A Maldição do Sanguanel

A Maldição do Sanguanel é um filme independente de terror produzido no Brasil em 2014. Foi uma das primeiras obras fantásticas no formato antologia do cinema brasileiro Pós-Retomada.

A Maldição do Sanguanel
 Brasil
2014 •  cor •  71 min 
Género terror
Direção Felipe M. Guerra
Eliseu Demari
Rafael Giovanella
Ricardo Ghiorzi
Roteiro Felipe M. Guerra
Eliseu Demari
Rafael Giovanella
Ricardo Ghiorzi
Idioma português
italiano

Seu formato, que reúne histórias de diferentes diretores dentro de uma mesma temática, antecedeu produções semelhantes como As Fábulas Negras e 13 Histórias Estranhas. Neste filme, os quatro episódios envolvem o Sanguanel, uma figura tradicional do imaginário do Sul do Brasil, originária da Itália e trazida para o Rio Grande do Sul pelos imigrantes no final do século 19.[1][2]

Sinopse editar

Usando ilustrações de Eliseu Demari e a narração em italiano do pesquisador de folclore Roberto Popi Frison, o filme começa explicando a origem do Sanguanel, uma criaturinha vestida de vermelho que assombrava os bosques de mata fechada, e a sua chegada às colônias do Sul do Brasil entre as diversas superstições trazidas pelos imigrantes italianos que colonizaram a região.

O primeiro episódio, A Muitos Passos da Eternidade, de Felipe M. Guerra, retrata o drama de um homem que ignora os alertas de uma senhora sobre a ameaça do Sanguanel e, ao aventurar-se por uma floresta à noite, é condenado a caminhar sem rumo eternamente. Como se estivesse num loop temporal, o protagonista volta sempre para os mesmos pontos do caminho, enquanto é assombrado por alucinações assustadoras.

A Herança, de Eliseu Demari, começa na Itália do século 19, onde o bêbado Antônio é amaldiçoado pelo Sanguanel. Mais de cem anos depois, seu bisneto Marco vai até o país em viagem de negócios e, ao visitar a terra dos seus antepassados, torna-se uma vítima da mesma maldição.

A terceira história, Sogno o Realtà?, de Rafael Giovanella, assume tons cômicos ao narrar as aventuras de um grupo de amigos que vai acampar numa floresta distante da civilização e é assombrado pelo Sanguanel, que sequestra um deles.

Dois Bêbados e um Homenzinho Vermelho, de Ricardo Ghiorzi, encerra a coletânea. Numa noite de chuva, um vendedor busca abrigo no bar de uma pequena cidade. O proprietário do estabelecimento então narra uma história aterrorizante acontecida anos antes, quando um dos frequentadores decidiu aprisionar o Sanguanel e teve um desfecho violento.

Elenco editar

  • Oldina Cerutti Do Monte como Velha Assustadora/Nonna/Madame Aurora
  • Eliseu Demari como O Homem que Caminha
  • Rodrigo Guerra como Marco
  • Renoaldo Pavan como Tonho
  • Celso Pavão como Zeca

Produção editar

Felipe M. Guerra idealizou A Maldição do Sanguanel ainda em 1999, quando produzia curtas e longas-metragens independentes filmados em VHS. Ele ficou fascinado pela lenda do Sanguanel após ler o relato publicado por um historiador, e percebeu que a tradição estava se perdendo e que as novas gerações não conheciam a história. Na época, o diretor pensava em fazer um único curta-metragem com história muito semelhante ao do seu episódio no longa (A Muitos Passos da Eternidade). Mas após alguns testes filmando à noite com a câmera amadora, Felipe desistiu do projeto diante da pobreza da qualidade do vídeo.[3]

Guerra decidiu voltar ao seu argumento por volta de 2011. "Meu amigo e colega de filmes Eliseu Demari comentou que tinha uma ideia para outro curta sobre o Sanguanel. Então, resolvi resgatar meu velho roteiro e criar esse filme em episódios sobre o monstrinho, para o qual convidei outros dois amigos para fechar quatro histórias", explicou em entrevista.[3]

Assim, no lugar de um único curta-metragem, Guerra decidiu produzir uma antologia com quatro histórias de horror baseadas em relatos sobre o Sanguanel, escritas e dirigidas por ele, Demari, Rafael Giovanella e Ricardo Ghiorzi, todos diretores independentes do Rio Grande do Sul. Também em entrevista da época, ele esclareceu que "as histórias não se complementam, mas todas elas têm a presença do Sanguanel e da minha avó, Oldina do Monte, que funciona como uma espécie de elo de ligação, embora, em cada episódio, ela interprete uma personagem diferente".[3]

A Maldição do Sanguanel foi um trabalho independente e cooperativo. Os quatro realizadores ajudaram uns aos outros com direção de fotografia, empréstimo de equipamento, efeitos especiais e até figuração no episódio um do outro. Ricardo Ghiorzi, diretor do segmento Dois Bêbados e um Homenzinho Vermelho, afirmou em entrevista posterior: "Como toda produção bem independente, é muito irregular. (...) Nós nos juntamos e fizemos. Esse é o espírito do próprio cinema de horror. O problema é que a exigência técnica do mercado está elevada".[4]

Além de dirigir o quarto e último segmento da antologia, Ghiorzi também foi o responsável por construir o boneco do Sanguanel que aparece no longa-metragem, baseado em design de Eliseu Demari. Por ser totalmente imóvel, o monstrinho precisava ser filmado em planos muito curtos ou encoberto pelas sombras.

