Usuário(a):Felipe Asensi/Audiência pública da saúde

Gilmar Mendes

A Audiência Pública da Saúde, convocada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal à época, Gilmar Mendes , ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009, nos termos do artigo 13, XVII do Regimento Interno do STF:

[1]

Foram ouvidos os depoimentos de 53 participantes na expectativa de se trazer a sociedade civil e os diversos setores estatais com experiência e interesse em saúde para um debate. O objetivo era o de chegar a critérios técnicos que pudessem guiar a atuação dos magistrados nos julgados posteriores sobre o tema. Na Audiência Pública foram discutidos muitos pontos, dentre eles: a) A responsabilidade solidária dos entes da federação em matéria de saúde; b) a falta de expertise técnica do juiz ao deferir ou não determinada medida; c) a obrigação do Estado em fornecer medicamento não previsto nas listas do SUS; d) a obrigação do Estado em disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA.


Contexto Histórico

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A Constituição de 1988 modificou o entendimento restritivo à saúde, que regia até então no período militarista, conferindo ao tema um capítulo exclusivo e o universalizando como “direito de todos e dever do Estado”[2].

Além disso, o artigo 5º, XXV dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Estes dispositivos, bastante amplos e garantistas, tornam da saúde um direito que exige um grande fazer do Estado, como o fornecimento de medicamentos ou a prestação de serviços, para cumprir com o que está positivado. Como diz Maria Goretti Dal Bosco, “o cidadão não é apenas mais um mero espectador das realizações do poder público” [3] . Entretanto, isto faz com que o Estado se comprometa a suportar necessidades médicas da sociedade, antes não existentes, e a compatibilizá-las com os escassos recursos públicos. Desta forma, a necessidade de critérios técnicos que permeiem esta decisão de alocamento de recursos ganha muita importância. Além disso, o grande número de litígios referentes ao tema tramitando no Judiciário [4] faz com que o juíz tenha que lidar com situações das quais ele não possui o conhecimento técnico para decidir. Não se pode esperar de um juíz, por exemplo, que ele saiba qual é o melhor medicamento a ser concedido em um determinado caso. A Audiência Pública da Saúde no STF, portanto, ao ouvir uma parcela da sociedade, pode ajudar na formulação de parâmetros a serem seguidos pelo Judiciário.

Comparação às outras Audiências Públicas realizadas no STF

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126 indivíduos[5] enviaram pedidos de participação na Audiência ao STF, que, devido à limitação temporal, selecionou 53 dentre estes. A lista daqueles que pediram não foi divulgada, o que impossibilita qualquer análise do critério utilizado para a seleção. Comparada às outras, a Audiência da Saúde foi aquela com o maior número de participantes. Compareceram quarenta e três na ADPF 186 (cotas raciais em universidades públicas), trinta e nove na ADPF 54 (fetos anencéfalos), trinta e seis na ADI 3937 (amianto), trinta na ADIN 4103 (Lei Seca), dezessete na ADI 3510 (células tronco) e onze na ADPF 101 (pneus reciclados). Por consequência disso, foi também a que durou mais dias: foram necessários seis dias para acomodar todos os participantes. As demais foram realizadas em: quatro dias para a ADPF 54, três dias para a ADPF 186, dois dias para a ADIN 4103 e para a ADI 3937, e a ADPF 101 e ADI 3510 ocorreram em um único dia.


Participação Institucional em Saúde

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A participação social em saúde é um princípio que rege o direito à saúde no Brasil. No âmbito do Sistema Único de Saúde, por exemplo, ele está positivado no artigo 198,III[6] da Constituição Federal. Há também dispositivos genéricos prevendo a participação em todos assuntos públicos, como o artigo 23.1 ‘a’ do Pacto de San José da Costa Rica (Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades: a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos), assim como o artigo XXI da Declaração dos Direitos Humanos, que possui redação similar.

Esta participação, institucionalizada no Estado, pode ser dar por três maneiras distintas: através de Conselhos de Saúde, Conferências de Saúde e Audiências Públicas. As duas primeiras espécies são tidas como mecanismos habituais, além de estarem consagradas no artigo 1º da Lei 8142/90. Os Conselhos são de caráter permanente e deliberativo e atuam na formulação e execução das políticas de saúde. São compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários. Cabe ressaltar que a representação da Sociedade Civil no Conselho deve ser paritária em relação aos órgãos públicos. Já as Conferências, existentes desde a Era Vargas, se dão por meio de eventos em que a Sociedade Civil, de quatro em quatro anos, se reúne para decidir políticas públicas de saúde. Até o momento ocorreram 14 Conferências Nacionais de Saúde, havendo a última delas ocorrido em 2011, sobre o tema “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social - Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro” e convocada via Decreto da Presidente Dilma Rousseff[7] . As Audiências Públicas, entretanto, representam uma inovação do Judiciário.

Restrições da Audiência

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Ao adentrar nas dependências do Supremo Tribunal Federal, os participantes da Audiência Pública da Saúde tiveram de obedecer às exigências formais quanto a vestimenta. Dispõe o artigo 16 da Ordem de Serviço nº 11/99, do Diretor-Geral da Secretaria do STF: Art. 16. Não são permitidos, a qualquer título, o ingresso e a permanência nas dependências do Tribunal de pessoas com trajes em desacordo com o cerimonial, a formalidade e o caráter solene da Corte, ou que sejam atentatórios ao decoro. As restrições se aplicam a todas as Audiências Públicas realizadas no Supremo, e já fez com que, na Audiência Pública sobre políticas de ação afrimativa, realizada em 2010, alguns cidadãos fossem impedidos de acompanhar o primeiro dia de audiência, fato que foi inclusive noticiado no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, reafirmando a necessidade de seguir estas normas. Não há, entretanto, nenhum relato quanto a alguém impedido de acompanhar a Audiência Pública da Saúde por esta razão.

Além disso, houve restrição quanto à possibilidade de fala daqueles que integravam a platéia. Os cinquenta e três participantes tinham a oportunidade de falar por no máximo quinze minutos, não podendo os ouvintes questioná-los ou debatê-los. Esta forma diverge da distinção feita por Agustín Gordillo entre as Audiências Públicas e as Sessões Públicas, visto que o autor afirma que a última se dá de forma passiva, onde a platéia apenas assiste o que está sendo apresentado, enquanto nas audiências a coletividade é parte interessada e ativa [8] . Isto exclui a possibilidade de diálogo entre a platéia e os palestrantes, o que serviria para integrá-los e sofisticar o que se está discutindo com perguntas e opiniões divergentes.

Programa da Audiência

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27 DE ABRIL DE 2009 – SEGUNDA-FEIRA: O ACESSO ÀS PRESTAÇÕES DE SAÚDE NO BRASIL – DESAFIOS AO PODER JUDICIÁRIO Abertura: Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes

Presidente do Congresso Nacional;

Procurador-Geral da República;

Advogado-Geral da União;

Dr. Leonardo Lorea Mattar, Defensor Público-Geral da União em exercício;

Dr. Alberto Beltrame, Secretário de Atenção da Saúde do Ministério da Saúde;

Representante da OAB;

Representante da Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB;

Professor Ingo Wolfgang Sarlet.

