A doença de Dent é uma tubulopatia rara ligada ao cromossomo X, com manifestação de disfunção no túbulo proximal dos rins. Ela é caracterizada por proteinúria de baixo peso molecular (LMW), hipercalciúria, nefrocalcinose, urolitíase, insuficiência renal progressiva (podendo evoluir para insuficiência renal crônica) e muitas vezes pode acometer os ossos causando raquitismo ou osteomalácia. A doença pode ser de dois tipos: a tipo 1, em que as manifestações renais predominam, e a tipo 2, que também mostra sintomas extrarrenais, como hipotonia, déficit intelectual leve e catarata.[1][2]

Histórico editar

A doença de Dent foi descrita em 1964 pelos cientistas Charles Henry Dent e M. Friedman, depois de estudar dois pacientes do sexo masculino, provenientes da Inglaterra, que tinham raquitismo associados com uma doença renal.[2] 

Epidemiologia editar

A prevalência é desconhecida. A patologia foi descrita, até ao momento, em cerca de 250 famílias. A doença geralmente é encontrada apenas em homens e pode estar presente na infância, enquanto que as mulheres portadoras apresentam uma forma mais branda.[3]

Causas editar

A doença/ síndrome de Dent foi recentemente conceituada e está relacionada com distúrbios genéticos, ela pode ser causada por mutações no gene CLCN5, localizado no braço curto do cromossomo X ou por mutações no gene OCRL1, localizado no braço longo do cromossomo X. A mutação expõe a transcrição de RNA a ação de enzimas endonucleases, não permitindo sua transcrição no retículo endoplasmático e, consequentemente, levando a ausência da formação de proteínas. Com relação a prevalência das mutações, a mutação que tem maior incidência, atingindo de 50 a 60% das pessoas, é a encontrada no gene CLCN5, caracterizando a doença de Dent do tipo 1. Aproximadamente 15% do total de pessoas com a doença abrigam mutações OCRL1, caracterizando a doença de Dent do tipo 2. Acredita-se que o restante dos doentes, de 25-35%, possuem mutações em outros genes.[4] 

Fisiopatologia editar

Para entender como essa mutação genética interfere no funcionamento renal, levando ao aparecimento do fenótipo da doença de Dent, é preciso entender o funcionamento normal do rim. Esse tubulopatia causa uma alteração na reabsorção renal. A reabsorção tem início com o filtrado glomerular que alcança os túbulos do néfron que flui através do túbulo proximal, alça de Henle, túbulo distal e canal coletor, até atingir a pelve renal. Ao longo desse trajeto mais de 99% da água filtrada no glomérulo é reabsorvida, e o líquido final constitui a urina propriamente dita.O túbulo proximal é responsável pela reabsorção de cerca de 65% da quantidade de água filtrada nos capilares glomerulares. A glicose e os aminoácidos são quase inteiramente reabsorvidos com a água nessa parte do néfron.[2][3][5]

O fenótipo da doença de Dent do tipo 1 decorre de uma mutação do gene CLCN5 que codifica a proteína CIC-5, levando a uma redução ou eliminação completa das correntes de cloreto do canal CIC-5. Esse canal se expressa no túbulo contorcido proximal, ramo ascendente grosso da alça de Henle e no ducto coletor cortical e medular externo. Além disso, pesquisas com ratos nocaute, evidenciaram que a ausência desse canal leva a um defeito na absorção de proteínas de baixo peso molecular e, consequentemente, desencadeia proteinúria. A correlação fisiológica do canal CIC-5 com a absorção de proteínas de baixo peso molecular, é que nas células do túbulo contorcido proximal, ele atua no contrabalanceamento da concentração de prótons gerado pela endocitose de vesículas por meio do complexo Megalina-Cubilina, que necessitam desse gradiente, gerado pelo canal próton-ATPase (H+/ATPase), para dissociar as proteínas desse complexo. A corrente de cloreto é importante para evitar uma desnaturação proteica. Por mais que se conheça esse mecanismo fisiológico, a fisiopatologia que correlaciona esses eventos ainda é desconhecida.  Por outro lado, o fenótipo da doença de Dent do tipo 2 ocorre devido a mutações do gene OCRL1 e pode ser atribuído, em parte, ao papel desse gene no tráfico lisossômico e triagem endossomal. Essas mutações desencadeiam a ausência de OCRL1, levando a ruptura do sistema endossomal e diminuição de sua ação na acidificação e no tráfico de lisossomos.

