Cultura popular na Idade Moderna

A Cultura popular na Idade Moderna pode ser encarada como um conjunto de práticas que envolvem artes, ciências, técnicas, filosofia, ofícios entre outras coisas que permitem avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um critério de evolução. [1] Existem três razões para o interesse dos intelectuais nesse momento específico da história europeia, sendo elas as razões estéticas, razões intelectuais e razões políticas. [2] Pode-se dizer que, devido a essas razões, houve uma certa revolta contra a arte, com o “artificial” tornando-se um termo pejorativo e o “natural” e “selvagem” tornando-se, um elogio. Os “ritmos” que mais se faziam presentes na Idade Moderna (séculos XVI - XVII) eram as “canções populares” por serem tidas como “simples, ingênuas e arcaicas”, e se relacionarem com o ideal do movimento, o “primitivismo cultural”. [3] . Movimento esse que também foi uma reação contra o Iluminismo, justamente por ser contra a elite, ao abandono da tradição e contra a “ênfase na razão”. [3] , da mesma forma que era ligado ao nacionalismo. [4] . A descoberta da cultura popular ocorreu principalmente nas regiões que podem ser chamadas de “periferia cultural do conjunto da Europa e dos diversos países que a compõem” [5] . Havia três pontos específicos sobre a cultura popular, sendo eles “primitivismo, comunitarismo e purismo”; o primitivismo pode ser caracterizado como a “época das canções, estórias, festividades e crenças que haviam descoberto” [6] , o comunitarismo que seria uma forma de “criação coletiva”, uma forma de chamar atenção para uma diferença importante entre duas culturas (cultura popular europeia e cultura erudita), e o purismo, tido como um “termo restrito” que consistia nas pessoas incultas”. [7] .

CH-NB - Bern, Umzug des "Aeusseren Standes" am Ostermontag, im 18. Jahrhundert, letztmals 1797 - Collection Gugelmann - GS-GUGE-LUTZ-A-2

Que cultura é essa? editar

O conceito de “cultura popular” é amplo, visto que o termo abrange um ou mais tipos de grupos de pessoas, tendo o contexto temporal como algo importante também [8]. Na sociedade Moderna (séculos XVI - XVII), a tradição cultural poderia ser “dividida” em núcleos, como: movimentos intelectuais relacionados à população culta, aristocracia e movimentos da população plebeia,[8] o que demonstra a abrangência do termo, compreendendo que, de certa forma, a cultura popular na Idade Moderna engloba todas as classes sociais. Porém, a acessibilidade a cultura era diferenciada da elite para as comunidades aldeãs[8], elementos como canções e contos populares, livros e folhetos de baladas, festividades sazonais, natal, ano-novo, carnaval, primeiro de maio e solstício de verão faziam parte do contexto que os camponeses e artesãos tinham acesso [9] . Apesar da dualidade dos contextos culturais, o Carnaval era uma festa que abrangia todas as classes, fazendo com que no período de festas houvesse interatividade entre a aristocracia e o povo[9]. Essa interatividade pode ser vista como comemorações coletivas, onde ricos e pobres partilhavam dos mesmo eventos como sermões, ouvir contadores de estórias e outros espetáculos que poderiam surgir em praças públicas.[9] Uma das atrações mais queridas pelo público da época eram os palhaços, e outros performistas folclóricos que seriam semelhantes com o que temos hoje em dia em relação a cultura circense. O impacto dessas artes eram tão grandiosas que foram disseminadas pela Europa durante esse período[9]. Portanto, é importante citar a grande participação da nobreza e sua influência na “pequena tradição”, apesar do movimento contrário não acontecer em relação do povo com a nobreza.[9]

Quais são os agentes? editar

 
Hanswurst aus Köngen 1716

A cultura popular abrangia alguns grupos sociais como artesãos e camponeses, dentre os quais se destacam “mulheres, crianças, pastores, marinheiros, mendigos, e etc”[10]. O artista popular na época “trabalhava principalmente para esse público de artesãos e camponeses”[11] sendo alguns deles pintores, entalhadores e tecelões[12]. As especializações dos pintores pairavam entre pintar tabuletas e retratos [13]; existiam também os chamados “apresentadores” que consistia em um grupo de “cantores de baladas, apresentadores de ursos amestrados, charlatões, palhaços, comediantes, esgrimistas, bobos, malabaristas, curandeiros, dançarinos equilibristas, apresentadores de espetáculos e acrobatas”[13].

Que elementos compõem essa cultura? editar

A cultura era composta por canções populares[3], poesia popular[4], movimento literário[5] e carnaval[14]. Existiam algumas “variedades e convenções formais dos objetos artesanais e apresentações” na cultura popular[15]; sendo alguns deles, a dança, que eram denominadas conforme suas regiões, como a “forlana” na Itália, a “gavotte”, na França, o “halling” na Noruega, o “krakowiak” na Polônia e o “strathspey” na Escócia. [15]. Os estilos das danças populares podiam variar entre “danças lentas ou rápidas, com ou sem voltas, danças de amor e de guerra, para uma só pessoa, casais ou grupos”.[15]. Além da dança popular, havia também as “canções populares” que contemplavam uma certa métrica, rima e nome próprio[16]. A canção mais importante era a “canção narrativa” conhecida também na época como “balada”.[16].

