Gonçalo Condeixa: diferenças entre revisões

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Rui Almeida Pereira
GONÇALO CONDEIXA, O HOMEM QUE QUERIA SER BOI, por Fernando Évora.
 
Esta história conheço-a de fonte segura:
Quando era criança, ao menino Gonçalo Condeixa foi oferecido um touro de plástico. Um daqueles touros de plástico de brincadeira que propagandeavam o país de nuestros hermanos, e que repetiam, em dimensão de brinquedo, os colossais touros que se avistavam nas planícies espanholas. O Gonçalo ficou encantado pelo brinquedo. Tomou-lhe as linhas e sinuosidades e, porventura, apercebeu-se da dimensão prodigiosa que é uso as crianças aperceberem nos mais insuspeitos dos brinquedos. Crente da primordial religião animista infantil fez daquele toiro seu confidente e companheiro predileto, objeto de sua admiração. Não é caso para admirar: o Gonçalo vem dum tempo em que os brinquedos, porque mais raros, exerciam um fascínio prolongado nas crianças que lhes ficavam a conhecer profundamente as manias, as birras e, caso a houvesse, a nobreza de caráter. Suponho que esta última qualidade seria marcante naquele brinquedo em particular. A admiração pelo toiro espanhol foi de tal modo que, quando lhe perguntavam o queria ser quando fosse grande, a criança respondia que queria ser boi.
Ora, como podemos ver neste catálogo, o imaginário plástico do Gonçalo manifestou-se logo na infância. No período em queria ser boi e não artista. Esta característica que é marca do Gonçalo – chamar-lhe-ia, por comodidade, a plástica dos sorrisos francos -, poderia levar-nos à discussão do ovo e da galinha: será o Gonçalo, ainda hoje, um pintor, logo um homem, que nunca deixou de viver a sua infância e a sua arte é expressão da criança que foi? Ou, colocado da forma contrária: já na sua infância estava o Gonçalo marcado por este imaginário que é intemporal, porque a arte é assim mesmo, desafiadora das leis do tempo, e aquela revelação da plástica dos sorrisos francos, ocorrida no tempo em que queria ser boi, seria apenas uma manifestação precoce da dita grande arte que vive além e independentemente dos artistas? Seria uma discussão académica que nos elevaria a ilustres formulações eruditas, capazes de impressionar o leigo pela complexidade conceptual e lexical, porém estéreis. Até porque o escrevinhador destas palavras não está equipado como a utensilagem capaz de formular corretamente essas questões. O que lhe interessa – ao escrevinhador –, é o olhar do Gonçalo sobre o mundo. E arrisca-se mesmo o dito escrevinhador a gabar-se do seu conhecimento sobre este imaginário condeixiano, pois que trabalhou com o artista em vários projetos. E deixou-se sempre levar pela franqueza dos desenhos e ilustrações do Gonçalo. Ainda hoje tem o escrevinhador sobre o seu pc – instrumento de trabalho e não sigla – uma gravura do seu amigo. Nela está representado um anjo de sorriso franco. Tem-na aí para que o anjo o faça descer à terra dos Homens quando ele se sentir tentado a esguichos intelectualóides, armando-se em Deus das palavras e esquecendo a massa de que somos feitos. Porque afinal é essa a mais simples das características da obra do Gonçalo: a sua profunda humanidade. São as pessoas com os seus sorrisos francos que estão ali, quase desnudas, revelando-se ao mundo dos que olham para os quadros. E é raro (eu, pelo menos, nunca o atingi) perceber maldade em algum dos representados pelo Gonçalo. Todas as pessoas – e aqui incluo os animais e objetos que ganham, na sua representação, dimensão humana, tal como os brinquedos da nossa infância – todas as pessoas são genuínas. Porque se o Gonçalo Condeixa não veio a ser boi, como queria, pelo menos herdou do seu amigo a grande nobreza de caráter que estende a todos os que o rodeiam. Na vida, como na arte. E, de algum modo, o desejo da criança tornou-se verdade no que era a sua essência. Afinal o desejo cumpriu-se, à sua maneira. Verdade, Gonçalo?