Usuário(a):Tetraktys/Verificabilidade em questão

Um dos princípios fundamentais da Wikipédia, consagrado no primeiro dos Cinco Pilares, o grupo de normas fundadoras deste projeto, diz que na construção de artigos é vedada a pesquisa inédita:

"A Wikipédia não é local apropriado para inserir opiniões, teorias ou experiências pessoais. Todos os editores da Wikipédia devem seguir as políticas que não permitem a pesquisa inédita e procurar ser o mais rigorosos possível nas informações que inserem".

Uma consequência natural deste interdito é a necessidade de se citar as fontes usadas no texto, pois se não podemos inserir ideias "nossas", todo o material deve ser de origem alheia, e se usamos material alheio sem dizer de onde ele procede, não estamos sendo rigorosos e estaremos cometendo plágio, um crime intelectual punido pela lei e expressamente proibido pelo Terceiro Pìlar da Wikipédia:

"As suas contribuições também não devem violar nenhum copyright" (direito autoral).

Simples assim. A necessidade de referenciar também está consagrada no Segundo dos Cinco Pilares:

"A Wikipédia rege-se pela imparcialidade, o que implica que nenhum artigo deve defender um determinado ponto de vista. Por vezes torna-se necessária a apresentação dos diversos pontos de vista sobre um dado tema, o que deve ser feito de forma precisa e contextualizada. Implica igualmente justificar verbetes com fontes reputadas sempre que necessário, sobretudo em casos relacionados com temas controversos".

O Livro de Estilo explica o motivo de tudo isso:

"Citar fontes... auxilia a encontrar mais informação. Se você consultar uma fonte externa ao escrever um artigo, citá-la é honestidade intelectual básica... Isto se aplica mesmo quando a informação é atualmente incontestável — mesmo se não há debate agora, alguém pode aparecer em cinco anos e querer discutir, verificar, ou aprender mais sobre o tópico".

Finalizando, a política oficial de verificabilidade atualmente em vigor (em abril de 2013) é categórica em exigir fontes para a integralidade de qualquer coisa escrita na Wikipédia, e acrescenta que isso se relaciona a outras questões fundamentais. Sendo uma política oficial, obedecê-la não é uma opção, é um imperativo. Diz o texto:

"Verificabilidade significa que pessoas lendo e editando a enciclopédia podem checar se a informação provém de uma fonte fiável. A Wikipédia não publica pesquisa inédita; todo seu conteúdo é determinado pela informação previamente publicada ao invés de se basear apenas nas opiniões, crenças e experiências de seus editores. Mesmo se você tem certeza de que algo é verdadeiro, isto deve ser verificável através das fontes da informação antes de você adicioná-lo.
"O princípio da verificabilidade é uma das três diretrizes de conteúdo da Wikipédia. As outras duas são o princípio da imparcialidade e o princípio de não-incorporação de pesquisas inéditas. Conjuntamente, estas diretrizes determinam o tipo e a qualidade do material que é passível de publicação no domínio principal da Wikipédia. Considerando que estas três diretrizes são mutuamente complementares, elas não devem ser interpretadas isoladamente e os editores devem, portanto, familiarizar-se com todas as três".

Mas muitas pessoas que trabalham aqui, provavelmente a maioria, não concordam com isso, como prova uma recente pesquisa de opinião. O tema é um dos mais recorrentes da Wikipédia e tem gerado debates ácidos e desgastantes. Alega-se várias razões para não referenciar tudo. Diz-se principalmente que as fontes só são necessárias onde o material é controverso ou possa a vir ser contestado, e que se torna ridículo exigir uma fonte para asserções do tipo "o céu é azul". Mas o céu nem sempre é azul. Olhe-o de dia e olhe-o de noite e verá dois céus completamente diferentes. Só isso já relativiza a asserção apresentada como sendo um óbvio ululante e uma verdade absoluta. Dificilmente um tópico de qualquer natureza poderá ser apresentado como um artigo enciclopédico sem um desenvolvimento que o afasta da obviedade já na segunda metade da primeira frase. O óbvio e o trivial precisam de explicação técnica para merecerem permanecer num artigo enciclopédico. Daí que as fontes são necessárias sempre e inescapavelmente.

Outros entendem verificabilidade em sentido abstrato, imaginando que um artigo pode ser considerado legitimamente verificável se seu conteúdo constar em algum livro especializado, supondo que ele exista em alguma biblioteca do planeta, mas não precisamos citar em nosso texto qual livro é. Esta lógica presume que certamente haverá algum livro que justifique qualquer coisa que possa estar escrita sobre o tema em questão. OK, gente... isso é o sonho do possível e do fortuito, é o borboletear da alma e seus desejos inconsequentes em sua primavera edênica, e não trabalho intelectual concreto, metódico e sério, vamos combinar....

Outros alegam que o projeto não tem um fim definido, é dinâmico e está em crescimento perpétuo, e se hoje um artigo está mal referenciado amanhã pode chegar uma alma caridosa e colocar as fontes onde elas não existem. Além disso, a política de edição admite o estado de perene incompletude dos artigos. Mais uma vez é um argumento fraco, pois a complementação frequentemente nunca acontece e possivelmente nunca acontecerá, com o resultado de existirem centenas e centenas de artigos criados nos primórdios da Wikipédia mas que permanecem sem fontes até hoje. Já ouvi dizer que a ideia se compara àqueles restaurantes que possuem uma cozinha aberta, que todos podem visitar e até acompanhar a preparação de seus pratos, mas não é a mesma situação. Não comemos o arroz e o feijão crus, ou enquanto estão cozinhando, e sim pratos prontos e organizados. O leitor que chega aos artigos da Wikipédia possivelmente pensa que o que encontra é o prato feito, e está certo em pensar assim, pois as publicações do mundo não lhes oferecem apenas esboços e rascunhos, mas de fato o que ele lê é um produto cru ou mal cozido, e por isso provavelmente sairá da enciclopédia com indigestão mental. Algumas tags de manutenção usadas em artigos incompletos dizem ainda que as fontes são necessárias "quando necessárias", mas ninguém até hoje definiu o que significa esse "quando necessário". Ora, quando uma fonte não seria necessária, uma vez que a Wikipédia proíbe formalmente a pesquisa inédita e o plágio? E admira que se usem meras tags como parâmetro decisório quando o que dizem confronta a política oficial específica sobre verificabilidade e a recomendação oficial do Livro de Estilo! Na prática, usa-se a política de edição para justificar o menos, quando a política de verificabilidade pretende produzir o mais. Como a política de edição admite isso, a rigor não está "errado" seguir esta prática, em termos regulamentares. O conflito, então é basicamente esse: quem tem a razão maior (porque ambos os lados a têm em alguma medida no contexto do nosso corpo de regras), ou seja, qual prática que vale mais e produz melhores frutos. É um conflito, no fim, moral. Ou seja, se você quer fazer uma porcaria, pode, está autorizado. Mas cá pra nós, é isso o que você quer fazer, sinceramente? Ser conhecido como um porcalhão, um inútil ou um estorvo? Saber que garantidamente vai prejudicar alguém com a sua porcaria, seja em termos de dar trabalho para consertar ou enganando o leitor com conteúdo duvidoso? Além do mais, mesmo que esteja autorizado, ou seja, pode, outras políticas colocam imperativamente que se busque incessantemente o melhor, ou seja, deve fazer o contrário do pode.