Onde aconteceu? editar

A cultura popular aconteceu na Europa como um todo, entretanto, alguns países que merecem certo destaque, são: Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e Polônia.[17]. O movimento era transmitido, em sua maioria, dentro dos lares e disseminado fora deles.[18]. Dessa forma, o “celeiro” também poderia ser caracterizado como um dos “cenários das apresentações de atores e pregadores ambulantes” [19]. Bem como as estalagens, tavernas, cervejarias e adegas, onde haviam apresentações e jogos (principalmente na Inglaterra).[19].

A cultura popular no Renascimento estava ligada às utopias da época; sua própria concepção do mundo estava profundamente impregnada pela percepção carnavalesca, adotando frequentemente suas formas e símbolos. [20]. Pode ser chamada de “cultura cômica popular"[21], também ligada a “literatura do renascimento” [22], tendo como base a visão carnavalesca. É também caracterizado como um movimento de duas concepções, sendo uma a “cultura cômica popular” e a outra “tipicamente burguesa”, de forma que ambas se fragmentassem. [23]. A cultura popular do renascimento está envolta do que alguns chamam de “realismo grotesco” e “grotesco romântico”, sendo o primeiro as imagens “grotescas” que perderam sua relação com o universo em evolução.[23] e o segundo aquele que, integrado a cultura popular, “faz o mundo aproximar-se do homem” [24]. As imagens grotescas do Renascimento são diretamente ligadas a cultura popular carnavalesca.[25].

A cultura carnavalesca no período da Idade Moderna possui características ritualísticas, “discutir festas é necessariamente discutir rituais”[26], aquilo que parecia ser apenas manifestações de alegria ou interatividade carregavam particularidades muito mais profundas. O carnaval era ritualístico em sua construção social no período medieval e renascentista, o que demonstra sua linguagem única e ao mesmo tempo complexa.[27] Era uma época de desordem coletiva, onde tudo se invertia,[28] como se fosse necessário inverter os papéis e não ter limites no período carnavalesco.

Na cultura popular européia, as festas desempenhavam um papel importante em suas comunidades; festas de família, casamentos, festas de comunidade, como a festa do santo padroeiro de uma cidade ou paróquia [...]” [14] e também festas de carnaval, que eram um exemplo da interação entre aristocracia e o povo entre XVI - XVII. Exemplos como Abbaye de Conards, em Rouen, ou a Compagnie de la Mère Folle, em Dijon, em sua maioria frequentada por nobres mas que todos podiam assistir, demonstram a pluralidade da cultura popular na Idade Moderna.[14] Predominante no sul da Europa, o carnaval era marcado como um período de grande liberdade ou livre de penitências. A apresentação de peças de teatro era um grande marco dentro do contexto carnavalesco. Na época, ter um conhecimento prévio sobre os rituais carnavalescos eram fundamentais para a compreensão das peças e suas encenações. [29] O Carnaval se iniciava em Janeiro ou final de dezembro, a medida que se aproximava a Quaresma as pessoas ficavam mais animadas para o evento. Os principais locais que a festa acontecia eram nos centros das cidades como : Place Notre Dame em Montpellier, centros de comércio em Nuremberg, entre outros.[29] A cidade se tornava um grande teatro ao ar livre [29], as pessoas utilizavam máscaras, fantasias, personagens como: o diabo, animais selvagens, padre, homens se vestiam de mulheres e mulheres de homens. O que tornava as peças algo singular, visto que em dado momento não saberiam diferenciar os atores dos espectadores. [30]

Referências

  1. Chaui 2008, p. 55.
  2. Burke 2010, p. 33.
  3. a b c Burke 2010, p. 35.
  4. a b Burke 2010, p. 36.
  5. a b Burke 2010, p. 39.
  6. Burke 2010, p. 47.
  7. Burke 2010, p. 49.
  8. a b c Burke 2010, p. 51.
  9. a b c d e Burke 2010, p. 52.
  10. Burke 2010, p. 11.
  11. Burke 2010, p. 131.
  12. Burke 2010, p. 132.
  13. a b Burke 2010, p. 133.
  14. a b c Burke 2010, p. 243.
  15. a b c Burke 2010, p. 163.
  16. a b Burke 2010, p. 165.
  17. Burke 2010, p. 15.
  18. Burke 2010, p. 153.
  19. a b Burke 2010, p. 154.
  20. Bakhtin 1987, p. 10.
  21. Bakhtin 1987, p. 14.
  22. Bakhtin 1987, p. 16.
  23. a b Bakhtin 1987, p. 21.
  24. Bakhtin 1987, p. 34.
  25. Bakhtin 1987, p. 45.
  26. Burke 2010, p. 245.
  27. Soerensen 2011, p. 2.
  28. Cavalcanti 20110, p. 15.
  29. a b c Burke 2010, p. 248.
  30. Burke 2010, p. 249.

Bibliografia editar

  • Chaui, Marilena (2008), Cultura e democracia. En: Crítica y emancipación: Revista lationoamericana de Ciencias Sociales, CLACSO 
  • Burke, Peter (2010), Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800, ISBN 978-85-359-1619-5, Companhia das Letras 
  • Bakhtin, Mikhail (1987), A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rebelais, ISBN 85-271-0019-3, Universidade de Brasília 
  • Soerensen, Claudiana (2011), A carnavalização e o riso segundo Mikhail Bakhtin the carnivalization and the laughter by Mikhail Bakhtin, Artigo UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná 
  • Cavalcanti, Maria Laura Viveiros de Castro (2010), Em torno do Carnaval e da Cultura Popular, Artigo UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro