Auto de fé
Esta página cita fontes confiáveis, mas que não cobrem todo o conteúdo. (Setembro de 2008) |
Auto da fé foi o ritual de penitência pública de hereges e apóstatas que ocorreu quando a Inquisição Espanhola, Inquisição Portuguesa, a Inquisição mexicana ou outras inquisições tinham decidido a sua punição, seguida pela execução pelas autoridades civis das sentenças impostas. Nos autos de fé, os hereges podiam ou abandonar a heresia que alegadamente professavam (o que os tornaria em "reconciliados" com a Igreja, merecedores de penas leves), continuarem fieis às suas crença heréticas ou "crimes", (eram os "negativos") ou ficarem-se por uma confissão julgada incompleta (eram os chamados "diminutos") o que nestes dois casos levaria a penas graves, como a prisão perpétua, morte pelo garrote ou na fogueira.[1]

As punições para os condenados pela Inquisição iam da obrigação de envergar um sambenito (espécie de capa ou tabardo penitencial), passando por ordens de prisão e, finalmente, em jeito de eufemismo, o condenado era relaxado à justiça secular, isto é, entregue aos carrascos da Coroa (poder secular, em oposição ao poder sagrado do clero). O estado secular procedia às execuções como punição a uma ofensa herética , em consequência da condenação pelo tribunal religioso. Se os prisioneiros desta categoria continuassem a defender a heresia e repudiar a Igreja Católica, eram queimados vivos ou garrotados. Contudo, se mostrassem arrependimento e se decidissem reconciliar com o catolicismo, seriam absolvidos.
Os autos da fé decorriam em praças públicas e outros locais muito frequentados, tendo como assistência regular representantes da autoridade eclesiástica e civil. Um auto de fé era uma cerimónia realizada com pompa e circunstância, uma exibição de poderio dos inquisidores.[2] Era ao mesmo tempo uma festa popular, anual e dispendiosa, e o povo que assistia levava petiscos como para um piquenique. [3]
HistóriaEditar
O primeiro "auto da fé" registado foi realizado em Paris em 1242, sob Luís IX[4][5].
A Inquisição portuguesa foi estabelecida em 1536 e durou oficialmente até 1821, se bem que tenha sido muito debilitada com o regime do Marquês de Pombal na segunda metade do século XVIII.
O primeiro auto da fé em Portugal foi realizado em 20 de Setembro de 1540 em Lisboa, onde a praça do Rossio servia de local de execução, embora sejam também conhecidos autos no Terreiro do Paço. No Porto houve apenas um auto da fé.
Também houve autos da fé no México, Peru e Brasil. Alguns historiadores, contemporâneos dos conquistadores (como o guerreiro Bernal Díaz del Castillo), descrevem alguns casos.
O último auto da fé, após uma condenação pela Inquisição espanhola, envolveu o professor Cayetano Ripoll e decorreu a 26 de Julho de 1826. Seu julgamento, sob a acusação de deísmo, durou cerca de dois anos. Morreu pelo garrote no pelourinho, após dizer as palavras: "Morro reconciliado com Deus e com o Homem".
Na ficçãoEditar
No livro Memorial do Convento de José Saramago, cuja acção decorre na primeira metade do século XVIII, durante o reinado de D. João V, a personagem Blimunda conhece Baltasar no Rossio, enquanto a sua mãe é julgada num auto da fé, onde é açoitada e degradada.
No romance Goa ou o guardião da aurora de Richard Zimler, cuja acção decorre em Goa no princípio do século XVII, o narrador e várias outras personagens são humilhados e atormentados num auto da fé.
Na obra Cândido, ou O Otimismo, de Voltaire, o auto da fé também está presente. Cândido e Pangloss são condenados a um auto-da-fé quando desembarcam em Lisboa, logo após o terremoto.
Ver tambémEditar
Referências
- ↑ Saraiva, António José (2001). The Marrano Factory: The Portuguese Inquisition and Its New Christians 1536-1765. [S.l.]: Brill. pp. 54,74,101
- ↑ Saraiva 2001, p. 100-104, 114.
- ↑ Novinsky, Anita (1982). A Inquisição. [S.l.]: Editora Brasiliense. pp. 66–68
- ↑ Stavans 2005:xxxiv
- ↑ «Auto De Fe». Jewish Virtual Library. Consultado em 13 de novembro de 2020
BibliografiaEditar
- Arouet, Francois-Marie (Voltaire) (1758). Candide
- Dedieu, Jean-Pierre (1987) L'Inquisition. Les Editions Fides
- Kamen, Henry. (1997) The Spanish Inquisition : A Historical Revision. London: Weidenfeld & Nicolson.
- Lea, Henry Charles (1906–1907). A History of the Inquisition of Spain (4 volumes). New York and London.
- Monter, William (1990). Frontiers of Heresy. The Spanish Inquisition from the Basque Land to Sicily. Cambridge University Press
- Novinsky, Anita (1982) - A Inquisição - Editora Brasiliense
- Perez, Joseph (2006) The Spanish Inquisition: A History, Yale University Press. ISBN 0-300-11982-8, ISBN 978-0-300-11982-4
- Peters, Edward. (1988) Inquisition. New York: The Free Press.
- Saraiva, António José. (2001). The Marrano Factory: The Portuguese Inquisition and Its New Christians 1536-1765. -Brill.
- Stavans, Ilan. (2005) The Schocken Book of Modern Sephardic Literature. Random House, Inc. New York
- Whitechapel, Simon (2003). Flesh Inferno: Atrocities of Torquemada and the Spanish Inquisition. Creation Books. ISBN 1-84068-105-5
Ligações externasEditar
- (em castelhano) La Inquisición Española: origen, desarrollo, organización, administración, métodos y proceso inquisitorial
- Vários autores (1911). «Auto-da-fé». In: Chisholm, Hugh. Encyclopædia Britannica. A Dictionary of Arts, Sciences, Literature, and General information (em inglês) 11.ª ed. Encyclopædia Britannica, Inc. (atualmente em domínio público)
- «Inquisição e autos de fé»
- «Auto de fé»
- «Inquisição»
- “Sermões setecentistas portugueses de autos-da-fé”, por Paulo Drumond Braga, LisbrosdelaCorte.es (on line), n.º 6 (El Influjo de la Inquisición en la Sociedad y en la Ciencia de España y Portugal. Siglos XVII-XVIII), Madrid, 2017, pp. 223-232.
- "E Cristo é a única voz de todo o mundo": a defesa da Respublica Christiana nos sermões de autos-de-fé da Inquisição Portuguesa, por Luís Fernando Costa Cavalheiro, Dissertação apresentada à obtenção do grau de Mestre, no Curso de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências-Humanas, da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015