O Birkat haMinim (em hebraico: ברכת המינים; em português: Benção sobre os hereges) é uma maldição judaica sobre os hereges (minim). Os eruditos modernos geralmente avaliam que os Birkat haMinim provavelmente incluíam no original os judeus cristãos (embora a estrutura da mesma seja uma referência tanto a informantes que denunciassem as práticas judaicas às autoridades, quanto a governos cruéis) antes que o Cristianismo se tornasse uma religião marcadamente gentia.[1] É a décima segunda bênção de dezoito ou Amidá.[2]

Birkat haMinim

A autoria de tal bênção é atribuída a Shmuel ha-Katan, no suposto Concílio de Jâmnia, sendo inserido nas "dezoito bençãos" como a décima nona bênção a ser orada silenciosamente três vezes ao dia, a Amidá. A bênção é, portanto, vista como relacionada aos fariseus, ao desenvolvimento do cânon farisaico da Bíblia Hebraica, à divisão do Cristianismo primitivo do judaísmo antigo como sendo uma heresia aos olhos de tais judeus, às origens do judaísmo rabínico, às origens do Cristianismo, ao Cristianismo do século I e à história do Cristianismo.

De acordo com a teoria, a bênção era útil como ferramenta para impedir as orações dos minim ("hereges"), porque nenhum minim recitaria em voz ou responderia a ela, pois era uma maldição sobre eles.[3]

Composição editar

De acordo com o Talmud Babilônico Tratado Berakhot 18b–29a, Shmuel ha-Katan foi o responsável pela autoria dos Birkat haMinim:

"Rabban Gamaliel disse aos sábios: Não há ninguém que saiba compor uma bênção contra os minim? Samuel ha-Qatan levantou-se e escreveu."[4]

A bênção existe em várias formas.[5][6] Duas cópias medievais do Cairo Genizah incluem referências a ambos: minim e notzrim ("nazarenos", i.e. "cristãos").[7][8][9]

"Para os apóstatas que não há haja esperança. E que o governo arrogante seja rapidamente arrancado em nossos dias. Que os nozerim e os minim sejam destruídos na ocasião. E que sejam apagados do Livro da Vida, não sejam inscritos juntos com os justos. Benditos és, ó Senhor, que amaldiçoa os arrogantes"[10]

Identidade dos Minim editar

A extensão da referência de notzrim ou a aplicação do termo minim aos cristãos é debatida.[11][12] Em sua análise de várias visões acadêmicas sobre o Birkat haMinim, Pieter W. Van Der Horst resume,

"É certo que "minim" nos tempos tanaítas eram sempre judeus. É certo que não fazia parte da(s) versão(ões) mais antiga(s) do nosso berakhah."[13]

Durante o período medieval, se a bênção incluía ou não cristão foi motivo de disputa, uma causa potêncial de perseguição e, portanto, um assunto relevante para a segurança das comunidades judaicas.[14] Comumente é visto nos estudos modernos que o termo "hereges", em um ponto inicial da divisão do Cristianismo primitivo e do Judaísmo, incluiu judeus cristãos.[15][16][17][18] Na opinião de David Flusser (1992), o Birkat haMinim agregou a referência aos saduceus.[19]

Muitos acadêmicos avistaram referências aos Birkat haMinim na queixa de Justino Martir à Trifão dos Judeus "amaldiçoando as sinagogas daqueles que crêem em Cristo". Reuven Kimelman (1981) desafia tal visão observando que a descrição de Justino coloca a maldição na sequência errada no serviço da sinagoga.[20]

A consciência cristã dessa oração como sendo uma maldição contra eles é atestada somente no tempo de Jerônimo e Epifânio, no século V d.C. Na literatura antijudaica subsequente foi quase universalmente ignorada até o século XIII. A única exceção é o trabalho Agobardo de Lyon, escrito entre 826 e 827, para protestar contra o que ele viu ser a concessão de muitos privilégios aos judeus pelo monarca carolíngio.[21]

Referências

  1. The Cambridge History of Judaism: The late Roman-Rabbinic period pp. 291-292 ed. William David Davies, Louis Finkelstein, Steven T. Katz - 2006
  2. Pieter Willem Van Der Host, "Hellenism, Judaism, Christianity: essays on their interaction", Kok Pharos: 1998, p. 113: "...que humilham os insolente" (recensão palestina). A 12ª bhakra no judeu Shemoneh Esreh (18 [bençãos]) é geralmente chamado de Birkat ha-minim "a benção dos hereges", que é um eufemismo para uma maldição".
  3. Answers.com - Birkat HaMinin
  4. Tradução fornecida por Steven T. Katz em "Issues in the Separation of Judaism and Christianity after 70 C.E.: A Reconsideration", em Journal of Biblical Literature, 103/1, p.64
  5. Ruth Langer, “The Earliest Texts of the Birkat Haminim”, with Uri Ehrlich, forthcoming in Hebrew Union College Annual 77.
  6. Pieter Willem van der Horst, Selected works: The Birkat Ha-minim in Recent Research. T. & T. Clark, 1994. "Aspects of Religious Contact and Conflict in the Ancient World."
  7. Yaakov Y. Teppler, Birkat haMinim: Jews and Christians in conflict in the ancient world, Mohr Siebeck: 2007 - p.56: "Assim, Krauss fala, por um lado, de notzrim e, por outro, de minim, e seus dois fundamentos não se sustentam...207 Rashi em BT Magillah 17b: 'Os minim são discípulos de Jesus, o Notzri, e é por isso que eles colocaram Birkat haMinim'..."
  8. Marvin R. Wilson, Our father Abraham: Jewish roots of the Christian Faith, Wm. B. Eerdmans: 1989, p.68, diz: "Devemos enfatizar que existem apenas dois textos do Birkat ha-Minim (ambos encontrados no Cairo Genizah) mencionam explicitamente os cristãos. Ambos os textos referem-se aos cristãos [notzrim, isto é, os nazarenos] e os hereges [minim]."
  9. William David Davies, Louis Finkelstein, Steven T. Katz (eds.) The Cambridge History of Judaism: The late Roman-Rabbinic period 2006, p.291 "Ele (Gadaliah Alon) propõe que a versão da Yavne original do Birkat ha-Minim, seguindo o fragmento medieval de Genizah, incluísse tanto minim como nazarenos e que neste fragmento litúrgico, minim e notzrim são sinônimos, isto é, que ambos referem-se aos judeus cristãos. Mas a "suposição" de Alon sobre a forma da versão original não é convincente e não menos importante porque, se os temos minim e notzrim forem sinônimos, não haveria necessidade de ambos aparecerem na oração. Assim, como já argumentado, parece mais razoável suspeitar que notzrim foi adicionado a uma maldição preexistente após o período de Yavneh - e muito provavelmente após a Revolta de Bar Kochna (ou mais tarde)."
  10. Biblioteca Judaica Virtual
  11. Antti Marjanen, Petri Luomanen, A Companion to Second-Century Christian "Heretics", 2008 p.283 "59–61, in contrast to R. Kimelman, "Birkat ha-Minim and the Lack of Evidence for Anti-Christian Jewish Prayer in Late Antiquity," in Jewish and Christian Self-Definition, II: Aspects of Judaism in the Greco-Roman Period, ed. E. P. Sanders, A. I. Baumgarten, and A. Mendelson, London, 1981, 226-244.
  12. William David Davies, Louis Finkelstein, Steven T. Katz (eds.) The Cambridge History of Judaism: The late Roman-Rabbinic period, p.291-292
  13. Pieter Willem van der Horst, "The Birkat ha-minim in Recent Research", em The Expository Times, 1994, p.367
  14. Israel Jacob Yuval, Two Nations in Your Womb: Perceptions of Jews and Christians in ... (2008), p.116.
  15. Na contracapa do livro de Yaakov Y. Teppler, "Birkat haMinim: Jews and Christians in conflict in ancient world", 2007 diz: "Yakoov Y. Tepples estuda a identidade daqueles 'minim' e estabelece uma base sólida para entender os processos de separação entre o Judaísmo e o Cristianismo neste período tempestuoso e fascinante."
  16. James D. G. Dunn, Jews and Christians: the parting of the ways, A.D. 70 to 135, 1992
  17. Edward Kessler, An Introduction to Jewish-Christian Relations, 2010
  18. Pieter Willem van der Horst, Hellenism, Judaism, Christianity: essays on their interaction, 1998
  19. Doris Lambers-Petry; Peter J. Tomson, (eds.) The image of the Judaeo-Christians in ancient Jewish and Christian literature, 2003, chapter 'The War Against Rome', p.15 : "...que desenterrou o pano de fundo conceitual do birkat ha-minim. Em sua análise, o material do berakha basicamente data dos tempos do templo, quando foi dirigido contra esses 'separaristas' (parushim ou porchim) como os sauduceus que..."
  20. Ora Limor, Guy G. Stroumsa (eds.), "Contra Iudaeos: ancient and medieval polemics between Christians and Jews", 1996, p.31: "Embora isso tenha sido geralmente aceito, R. Kimelman recentemente desafiou a visão de que a menção de Justino, de uma maldição tem que ver com a 12ª bênção: 'Birkat Ha-Minim e a falta de evidência para uma oração anti-cristã na antiguidade tardia'." EP Sanders et al., eds., "Jewish and Christian Self-Definition, vol. 2: Aspects of Judaism in the Greco-Roman Period", London, 1981, "...mas não é tão claro se alguém pode tomar as palavras de Justino em um sentido muito estreito".
  21. Ruth Langer, Cursing the Christians?: A History of the Birkat HaMinim, Oxford University Press, 2011 pp.84-85.

Bibliografia editar

  • Ruth Langer, Cursing the Christians?: A History of the Birkat HaMinim, New York: Oxford University Press 2011.
  • Yaakov Yanki Teppler, Birkat haMinim: Jews and Christians in Conflict in the Ancient World, Tubingen: Mohr Siebeck 2007.