluísse[16]. Quando queriam fazer uma rápida pescaria, barravam a parte mais estreita do igarapé, jogavam o timbó e, logo, estavam coletando: primeiro, os peixes menores; e depois os maiores, mais resistentes.[17]

As técnicas pesqueiras com o timbó não variavam muito entre os indígenas das Américas. Para pescar à noite, os peixes eram atraídos com tochas e logo sucumbiam sob a ação do timbó. Nos rios que desaguavam no mar e eram usados pelos peixes para a desova, na piracema, os índios barravam, na maré vazante, os peixes com redes de até 3 metros de altura e 40 de comprimento, atordoavam-nos com timbó e os recolhiam[10].

O timbó misturado à água ou outro líquido era, também, usado por índios para eliminar desafetos[18].

Distribuição geográfica de utilização indígena editar

Distribuição geográfica de venenos de peixe usados pelos índios da América do Sul[19]
Nome científico Nomes comuns Argentina Bolívia Brasil Caiena Chile Colômbia Costa Rica Equador Guiana Paraguai Peru Suriname Venezuela
Abuta imene taraira-moira  
Agave americana agave  
Alexa imperatricis hairiballi  
Anona spinescens araticum do brejo  
Antonia ovata inyáku  
Apurimacia incarum chancanhuai  
Bauhinia guianensis    
Bowdichia virgilioides sebipira  
Buddleia brasiliensis barbasco  
Byrsonima crassifolia chaparro de manteca  
Cariospermum grandiflorum  
Caryocar glabrum  
Cassia hirsuta piami  
Centrosema plumieri guiana-timbó  
Cestrum laevigatum  
Clathropis brachypetala arumatta  
Cleome spicata tareraiya  
Clibadium asperum conami  
Clibadium barbasco barbasco  
Clibadium heterotrichum guaco, huaca  
Clibadium schomburgkii kunambi  
Clibadium strigillosum guaco  
Clibadium surinamense conami    
Clibadium sylvestre Peru: guaco, huaca    
Clitoria amazonum barbasco  
Cusparia trifoliata cuspa  
Dahlstedtia pinnata goranatimbó  
Dahlstedtia sp. timbó  
Derris elliptica    
Derris guianensis Brasil: timbó-de-mata, timbó-rana, timbó cipó, timbó-açu, Guiana: hikuritarifon    
Derris negrensis timbó-guassis, timbó-rana  
Dipladenia illustris  
Enterolobium timbouva timbó-uba, timborá, orelha de preto  
Euphorbia caracasana  
Euphorbia cotinoides Brasil, Guiana: gunapalu; Brasil: leiteira, assucu-i; Caiena, Suriname: koenapaloe        
Gustavia augusta    
Gustavia brasiliana janiparandíba, japarandi, geniparana, japarandiba  
Hura crepitans Brasil: oassucu, aroeira, assacu, assaca; Peru: cataná; Venezuela: jabillo, ceibo blanco      
Ichthyothere cunabi cunabi, cunambi  
Ichthyothere terminalis galicosa, jarilla, dictamo real  
Indigofera lespedezioides timbó-mirim  
Jacaranda procera  
Jacquinia arborea barbasco  
Jacquinia aristata  
Jacquinia mucronulata barbasco, olivo, chilca, chirca  
Jacquinia revoluta  
Jacquinia sp. teterumballi  
Joannesia princeps anda, anda-açu  
Leguminosae sp. piracu-uba  
Lonchocarpus densiflorus Guiana: hairi, "bastard" hairi      
Lonchocarpus floribundus timbó venenoso  
Lonchocarpus nicou Brasil: timbó legítimo, timbó-macaquinho; Guiana: nicou, inekou, "real" hiaree, heirri; Peru: conapi, pacai, barbasco, kumu, cubé; Caiena, Suriname: neka          
Lonchocarpus rariflorus Brasil: taraira-moira; Guiana: fai, faia noroka    
Lonchocarpus rufescens Guiana: hairi      
Lonchocarpus urucu timbó urucu, timbó carajuru, timbó rouge  
Lonchocarpus violaceus Caiena, Suriname: nekoe, hojali    
Lupinus mutabilis tallhue  
Magonia glabrata tingui, timbó-açu  
Magonia pubescens tíngui, tingui-capeta  
Manihot esculenta    
Muellera frutescens hairiballi  
Odontadenia cururu cipó-cururu  
Pachyrrhizus angulatus  
Paullinia australis timbó, timbó-de-rio-grande  
Paullinia cupana guaraná  
Paullinia cururu cururu, cipó-cruape-branco  
Paullinia meliafolia timbó-peba  
Paullinia pinnata cururu-ape, mato-porco, cruape-vermelho, timbó-cipó  
Paullinia thalictrifolia jacatupé  
Phyllanthus cladotrichus herva de pombinha da serra  
Phyllanthus conami Brasil: conami, timbó-conabi; Guiana: bois a enivrer, tue poisson, conami; Caiena, Suriname: barbasco        
Phyllanthus piscatorum Brasil: tingui de peixe, tingui de pérou; Venezuela: barbascayo    
Piper spp. warakabakoro, tona  
Piscidia carthagenensis Brasil: timbó, timbó boticário; Venezuela: borracho, jebe, barbasco jaune.    
Polygonum acre Brasil: herbe de bicho, catayo; Argentina: caatay; Paraguai: yerba picanta, yerba del diablo      
Polygonum glabrum barbasco, chiguiera  
Pothomorpha peltata duburibanato  
Pyranhea trifoliata piranha-úba, pyranheira, pirandúba  
Ruprechtia laurifolia timpa-peba, timbubaba  
Sapindus saponaria Brasil: quiti, maca-acaipú, casita, jaquitir-guassú; Peru: sullucu    
Serjania acuminata timbó de peixe, tombo legítimo  
Serjania communis timbó-meudo  
Serjania cuspidata timbó-capelludo  
Serjania dentata timbó-de-restingas  
Serjania erecta timbó bravo, cipó de timbó, turari  
Serjania glabrata Brasil: tamuja; Peru: verap    
Serjania ichthyctona timbó, timbó de peixe  
Serjania inebrians barbasco      
Serjania lethalis Brasil: cipó de timbó, mata fome, pehko; Bolívia: pehko, sacha.    
Serjania noxia timbó de leite  
Serjania paucidentata abaho  
Serjania piscatoria tingi, tingui de peixe  
Serjania purpurascens timbó vermelho  
Serjania pyramidata casire  
Serjania rubicaulis verap  
Serjania ruta verap  
Serjania serrata timbó de peixe  
Serjania spp. hebechiabo, kotupurru  
Talisia esculenta pitombeira  
Talisia squarrosa white moruballi  
Tapura guinensis bois de golette  
Tephrosia cinerea Guiana: sinapou; Venezuela: barbasco blanco    
Tephrosia nitens timbó-caa, ajare  
Tephrosia toricaria Brasil: timbó-ubá, onabouboue, anil bravo, timbó-de-caiena; Peru: cubé, barbasco; Suriname, Caiena: wanamoe, doekali; Venezuela: barbasco de raiz, kouna; Colômbia, Equador: barbasco; Guiana: counami, yarro conalli                  
Thevetia ahouai agai, ahoui-mirim  
Thevetia peruviana (sin. Thevetia neriifolia) Brasil: ahoui-guaçu, jorro-jorro; Venezuela: caruache, cascabel, lechero, cruceta real  
Thinouia paraguayensis  
Tripterodendron felicifolium farinha seca  
Tupa feuiilei    

Ver também editar

Referências

  1. Eduardo de Almeida Navarro (2013). Dicionário de tupi antigo. [S.l.]: São Pauloː Global. 478 páginas 
  2. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 1 676.
  3. Música: Canoeiro, composição: N. Caporrino e Zé Carreiro, intérpretes: Tonico e Tinoco.
  4. Heizer, Robert F. . Venenos de pesca in: Ribeiro Darcy (Ed.) Suma etnológica brasileira, Edição atualizada do Handbook of South American indians (3 v) Vol. 1 Etnobiologia. RJ, Vozes, FINEP, 1986
  5. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa corresponde (3ª. edição) SP, Editora Positivo, 2004
  6. NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 478.
  7. a b c d NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 477.
  8. Plantamed - plantas_suspeitas
  9. Austin, Daniel F. (2004). Florida Ethnobotany. CRC Press. pp. 514–515. ISBN 978-0-8493-2332-4.
  10. a b c d e f CAVALCANTE, Messias Soares. Comidas dos Nativos do Novo Mundo. Barueri, SP. Sá Editora. 2014, 403p.ISBN 9788582020364
  11. SILVA, Alcionilio Bruzzi Alves da 1901-1987. A civilização indígena dos Uaupés. São Paulo, Linográfica Editora 1962, 496 p.
  12. a b REVISTA DE ATUALIDADE INDÍGENA. O pão da selva. p. 14-20. In: Revista de Atualidade Indígena. Brasília, Fundação Nacional do Índio. 1976, ano I, nº 1, 64p.
  13. POVOS INDÍGENAS NO BRASIL. Piscicultura indígena no alto rio Negro. Pesca. Métodos de pesca. s/data. Consulta em 29/08/2012
  14. GUMILLA, Joseph 1686-1750. El Orinoco ilustrado, y defendido, historia natural, civil y geographica de este gran rio, y sus caudalosas vertientes, govierno, usos y costumes de los índios sus habitadores. Madrid, Manuel Fernandez. 1745, Tomo Segundo, Segunda Impressión. 428 p.
  15. POVOS INDÍGENAS NO BRASIL (S/DATA). Deni. Atividades produtivas. Disponível em http://pib.socioambiental.org/pt/povo/deni/478 Consulta em 28/08/2012.
  16. PEREIRA, Manuel Nunes 1892-1985. Moronguêtá: um Decameron indígena. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1980, 2ª Ed.; vol. 1. P. 1-434.
  17. PEREIRA, Nunes 1892-1985. Panorama da alimentação indígena: Comidas, bebidas & tóxicos na amazônia brasileira.Rio de Janeiro, Livraria São José 1974. 412 p.
  18. DANIEL, João 1722-1776. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. 2004, Vol. 1, 600 p. Rio de Janeiro, Contraponto
  19. Heizer, Robert F. 1986. Venenos de pesca. In: Ribeiro, Darcy (editor); Ribeiro, Berta G. (coord.). Suma Etnológica Brasileira, Vol. 1: Etnobiologia, p. 95-99. Petrópolis: Vozes, Finep.