Entre pode e deve há um mar de diferença. Sempre é bom lembrar que quando estamos só meio certos, estamos também meio errados. Mas é sempre melhor estar 100% certo, não é mesmo? A única saída para conseguir isso é seguir a política de verificabilidade. A política de edição não vai ser violada se você seguir só a outra, mas a de verificabilidade vai ser violada se você só seguir a de edição. Lembremos que a política de verificabilidade obriga, mas a de edição apenas permite que as coisas sejam feitas aos pedaços, e não obriga. A própria política de edição admite que o objetivo central é a qualificação, e não o eterno caos: "É maravilhoso quando alguém inclui na Wikipédia um artigo completo, bem escrito e em versão final. Isto deveria ser encorajado sempre". Ou seja, quem defende a laxidão amparando-se na permissividade da política de edição está meio errado, pois despreza a outra, que no entanto também é política oficial. Só não enxerga isso quem não quer. Não esquecemos o fato de que os artigos da Wikipédia, pela natureza dinâmica do projeto, podem ser editados continuamente. Ou seja, os artigos nunca estão prontos. Alguém poderia dizer que isso invalida a política de verificabilidade, pois enquanto um artigo vai sendo construído ele necessariamente aparece aos pedaços, imperfeitamente, até chegar a uma situação aceitável. Mas também aqui há linhas melhores e piores de interpretação e de ação. O problema é justamente encarar um problema natural passageiro como uma situação permanente. Não é preciso um tratado. Ninguém exige isso. Um pequeno resumo serve. Mas mesmo este resumo deve ser coerente, bem escrito, bem pesquisado e bem referenciado. Isso é o que prega a política de verificabilidade. A quantidade de informação apresentada não tem nada a ver com sua qualidade e com a forma como ela é apresentada. A ideia é dar ao público pelo menos um material mínimo decente em primeiro lugar, e depois se pode descansar e aperfeiçoá-lo com calma, de acordo com as possibilidades. A política de verificabilidade não exige a perfeição, e muito menos a perfeição imediata, porém exige que se você for dar o seu pitaco num artigo, mesmo que seja pequeno, deve fazê-lo seguindo certas regras, para que o seu pitaco se torne informação útil para o público, e não permaneça para sempre um simples pitaco inconsequente que não merece nenhuma credibilidade. Mas pensar o trabalho desde o início como eternamente incompleto e "autorizadamente" tosco - e por isso podemos ir jogando coisas ao léu uma vez aqui e outra daqui a cinco meses, e deixar a organização de tudo para o dia do Juízo Final, de preferência para os otários que se preocupam com coisas insignificantes como referências -, pensar que apresentar em público um produto eternamente capenga é filosofia aceitável para uma enciclopédia, e não pensar em qual proveito real o público vai tirar de um trabalho eternamente desengonçado e de fiabilidade duvidosa, tudo isso pode ajudar o editor relaxado e os ingênuos, mas não ajuda o leitor. Então, é preciso lembrar para quem nós trabalhamos: para nosso prazer ou para a educação do público.

Além de oferecer textos imperfeitos e duvidosos para o público, essa atitude tem o resultado de complicar o trabalho de outros editores que desejam referenciar as lacunas, pois como saberão de onde foi retirado o material original para colocar as fontes correspondentes? Não saberão, e terão de achar outras, mas é impossível essas digam exatamente o que as omitidas diziam. Se o editor for realmente sério, terá de reformular todo o texto para adequá-lo às novas referências, não poderá colocar fontes que tratam dos tópicos apenas tangencialmente ou em outras abordagens. Isso significa que o trabalho anterior foi perdido, senão em sua inteireza, pelo menos em grande medida. Infelizmente, a prática cotidiana mostra que inúmeras vezes o que ocorre é que editores apressados e irresponsáveis encontrem fontes que falam "mais ou menos" o mesmo que o texto que encontram, se satisfazem com essas aproximações vagas, e as inserem no artigo, fazendo-o parecer que está bem referenciado, quando está na verdade muito mal referenciado, incorrendo em outra forma de fraude.

Também aparecem argumentos que se fundam em tecnicalidades e não atacam o mérito do problema, e por isso são descartáveis, pois aqui o mérito tem todo o mérito. Quem não tiver melhor coisa a fazer e quiser geralmente se aborrecer mas às vezes até dar risada consulte um exemplo típico da enorme controvérsia que ainda cerca o tema, uma das últimas grandes discussões a respeito. Ou esta, anterior e ainda mais patética. Existem até ensaios para agradar gregos e troianos.