Sintomas editar

A função tubular pode ser aferida por meio da análise da excreção urinária de eletrólitos, glicose, aminoácidos e proteínas de baixo peso molecular, normalmente ausentes na urina. De maneira geral, o aumento na excreção urinária desses componentes sugere uma disfunção do túbulo proximal, uma vez que esses solutos são reabsorvidos em grande parte nessa região do néfron. Os principais sinais e sintomas dessa tubulopatia são:[1][3]

  • Excesso de proteínas na urina (proteinúria);
  • Eliminação de grande quantidade de urina (poliúria);
  • Aumento na excreção de cálcio na urina (hipercalciúria);
  • Deposição exacerbada de cálcio nos rins;
  • Urolitíase (cálculos nos rins e nas vias urinárias);
  • Acúmulo anormal de sais de cálcio dentro dos rins (nefrocalcinose), muitas vezes levando a uma perda progressiva da função renal;
  • Sede intensa e desidratação;
  • Enfraquecimento e desmineralização de ossos maduros (osteomalacia);
  • Raquitismo.

O indivíduo afetado também pode apresentar uma quantidade aumentada de aminoácidos, fosfatos, glicose, ácido úrico na urina, além de uma excreção diminuída de potássio. 

Diagnóstico editar

O diagnóstico clínico é fundamentado pela presença de proteinúria de baixo peso molecular e hipercalciúria e pelo menos um dos seguintes: nefrocalcinose, cálculos renais, hematúria (sangue na urina), deficiência de fosfato, ou insuficiência renal. Para confirmação do diagnóstico é necessário um teste molecular.[4][6]

Embora tecnicamente viável, os diagnósticos pré-natal e de pré-implantação não são recomendados, porque não há evidência de uma correlação genótipo-fenótipo e devido ao prognóstico vital geralmente bom.

Tratamento editar

A doença de Dent não possui cura, sendo o tratamento com a finalidade de reduzir os sintomas do paciente. Não existem protocolos de tratamento padronizados para os indivíduos afetados. Devido à raridade da doença, não existem ensaios que tenham sido testados em grandes grupos de pacientes. Nesse contexto, o tratamento da doença de Dent deve exigir esforços coordenados de uma equipe de especialistas incluindo profissionais das áreas de nefrologia, urologia, nutrição, e outros profissionais da saúde que podem planejar sistematicamente e de maneira abrangente o projeto de tratamento do indivíduo afetado.[6]

Algumas formas de tratamento que vem sendo testadas são:

  • Uso de medicamentos diuréticos evita a perda excessiva de minerais na urina sendo usado para tratamento da hipercalciúria e prevenção de cálculos renais, entretanto este tipo de medicamento apresenta efeitos adversos significativos incluindo hipovolemia e hipocalemia;
  • Uso da vitamina D para tratamento das doenças ósseas advindas da doença de Dent, porém esta administração deve ser cautelosa, uma vez que a vitamina D aumenta os níveis de cálcio na urina, podendo potencializar o sintoma de hipercalciúria;
  • Uma dieta com alto teor de citrato foi demonstrada em ratos que atua retardando a progressão da doença renal, entretanto não existem evidências em seres humanos;
  • Com a evolução da doença tratamentos mais agressivos são utilizados estes podendo ir de hemodiálise a transplante renal.

Referências

  1. a b «CASO CLÌNICO». arquivos.sbn.org.br. Consultado em 5 de dezembro de 2016 
  2. a b c García Nieto, V. y Claverie-Martín, F. (2003). «Enfermedad de Dent. Historia y causas genéticas de una «nueva» tubulopatía»
  3. a b c Devuyst; Oliver; Rajesh V. (2010-01-01). “Dent’s disease”.Orphanet Journal of Rare Diseases.
  4. a b Michael Ludwig (Editorial Review): Recent advances in understanding the clinical and genetic heterogeneity of Dent’s disease. Nephrol Dial Transplant, 21: 2708–2717, 2006
  5. BERNE, R. M., LEVY, M. N., KOEPPEN, B. M. & STANTON, B. A. (2004). Fisiologia (*), 5ª ed., Ed. Elsevier, Rio de Janeiro, RJ. ISBN-10:8535213678
  6. a b Steven J. Scheiman: X-linked hypercalciuric nephrolithiasis: Clinical syndromes and chloride channel mutations. Kidney International, vol. 53: 3-17, 1998

Referências