Carmanhola Americana

A Carmanhola Americana foi uma canção revolucionária que traduziu e se apropriou da canção francesa la Carmagnole, com o intuito de promover o sentimento republicano na Capitania-Geral da Venezuela, particularmente na cidade La Guaira.[1] A canção foi encontrada numa operação policial aos réus do presídio da dita cidade em 1797 junto com outra copla de caráter antimonárquico intitulada "canção americana", contendo um livro que continha ademais uma tradução de Direitos do homem e do cidadão com várias máximas republicanas e um Discurso preliminar dirigido aos Americanos, um discurso dirigido aos habitantes livres da América Espanhola, entre outros documentos propagandísticos. A tradução pode ser obra de Manuel Cortês Campomanes, no entanto não há nenhuma referência explícita à esse respeito.[2] A dita lírica foi usada como insumo probatório para demonstrar o delito de lesa-majestade dos participantes na Conspiração de Gual e Espanha, alguns dos quais tinham sido favorecidos por um indulto oferecido a nome de Carlos IV pelo Real Acordo da Real Audiência de Caracas em troca de delatar os participantes da conspiração.[3]

Letra editar

Transcrição de acordo com a ortografia original[4] e ao lado a tradução em português:

1.

Yo que soy un sin camisa

un bayle tengo que dar

y en lugar de Guitarras

cañones sonarán

2.

Baylen los sin camisas

y viva el son, y viva el son

baylen los sin camisa

y viva el son del cañon.

3.

Si alguno quiere saber

porque estoy descamisado

porque con los tributos

El Rey me há desnudado.

Baylen los sin camisas

4.

No hay exceso ni maldad

que el Rey no haya executado

no hay fuero, no hay derecho

que no haya violado.

Baylen los sin camisas

5.

Todos los Reyes del Mundo

son igualmente tiranos

y uno de los mayores

es ese infame Carlos.

Baylen los sin camisas

6.

También los gobernadores

al Pueblo han sacrificado

pero los sin camisa

vengarán su atentado.

Baylen los sin camisas

7.

La justicia en las Audiencias

á quien más paga se vende,

del favor y el cohecho

las sentencias dependen.

Baylen los sin camisas

8.

Corregidores y Alcaldes

nos roban con insolencia

mas ya para sufrirlos

se acabó la paciencia

Baylen los sin camisas

9.

Los Yntendentes ayudan

con mucho afan al tirano

á comerse la sangre

del Pueblo Americano

Baylen los sin camisas

10.

Todos ellos á porfía

nos tiranizan furiosos,

son crueles, avaros,

sobervios y orgullosos.

Baylen los sin camisas

11.

Pero no tardarán mucho

en recibir su castigo

que ya los sin camisas

afilan los cuchillos.

Baylen los sin camisas

12.

Los Sanculotes en Francia

al Mundo hicieron temblar

mas los descamisados

no quedarán atrás

Baylen los sin camisas

13.

De la ira Americana

ya podeís temblar tiranos

que con los sin camisas

vuestra hora há llegado.

Baylen los sin camisas

14.

Cada uno de nosotros

en guerra un héroe será

que por librar la Patria

prodigios obrará.

Baylen los sin camisas

15.

Ea pues, descamisados

iros todos previniendo

para romper el yugo

que há tanto estais sufriendo

Baylen los sin camisas

16.

Dios protege nuestra causa

el dirige nuestro brazo

que el Rey con sus delitos

su justicia há irritado.

Baylen los sin camisas

17.

Quando por la libertad

algún Pueblo há peleado

no hay exemplo ninguno

de haber sido humillado.

Baylen los sin camisas

18.

Todos con seguridad

sabemos que estando unidos

jamás la tirania

podrá vernos vencidos.

Baylen los sin camisas

19.

Lograda la libertad

todos felices seremos

si las puras virtudes

constantes exercemos.

Baylen los sin camisas

20.

Florecerán nuestros artes,

comercio y Agricultura

y viviremos todos

en la paz más segura.

Baylen los sin camisas

21.

La fraternidad á todos

con sus lazos ligará

y el fruto de su industria

cada uno logrará

Baylen los sin camisas

22.

Ygualmente la Justicia

se exercerá sobre todos;

los premios logrará

quien los meresca solo.

Baylen los sin camisas

23.

Seremos todos iguales

y no habrá otras distinciones

que el talento y virtud

y las grandes acciones.

Baylen los sin camisas

24.

Viva el amor de la Patria

y viva la libertad,

perescan los tiranos

y el despotismo Real.

Baylen los sin camisas

25.

Sin tardansa romperemos

tus cadenas Patria amada

pues de tu amor el fuego

nuestro pecho inflama.

Baylen los sin camisas

26.

Para una empresa tan grande

constantes todos juramos,

que morir, ó vencer

és lo que deseamos.

Baylen los sin camisas

y viva el son, y viva el son;

baylen los sin camisas

y viva el son del cañon.

Fin

1.

Eu que sou um sem camisa

um baile tenho que dar

e no lugar de Guitarras

canhões soarão

2.

Bailem os sem-camisas

e viva o som, e viva o som

bailem os sem-camisa

e viva o som do canhão.

3.

Se alguém quer saber

porque estou descamisado

porque com os tributos

O Rei me fez desnudado.

bailem os sem-camisas

4.

Não há excesso nem maldade

que o Rei não tenha praticado

não há foro, não há direito

que não tenha violado.

Bailem os sem-camisas

5.

Todos os reis do mundo

são igualmente tiranos

e um dos maiores

é esse infame Carlos.

Bailem os sem-camisas

6.

Também os governadores

ao Povo sacrificaram

mas os sem-camisa

vingarão seu atentado.

Bailem os sem camisas.

7.

A justiça nas audiências

a quem mais paga se vende,

do favor e do suborno

as sentenças dependem.

Bailem os sem-camisas

8.

Corregedores e alcaides

nos rouban com insolência

mas já para suprir-los

se acabou a paciência

Bailem os sem-camisas

9.

Os intendentes ajudam

com muito afã ao tirano

á alimentar-se do sangue

do Povo Americano

Bailem os sem-camisas

10.

Todos eles à porfia

nos tiranizam furiosos,

son cruéis, ávaros,

soberbos e orgulhosos.

Bailem os sem-camisas

11.

Mas não tardarão muito

em receber seu castigo

que já os sem-camisas

afiam os cutelos.

Bailem os sem-camisas

12.

Os sans-culottes em França

ao mundo fizeram tremer

mas os descamisados

não quedarão atrás

Bailem os sem-camisas

13.

Da ira americana

já podeís tremer tiranos

que com os sem-camisas

vossa hora já chegou.

Bailem os sem-camisas

14.

Cada um de nós

na guerra um herói será

que por livrar a Pátria

prodigios obrará.

Bailem os sem-camisas

15.

Eia pois, descamisados

ireis todos previnindo

para romper o jugo

que há tanto estais sofrendo

Bailem os sem-camisas

16.

Deus protege nossa causa

ele dirige nosso braço

que o Rei com seus delitos

sua justiça irritou.

Bailem os sem-camisas

17.

Quando pela libertade

algum Povo pelejou

não há exemplo nenhum

de haver sido humilhado.

Bailem os sem-camisas

18.

Todos com confiança

sabemos que estando unidos

jamais a tirania

poderá ver-nos vencidos.

Bailem os sem-camisas

19.

Alcançada a libertade

todos felizes seremos

se as puras virtudes

constantes exercemos.

Bailem os sem-camisas

20.

Florescerão nossas artes,

comércio e agricultura

e viveremos todos

na paz mais segura.

Bailem os sem camisas

21.

A fraternidade á todos

com seus laços ligará

e o fruto de sua indústria

cada um lucrará

Bailem os sem-camisas

22.

Igualmente a Justiça

se exercerá sobre todos;

os prêmios lucrará

só quem os merecer

Bailem os sem-camisas

23.

Seremos todos iguais

e não haverão outras distinções

que o talento e virtude

e as grandes ações.

Bailem os sem-camisas

24.

Viva o amor da Pátria

e viva a libertade,

pereçam os tiranos

e o despotismo real.

Bailem os sem-camisas

25.

Sem tardansa romperemos

tuas cadeias Pátria amada

pois do teu amor o fogo

nosso peito inflama.

Bailem os sem-camisas

26.

Para uma empresa tão grande

constantes todos juramos,

que morrer, ou vencer

é o que desejamos.

Bailem os sem-camisas

e viva o som, e viva o som;

bailem os sem-camisas

e viva o som do canhão.

Fim

Difusão da Carmanhola Americana editar

Por seu caráter clandestino é difícil saber com certeza a difusão que teve a Carmanhola Americana para além dos círculos próximos a Manuel Gual e José María Espanha, no entanto, é conhecida o labor propagandística que assumiram desde o exílio na ilha de Trindade[5] pelo qual é provável que se difundisse entre os povoadores das províncias de Venezuela, mais quando a tonada singela da canção permitia que qualquer pudesse aprender as ideias ali expressadas sem necessidade de saber ler.[6] Segundo Pedro Grases[7], a Carmanhola Americana era dançada em 1810 por um grupo denominado o Clube dos Sem-camisas, sem que a letra tivesse sido modificada significativamente.[8]

Semelhanças com la Carmagnole editar

O paralelismo mais evidente entre a versão d'A Carmanhola francesa de 1792 e a Americana de 1797 encontra-se na estrofe:

Carmanhola Americana La Carmagnole
Baylen los sin camisas
y viva el son, y viva el son
baylen los sin camisa
y viva el son del cañon.
Dansons la carmagnole
Vive le son, vive le son
Dansons la carmagnole,
Vive le son du canon!

No entanto, na maior parte de seu conteúdo, a Carmanhola Americana é uma produção própria que se apropria da tonada francesa mas constrói um texto com um sentido particular, já que não tem um tom celebratorio como o original francês, senão que pretende impulsionar o espírito dos que a escutem para organizar as ações revolucionárias.[9] A Carmanhola Americana também representou um ataque particular às instituições fundamentais da monarquia hispânica em Índias, tais como as Audiências, juízes, governadores, corregedores, prefeitos e intendentes. Ademais, se enuncia ao Rei como tirano e déspota, quem em geral não era atacado nas rebeliões, onde era comum em mudança apelar ao lema "Viva o Rei, morra o mau governo", que representava a lealdade à monarquia apesar dos abusos de seus administradores.

Música editar

Ainda que não se tenham encontrado partituras que indiquem a tonada com a qual se cantava a Carmanhola Americana, é provável que se assemelhasse à melodia com a que se cantava la Carmagnole:

 

Referências editar

  1. María Gembero-Ustárroz, "Reflejos de la música revolucionaria francesa en la España napoleónica (1808-1814): cantos y propaganda política en calles y salones." em Cuadernos de Música Iberoamericana, vol. 25-26, 2013, p. 149. URL. https://revistas.ucm.es/index.php/CMIB/article/viewFile/58954/53003
  2. Georges L. Bastin, "La Carmañola americana, na tradução de Manuel Cortês Campomanes (1797)" na Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes',' URI: http://www.cervantesvirtual.com/nd/ark:/59851/bmc51475
  3. Archivo General de Indias, sección Estado, serie Caracas, leg. 58, doc. 27. Archivo Histórico Nacional de España, sección Consejo de Indias, Secretaría de Presidencia, Legajo 21672, exp. 5, doc. 1
  4. Archivo Histórico Nacional de España, sección Consejo de Indias, Secretaría de Presidencia, Legajo 21672, exp. 5, doc. 1
  5. Archivo General de Indias, sección Estado, serie Caracas, leg. 58, doc. 27.
  6. Lia Bugliani, "La Carmañola Americana (1797) entre la Carmagnole Francesa (1792) y el Canto de las Sabanas de Barinas (1817-1818)" en Núcleo, No. 16, 1999, p. 4. Pierre Constant, Musique des fetes et ceremonies de la Revolution francaise, Paris, Imprimerie Nationale, 1899, pp. 146-147.
  7. Pedro Grases, Preindependencia y emancipación (protagonistas y testimonios), Obras 3, Caracas, Seix Barral, 1981, p. 163.
  8. Pedro Grases, Preindependencia y emancipación (protagonistas y testimonios), Obras 3, Caracas, Seix Barral, 1981, p. 163.
  9. Georges L. Bastin