Para além das polêmicas artificiosas cultivadas pelos diletantes, o que é fato é que a necessidade da citação de fontes é um consenso entre a comunidade científica e acadêmica internacional, pois sem isso caímos ou no plágio ou na pesquisa original, fazendo de nós mais uma central de fofocas não comprovadas do que uma publicação de referência fidedigna. Fernando Ferreira-Santos, PhD e pesquisador assistente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, resumiu belamente o problema:

Trabalhe apenas sobre boas fontes! E cite as fontes!
Pintura de Carl Spitzweg: O "rato de biblioteca", c. 1850. Coleção Georg Schäfer
"Actualmente a investigação científica é um empreendimento generalizado, praticado por milhares de pessoas em todo o mundo e, para gerir esse grande sistema de produção de conhecimento, foram criados sistemas especializados de divulgação e publicação dos resultados de investigação, bem como de citação e referência dessas publicações. Estes sistemas de publicação permitem garantir a qualidade das publicações científicas .... Por sua vez, a sistematização das citações bibliográficas mantém o respeito pela autoria dos textos e ao mesmo tempo facilita a pesquisa e a navegação por entre o grande número de publicações científicas existentes. Assim, quando na redacção do nosso próprio trabalho citamos um artigo ou livro científico estamos a dar crédito aos investigadores citados pela sua ideia ou descoberta e ao mesmo tempo estamos a dar informação aos nossos leitores sobre outras obras, para além do nosso trabalho, que tratam de temas semelhantes. Se, por outro lado, utilizamos ideias publicadas por outros investigadores no nosso trabalho sem referenciar a fonte e o autor original dessas ideias estamos a desrespeitar essa autor e a enganar os nossos leitores, levando-as a pensar que aquelas ideias são nossas, sendo este um acto de plágio.
"Visitando o site Google Scholar, portal académico da Google, deparamo-nos com o lema do portal: Stand on the shoulders of giants. A associação desta expressão ao empreendimento científico remonta, pelo menos, ao matemático e físico Sir Isaac Newton, que acerca do seu próprio trabalho científico escreveu 'Se vi mais longe, foi porque estava sobre os ombros de gigantes'. Esta expressão traduz o processo de progresso do conhecimento científico: as novas descobertas só são possíveis porque os cientistas de hoje se apoiam nos 'ombros' (i.e., nas descobertas e nos escritos) dos cientistas que os precederam. E a citação das obras destes 'gigantes' que nos precederam é a forma de continuar a tradição de honestidade intelectual que pauta a história da ciência".[1]

Paulo Peixoto, PhD, pesquisador e professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, respondeu à pergunta "Para que serve uma referência bibliográfica?" da seguinte maneira:

"Reconhece o mérito do autor do texto consultado. Trata-se, acima de tudo, de uma questão de honestidade intelectual e, frequentemente, de uma responsabilidade deontológica pautada pela não apropriação indevida do trabalho dos outros... Confere maior credibilidade àquilo que o autor escreve, pois denota a sua preocupação em consultar o trabalho daqueles que escreveram sobre o mesmo tema. Sempre que se trata da utilização de uma fonte reconhecida, vista como uma autoridade nesse campo, reforça essa mesma credibilidade. Para quem lê, a citação permite identificar as ideias e informações da autoria de quem escreve e aquelas que são retiradas ou inspiradas em outras fontes. Permite a quem lê localizar, confirmar e explorar a fonte de onde foi extraída a informação. Funciona como espécie de 'memória auxiliar' para o autor, permitindo-lhe o seu uso posterior".[2]

O Guia de Referenciação da Universidade de Harvard, uma das mais prestigiosas academias do mundo, declara que o propósito de se fornecer referências é "permitir que os leitores do documento encontrem as fontes originais e aprendam mais sobre algum aspecto que o autor possa ter mencionado apenas brevemente no documento, e reconhecer a propriedade intelectual de outrem e assim evitar a possibilidade de ser acusado de plágio".[3] A Universidade de Oxford, outra instituição de prestígio universal, definiu plágio como a cópia ou mesmo a simples paráfrase de ideias alheias sem o pleno e devido reconhecimento da autoria.[4] E diz mais:

"Plágio é uma quebra da integridade acadêmica. É um princípio de honestidade intelectual que todos os membros da comunidade acadêmica devam reconhecer seu débito para com os originadores das ideias, palavras e dados que formam a base do seu próprio trabalho. Passar o trabalho alheio como seu não apenas indica uma erudição pobre, mas também significa que você fracassou no processo de aprendizado completo. O plágio deliberado é antiético e pode ter sérias consequências para sua futura carreira, e também põe em dúvida o padrão da sua instituição e os graus que ela confere".[4]

Ao instruir os seus alunos, a Universidade recomendou:

"Você não deve evitar o plágio por temer as consequências disciplinares, mas porque você aspira produzir trabalho da mais alta qualidade. Uma vez dominados os princípios do uso de fontes e da citação, você achará relativamente fácil evitar o plágio. Além disso, você colherá os benefícios adicionais de melhorar tanto a clareza como a qualidade dos seus escritos. É importante entender que o domínio das técnicas da escrita acadêmica não é meramente uma habilidade prática, mas uma que garante credibilidade e autoridade ao seu trabalho, e demonstra o seu compromisso com o princípio da honestidade intelectual na pesquisa".[4]
"My name is Paste. Copy Paste"
(Meu nome é Cola. Copia e Cola). Protesto popular contra o Premier da Romênia, acusado de plágio em 2012,[5] usando a irônica frase cunhada pelo jornal The Economist.[6]

Seria ocioso procurar atestar o ponto com mais opiniões, pois são todas uma só entre quem faz pesquisa de ponta e está seriamente engajado na divulgação do conhecimento da maneira mais útil, justa e digna. A fraude descoberta é invariavelmente um vexame monumental para um cientista ou um acadêmico. Como comentou Marcelo Gleiser, renomado cientista, Pós-Doutor e professor de Física Teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), para a Folha de S.Paulo, "mentir em ciência é uma péssima ideia. Mais cedo ou mais tarde, a comunidade exporá a sua fraude e sua carreira estará arruinada".[7] Recentemente, o Premier romeno Victor Ponta se tornou o centro de um escândalo nacional ao ser acusado de plágio acadêmico,[6] e o Presidente da Hungria, Pál Schmitt, acusado do mesmo crime, perdeu não só a credibilidade e o título de Doutor, mas também o mandato presidencial.[8] O assunto, como se vê, tem uma importância superlativa sob todos os pontos de vista, e para todos os que têm a honestidade, a responsabilidade e a justiça entre seus ideais.

Quem discorda de que a citação de fontes é sempre necessária está espantosamente desatualizado, ou então só pode ser leigo, do qual não se pode esperar conhecimentos profundos em nenhum assunto técnico. E justamente por isso não é aceitável que um leigo se considere mais sábio do que o conselho unívoco de profissionais com séculos de experiência na construção e difusão de conhecimento qualificado. Desacreditar gratuitamente um sistema que levou o homem à Lua e lançou sondas além de Plutão, e povoa nossos dias com uma multidão de objetos e tecnologias e cultura e arte e conhecimentos utilíssimos sem os quais a própria Wikipédia como uma tecnologia de ponta e como um pretenso repositório do "saber universal" sequer existiria, só pode ser piada. É cuspir no prato que comeu e se achar o grande Messias. Diz Tom Simonite, escrevendo para a MIT Technology Review:

“Para muitos o projeto pareceu risível ou chocante. A Wikipédia herdou e abraçou as expectativas culturais de que uma enciclopédia deve ter autoridade, ser abrangente, e apoiar-se no espírito racional do Iluminismo. Mas ela jogou fora séculos de métodos aceitos para atingir tal objetivo. No modelo corrente [de construção do conhecimento], corpos consultivos, editores e colaboradores recrutados dentre os mais altos escalões intelectuais da sociedade elaboram uma lista de tudo o que vale a pena conhecer, e então criam os artigos necessários. A Wikipédia desprezou o planejamento centralizado e não exige expertise convencional. De fato, suas regras efetivamente desencorajam o trabalho dos especialistas, já que sua contribuição, como a de qualquer outro editor, pode ser reescrita em questão de minutos”.[9]

Não há escapatória se quisermos ser coerentes como uma proposta cultural educativa. Ora, uma boa educação, se quer merecer o nome, não pode ser feita desleixada ou amadoristicamente, pois além de isso tornar o texto duvidoso e comprometer sua utilidade, estabelece um mau exemplo para o leitor. Gostemos disso ou não, a Wikipédia provavelmente é um dos mais poderosos formadores de opinião do mundo, sendo o sexto website mais acessado em toda a internet.

A Wikipédia exige que as regras sejam obedecidas, busca ativamente o engajamento de editores eruditos e parcerias com universidades e escolas, e tudo isso tem o objetivo de qualificar o conteúdo, e não de complicar as coisas com umas regrinhas chatas, preciosistas e antiquadas que excluem o leigo da participação na construção deste projeto, só "porque sim". Esta impressão é outra impressão típica do leigo, que convém esclarecer: A participação do leigo é sempre bem-vinda quando procede dentro do que convém à escrita enciclopédica. Feliz ou infelizmente, isto aqui é uma enciclopédia, e uma enciclopédia é uma enciclopédia e não o feudo do personalismo, do boato sem procedência e da opinião pessoal. Se você quer que seja o seu feudo, por favor, volte para casa e crie um blog só seu onde você pode criar suas próprias regras como lhe bem parecer. Aqui, comportamentos obstinados contra as regras logo são punidos com o bloqueio do editor. É de lembrar o que Jimmy Wales declarou em 2006: “Não posso enfatizar isso suficientemente: Parece haver um terrível preconceito entre alguns editores de que especulações pseudo-informativas do tipo ‘ouvi dizer isso em algum lugar’ devem ser apenas marcadas com uma tag ‘carece de fontes’. Errado. Devem ser removidas agressivamente, a menos que possam ser referenciadas”.[10]

No entanto, ser leigo não é uma condição de casta, imutável. Assim que aprende, o leigo se "profissionaliza", e se quer participar frutiferamente na construção da Wikipédia apenas deve aprender como. Não é uma implicância pessoal, não é preconceito, nem é perseguição à livre iniciativa — "afinal", alguém poderia dizer, "e aquela frase que está lá em cima dizendo que 'todos podem editar?' " — é simplesmente o modo correto de se jogar este jogo. Você sabe que todo jogo tem suas regras, mas elas não anulam a diversão.

Há fortíssimas razões para se citar as fontes, listadas antes, e nenhuma consistente para não se citar — e todas estas acabam cedo ou tarde se revelando, apenas e tristemente, formas dissimuladas da preguiça, da presunção ou da ignorância. Se queremos fazer um trabalho de qualidade, como recomendam os doutores, um trabalho que seja útil para o público, que torne realmente este mundo um lugar melhor para se viver, e não seja um pântano de mal entendidos e conhecimentos duvidosos que induzem o leitor a tirar falsas conclusões e aprender coisas enganosas, precisamos sim citar as fontes, e sempre!

O aprendizado e o crescimento pessoal são muito mais fáceis, rápidos e seguros se aceitamos a instrução de mestres qualificados e seguimos seus conselhos.
Aula de Anatomia do Dr. Tulp, pintura de Rembrandt.

Além de tudo, seguir o conselho dos doutores, dos grandes que brilham sobre a cultura como faróis e estrelas, cujo mérito reconhecemos automaticamente ao usarmos seus trabalhos para fazermos o nosso, só pode fazer bem a quem deseja o autoaperfeiçoamento, a quem deseja aprender e se tornar melhor ao mesmo tempo em que trabalha, e a quem tem em mente que a Wikipédia pode ser entendida como uma bela oportunidade para o crescimento e transformação pessoal. O tempo que aqui se passa a editar é um curso intensivo de como viver em sociedade de forma útil, construtiva, educada, responsável, respeitosa e até vanguardista, e isso pode ser apaixonante e trazer grandes recompensas interiores. Mas nada disso é conseguido se nivelarmos nossos ideais e nossas práticas por baixo. Não podemos ser bons, e muito menos nos tornarmos melhores, fazendo coisas mal feitas, apressadas e até cometendo delitos. Isso não pertence à esfera do bem. Isso não é evidente o bastante? Não salta aos olhos? O engajamento precisa ser com o melhor, e não com o mais ou menos, não porque alguém manda ou mesmo porque está nas regras, mas simplesmente porque é a coisa certa a fazer. A sua própria imagem pública na comunidade, caro editor, também está em jogo, pois ela é construída pela qualidade das contribuições que der e pela conduta que demonstrar. Se não bastarem outros motivos, tire o seu da reta fazendo as coisas como mandam as políticas vigentes.

Nossa Visão é grandiosa: "Imagine um mundo onde cada ser humano possa compartilhar livremente na soma de todo o conhecimento. Esse é o nosso compromisso".[11] Mas não podemos entender esse "compartilhamento livre" como uma aceitação tácita da pesquisa original e do plágio. A Wikipédia protege formalmente direitos reconhecidos, entre eles, e principalmente, o direito autoral — está gravado nos Pilares. Nem devemos entender aquele compartilhamento "livre" como uma liberdade irrestrita para fazermos o que bem entendermos passando por cima de direitos alheios como bárbaros e sendo rigorosos só quando nos apetece. A despeito de tudo o que puderem dizer em contrário, e mesmo que a Wikipédia oficialmente não se responsabilize pelo conteúdo que apresenta, temos de reconhecer que nossa atividade tem um enorme impacto social, e que isso exige uma postura ética e responsável de nossa parte. Se você ainda não sabe, a Wikipédia está entre os dez sites mais acessados do mundo, com centenas de milhões de visualizações diárias em todas suas línguas,[12] com um público que é em grande parte escolar e vem a nós para aprender, sem ter condições mínimas de questionar ou criticar o que lê, aceitando tudo como se fosse verdade e formando sua opinião a partir do nosso material, sobre matérias as mais variadas e muitas vezes de importância verdadeiramente crucial em suas vidas, como temas culturais, sexuais, políticos, ambientais. Se isso não é exercer impacto social, o que será? E não podemos entender "conhecimento" como informações mal organizadas que ninguém sabe de onde foram tiradas e nem que solidez possuem. O uso de boas fontes assegura que as informações que transmitimos são próximas da verdade, e citá-las é a única forma verossímil de comprovar a solidez do nosso texto, se não fosse a mais básica boa educação, pois é como dizer-se "muito obrigado" a quem trabalhou duro anos a fio para que nós trabalhássemos para os outros com tanta facilidade e ainda aparecêssemos cobertos do glamour de um projeto cultural extravagantemente futurista, heroico, benemerente e de abrangência mundial. Tá de bom tamanho essa glória toda? Obviamente. Mas por favor, ajude-nos a merecê-la, e não seja mais um a dar motivos para aumentar a vasta lista de críticas que também justamente merecemos por deixarmos grande parte de nossos artigos ao deus-dará, baseando-nos apenas na futurologia e desconsiderando a qualidade do produto que apresentamos hoje, que é o que realmente conta.