Lançamento editar

Sem apoios privados ou governamentais e com um orçamento estimado em R$ 1.000,[5] A Maldição do Sanguanel teve distribuição muito limitada e praticamente não saiu do circuito de festivais de cinema de gênero. Seu lançamento oficial aconteceu no Fantaspoa - Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre em 18 de maio de 2014.[6][7]

Depois, teve exibições esporádicas em cidades como Carlos Barbosa[5] e Caxias do Sul,[8][9] onde os quatro episódios foram filmados, e também em festivais realizados em Curitiba e São Paulo.[10]

Recepção da crítica editar

Rodrigo Ramos, do website Boca do Inferno, viu o filme na estreia e destacou que "o público durante a sessão lotada de estreia se divertiu bastante". Segundo ele, "com quatro estilos bem diferentes entre si, o resultado final de A Maldição do Sanguanel acaba um pouco prejudicado", mas ao mesmo tempo ele afirmou que o filme era "um ótimo resgate folclórico de outros tempos, empurrando o cinema de gênero brasileiro para bem longe dos monstros pasteurizados americanos".[11]

Em artigo para o website A Escotilha, o crítico Rodolfo Stancki mencionou A Maldição do Sanguanel como uma das raras contribuições brasileiras para um ciclo de obras envolvendo pequenas criaturas e/ou monstros, que teria sido inspirado pelo sucesso do filme Gremlins, de Joe Dante: "O conceito desses filmes é basicamente o mesmo concebido por [Chris] Columbus. Os mini monstrengos infernizam um grupo de pessoas – que geralmente vive em uma pequena cidade ou está isolado em algum ambiente fechado – e depois são derrotados. Em cada uma dessas obras, há a presença de humor e horror".[12]

Referências

  1. «Lendas gaúchas: monte o seu Sanguanel e conheça a história do personagem». Pioneiro. 19 de setembro de 2016. Consultado em 17 de janeiro de 2022 
  2. Karine Bergozza (10 de agosto de 2022). «Do imaginário do imigrante à identidade cultural». O Florense. Consultado em 20 de agosto de 2022 
  3. a b c Laura Dourado (6 de agosto de 2018). «A Maldição do Sanguanel: Entrevista com Felipe M. Guerra e o folclore sulista». Medium. Consultado em 17 de janeiro de 2023 
  4. Rodolfo Stancki (22 de maio de 2019). «Ricardo Ghiorzi fala sobre a antologia de horror nacional 'Histórias Estranhas'». A Escotilha. Consultado em 17 de janeiro de 2023 
  5. a b Siliane Vieira (8 de agosto de 2014). «Produção de terror filmada na Serra estreia em Carlos Barbosa». Pioneiro. Consultado em 17 de janeiro de 2023 
  6. «Fantaspoa vai até o próximo final de semana na Capital». Sul21. 17 de maio de 2014. Consultado em 24 de junho de 2023 
  7. Eric Ortiz Garcia (29 de abril de 2014). «Fantaspoa 2014 Lineup: Tromasterpieces, JORGE AND ALBERTO VS THE NEOLIBERAL DEMONS, THE DIRTIES, & More!». ScreenAnarchy. Consultado em 24 de maio de 2023 
  8. «Suspense Independente '"A Maldição do Sanguanel'" estreia no Ordovás». Prefeitura de Caxias do Sul. 12 de agosto de 2014. Consultado em 17 de fevereiro de 2023 
  9. Siliane Vieira (12 de agosto de 2014). «Terror independente 'A Maldição do Sanguanel' estreia em Caxias neste sábado». Pioneiro. Consultado em 17 de janeiro de 2022 
  10. Silvana Perez (25 de junho de 2015). «Mostra Cinema de Bordas começa hoje, em São Paulo». Boca do Inferno. Consultado em 17 de janeiro de 2023 
  11. Rodrigo Ramos (6 de junho de 2014). «Crítica A Maldição do Sanguanel (2014)». Boca do Inferno. Consultado em 17 de janeiro de 2023 
  12. Rodolfo Stancki (20 de maio de 2024). «Um gênero de mini monstros». A Escotilha. Consultado em 27 de janeiro de 2023