28 DE ABRIL DE 2009 – TERÇA-FEIRA: RESPONSABILIDADE DOS ENTES DA FEDERAÇÃO E FINANCIAMENTO DO SUS

Presidente do CNS;

Presidente do CONASS;

Presidente do CONASEMS;

Edelberto Luiz da Silva, Consultor Jurídico do Ministério da Saúde;

Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas;

Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro;

Fórum Nacional dos Procuradores-Gerais das Capitais Brasileiras;

Representante da FIOCRUZ;

Dr. André da Silva Ordacgy, representante da Defensoria Pública-Geral da União

29 DE ABRIL DE 2009 – QUARTA-FEIRA: GESTÃO DO SUS – LEGISLAÇÃO DO SUS E UNIVERSALIDADE DO SISTEMA

Dr. Adib Domingos Jatene, Ex-Ministro da Saúde e Diretor-Geral do Hospital do Coração em São Paulo;

Associação Nacional do Ministério Público de Contas;

Defensoria Pública do Estado de São Paulo;

Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde;

Confederação Nacional dos Municípios;

Ana Beatriz Pinto de Almeida Vasconcellos, Gerente de Projeto da Coordenação Geral da Política de Alimentos e Nutrição do Departamento de Atenção Básica;

Cleusa da Silveira Bernardo, Diretora do Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas;

Alexandre Sampaio Zakir, representante da Secretaria de Segurança Pública e do Governo de SP.

4 DE MAIO DE 2009 – SEGUNDA-FEIRA: REGISTRO NA ANVISA E PROTOCOLOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO SUS Diretor-Presidente da ANVISA;

Presidente do Conselho Federal de Medicina;

Grupo Hipupiara Integração e Vida;

Paulo Marcelo Gehm Hoff, representante da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e da Faculdade de Medicina da USP;

Paulo Dornelles Picon, representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre;

Claudio Maierovitch Pessanha Henrique, Coordenador da Comissão de Incorporação de tecnologia do Ministério da Saúde;

Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul;

Centro de Estudos e Pesquisa de Direito Sanitário;

Leonardo Bandarra, Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal

6 DE MAIO DE 2009 - QUARTA-FEIRA: POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE – INTEGRALIDADE DO SISTEMA

Maria Inês Pordeus Gadelha, Consultora da Coordenação–Geral de Alta Complexidade do Departamento de Atenção Especializada;

Jorge André de Carvalho Mendonça, Juiz da 5ª Vara Federal de Recife;

Colégio Nacional de Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e Territórios;

Associação Brasileira de Grupos de Pacientes Reumáticos;

Conectas Direitos Humanos;

Associação Brasileira de Amigos e Familiares de Portadores de Hipertensão Arterial Pulmonar;

Raul Cutait, Professor Associado da Faculdade de Medicina da USP, Médico Assistente do Hospital Sírio Libanês, Ex-Secretário de Saúde do Município de São Paulo

7 DE MAIO DE 2009 – QUINTA-FEIRA: ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA DO SUS

Associação Brasileira de Mucopolissacaridoses;

Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose;

Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica;

José Aristodemo Pinotti, Professor Titular Emérito da USP e Unicamp, Ex-Reitor da Unicamp e Ex-Secretário de Saúde do Estado de São Paulo;

José Miguel do Nascimento, Diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica;

Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos;

Presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica;

Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero - ANIS;

Ministro José Gomes Temporão, Ministro da Saúde

Dados Gerais sobre a Representatividade

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A partir da lista divulgada no sítio do STF com a relação de palestrantes habilitados para a Audiência Pública[9] , é possível categorizá-los para verificar a representatividade de determinados segmentos da sociedade no evento.

Dentre os cinquenta e três participantes, trinta e seis eram vinculados à União (68%), catorze a Estados (26%) e três a Municípios (6%). Os autores Igor Ajouz e Vanice Valle criticam este dado no artigo “A concretização do direito fundamental à saúde: passos orientados pela Audiência Pública no.4 no Supremo Tribunal Federal”, pois afirmam que os Estados e Municípios possuem deveres de execução no SUS, e não de coordenação e gestão, como a União, e por isso estariam mais aptos a testemunhar sobre a realidade concreta. Logo, para os autores, os dois entes da Federação deveriam estar mais presentes na Audiência.

Além disso, é possível visualizar que alguns médicos contribuíram com as suas opiniões na Audiência, o que é importante pois eles possuem expertise técnica para falar sobre o assunto. Entretanto, não foram ouvidos outros profissionais da área médica como fisioterapeutas, assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros.