Se a base desta ambiciosa "súmula do conhecimento humano" for fraca, o edifício não pode perdurar. Me parece que a Wikipédia, para deixar um legado consistente e duradouro, deve fazer reforma urgente em suas prioridades, senão se tornará no futuro apenas objeto de estudo, como um fenômeno global impactante do século XXI, mas não ficará como uma obra de referência por direito próprio, mesmo que hoje ela esteja superando popularmente a Britannica e outras. Mas isso tem muito de moda e de facilidades circunstanciais. É um risco extremamente significativo o que corremos. Com a maior probabilidade, na hora de recomendar a seus alunos o que consultar, o professor do século XXII ou XXIII dirá, como já diz agora, que nossa fonte é em geral de baixa qualidade e o estudante deve preferir outras.

Quem não quer referenciar seu texto pode encontrar quaisquer desculpas para se esquivar da responsabilidade de escrever direito para um público tão vasto, influenciando suas vidas, e tanto é assim que a enciclopédia está repleta de textos sem fontes que ficam lá indefinidamente, desprestigiando o projeto como um todo. Em uma obra séria, contentar-se com a mediocridade, com o improviso, com a pressa e a irreflexão, e até valer-se de robots para escrever artigos, é inaceitável. Pode, para o leigo, parecer pouco, mas usar boas fontes, interpretá-las adequadamente e citá-las como manda o figurino é a diferença entre a credibilidade e o descrédito, e a diferença entre o útil e o prejudicial. Para uma enciclopédia que deseja desesperadamente ser respeitada e ser lembrada como um sucesso na difusão do conhecimento, o descrédito entre os produtores do conhecimento equivale a um retumbante fracasso. Portanto, o leitor da Wikipédia, deve usá-la com cautela e não como ponto final de suas pesquisas, mas apenas como seu ponto de partida. Para isto ela pode, sim, ser uma ferramenta útil, mas apenas para isto. Mas é lamentável que haja ainda tanta resistência para ser mais.

Mas será que poderia mesmo? Um projeto "enciclopédico" oficialmente dominado pela laicidade poderia ser científico? Dificilmente... prova-o sua própria condição presente: apesar de já ter mais de uma década de idade, ainda é um mega-rascunho, e isso vale particularmente na Wikipédia lusófona. Enquanto o leigo resistir em seguir os passos dos doutos, o projeto jamais passará do nível da revista de variedades e do jornal opinativo. Seria importante que isso fosse bem compreendido, pois queiramos ou não, amigos editores, nossa reputação como obra de referência é baixa entre a maioria dos cientistas e educadores. Isso também deveria ser bem reconhecido, e deveríamos pensar muito seriamente se isso nos satisfaz. Ajude a Wikipédia a sobreviver, a ser melhor, e a mudar o mundo pra valer, matando a cobra e mostrando o pau: citando as fontes!


Tetraktys, 22 de fevereiro de 2013

Veja também editar

Políticas oficiais
Ensaios de editores
Outras discussões interessantes

Referências

  1. Ferreira-Santos, F. Citação de fontes na escrita científica: Guia de estudo (LabReport No. 3). Laboratório de Neuropsicofisiologia da Universidade do Porto, 2011, pp. 4-5
  2. Peixoto, Paulo. Como Citar Fontes Consultadas?. Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2002-2010
  3. Harvard Referencing. Disponível no site da University of Southern Queensland, Austrália
  4. a b c University of Oxford. "What is plagiarism?". In: Academic guidance: Academic good practice, 09/08/2012
  5. Schiermeier, Quirin. "Romanian prime minister accused of plagiarism". Nature News, 20/06/2012
  6. a b P., V. "My name is Paste. Copy Paste". The Economist, 03/07/2012
  7. Gleiser, Marcelo. "Ciência, ética e escolhas". Folha de S.Paulo, 2 de maio de 2010
  8. "Presidente da Hungria renuncia após disputa por plágio". O Globo, 02/04/2012
  9. Simonite, Tom. “The Decline of Wikipedia”. In: MIT Technology Review, 22/10/2013
  10. Wales, Jimmy. “Zero information is preferred to misleading or false information”. Wikia, 26/05/2006
  11. Wikimedia Foundation. Visão.
  12. How popular is wikipedia.org? Alexa, 27/07/2013.