Sete dos cinquenta e três expositores falaram em nome de regiões do Brasil: três em nome do Sudeste, dois do Centro-Oeste, um do Sul, um do Norte e nenhum do Nordeste.

A distribuição de palestrantes entre membros do Poder Público e da Sociedade Civil foi de 31 (58%) e 22 (42%), respectivamente.

Reflexos da Audiência após a sua realização

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Recomendação nº 31 do CNJ

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A Recomendação nº 31 do CNJ [10] , editada no ano seguinte à realização da Audiência Pública de Saúde no STF, a cita expressamente em determinados trechos, tecendo recomendações aos Tribunais brasileiros de forma a melhor julgar em saúde. O documento dispõe, dentre as razões para sugerir determinadas medidas:

“CONSIDERANDO que ficou constatada na Audiência Pública nº 4, realizada pelo Supremo Tribunal Federal para discutir as questões relativas às demandas judiciais que objetivam o fornecimento de prestações de saúde, a carência de informações clínicas prestadas aos magistrados a respeito dos problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas; (...)

CONSIDERANDO a menção, realizada na Audiência Pública nº 04, à prática de alguns laboratórios no sentido de não assistir os pacientes envolvidos em pesquisas experimentais, depois de finalizada a experiência, bem como a vedação do item III.3, "p", da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde; (...)

CONSIDERANDO que, na mesma audiência, diversas autoridades e especialistas, tanto da área médica quanto da jurídica, manifestaram-se acerca de decisões judiciais que versam sobre políticas públicas existentes, assim como a necessidade de assegurar a sustentabilidade e gerenciamento do SUS;”

Em seguida, recomenda, por exemplo, a não concessão de medicamentos que não integrem a lista autorizada pela ANVISA , tema discutido na Audiência.

Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175

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Outro efeito pós-Audiência pode ser visto no voto do Ministro Gilmar Mendes, na Suspensão de Tutela Antecipada no. 175 [11] , em que ele declara: “Passo então a analisar as questões complexas relacionadas à concretização do direito fundamental à saúde, levando em conta, para tanto, as experiências e os dados colhidos na Audiência Pública – Saúde, realizada neste Tribunal nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.”

Entre seus argumentos, o Ministro sustenta que o Estado não pode ser condenado a fornecer tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia), tema também discutido na Audiência. Ele argumenta: “Como esclarecido, na Audiência Pública da Saúde, pelo Médico Paulo Hoff, Diretor Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o SUS a custeá-las.”

Fórum Nacional de Saúde

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Também a partir dos resultados da Audiência, foi instituído o Fórum Nacional de Saúde, através da Resolução n. 107 do CNJ [12], de 06 de abril de 2010. A Resolução, que também cita a Audiência expressamente, descreve as atribuições do Fórum, que serve para monitorar as demandas de assistência à saúde, podendo elaborar estudos e propor medidas normativas para aperfeiçoar procedimentos, reforçar a efetividade dos processos judiciais e prevenir novos conflitos.

Referências

  1. Artigo 13 da Regimento Interno do STF.
  2. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
  3. Bosco, Maria Goretti Dal, Audiência Pública como direito de participação, pg. 137.
  4. Número de processos relativos à área de saúde em tramitação passa de 240 milÚltima Instância.
  5. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=105974
  6. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: III - participação da comunidade.
  7. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Dsn/Dsn13025.htm
  8. Gordillo, Augustín, Tratado de Derecho Administrativo, 3º Ed. Buenos Aires: Fundacíon de Derecho Administrativo, 1998, pg. XI-1.
  9. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Despacho_de_habilitacao2.pdf
  10. http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/322-recomendacoes-do-conselho/12113-recomendacao-no-31-de-30-de-marco-de-2010
  11. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/sta175.pdf
  12. http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12225-resolucao-no-107-de-06-de-abril-de-2010