Questão Coimbrã: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Correcção de gramática e sintaxe e unificação da grafia (o artigo apresentava uma mistura dos Acordos de 1945 e 1990).
Correcção e unificação da grafia (o artigo misturava os Acordos de 1945 e 1990).
Linha 57:
Mais tarde no mesmo ano, em Outubro, [[Manuel Pinheiro Chagas|Pinheiro Chagas]] publica o seu “[[Manuel Pinheiro Chagas|''Poema da Mocidade'']]”. Encarregado de escrever o Prefácio (que se chamaria “''[[Carta ao Editor Pereira]]”'') para a obra do seu protegido, [[António Feliciano de Castilho|Castilho]] aproveita a oportunidade para, através do seu habitual palavreado elaborado, fazer violentas alusões a [[Antero de Quental]], [[Teófilo Braga]] e a [[José Cardoso Vieira de Castro|Vieira de Castro]] (que nada tinha que ver com o assunto). Esta carta, que constata a fraca opinião de [[António Feliciano de Castilho|Castilho]] em relação à credibilidade destes jovens escritores, é mais do que provocação suficiente para originar uma resposta de [[Antero de Quental]], dando início da toda a polémica.
 
== A RuturaRuptura ==
É no prefácio dos “[[Contos da Solidão”]] de [[Manuel Ferreira da Portela]], escrito por [[Antero de Quental|Antero]], que este último começa a anunciar a sua resposta a provocação do posfácio de [[António Feliciano de Castilho|Castilho]] no “[[Manuel Pinheiro Chagas|Poema da Mocidade]]”. 
 
Linha 89:
 
== Ramalho Ortigão e a "Literatura de Hoje" ==
Ao contrário do que nos parece agora lógico, [[Ramalho Ortigão]] (que mais tarde, depois a viagem cultural em Paris em1868, viria, tal como [[Antero de Quental|Antero]], a fazer parte das [[Conferências do Casino]] e da “[[Geração de 70]]”) sai, nesta altura, em “semi-defesa”“semidefesa” de [[António Feliciano de Castilho|Castilho]], no folheto “''A Literatura de Hoje''”.
 
Começando por definir em que consiste a crítica e explicar que esta é uma ocorrência natural mal se publica uma obra, o que [[Ramalho Ortigão|Ramalho]] de facto pretende criticar em [[Antero de Quental|Antero]] é a maneira como este ataca [[António Feliciano de Castilho|Castilho]]. [[Ramalho Ortigão|Ramalho]] considera que muitas das acusações que [[Antero de Quental|Antero]] faz a [[António Feliciano de Castilho|Castilho]] são de carácter pessoal, considerando-as, por isso, pouco credíveis. Em consequência, acusa [[Antero de Quental|Antero]] de cobardia por “gozar” com a velhice e cegueira (real) de [[António Feliciano de Castilho|Castilho]]. 
Linha 99:
Como se sabe, as divergências entre os dois escritores viriam a ser ultrapassadas mal estes se apercebessem do quanto tinham em comum. Apesar deste desacato, [[Antero de Quental|Quental]] e [[Ramalho Ortigão|Ortigão]] viriam a ser bons amigos.
 
== A Segundasegunda Cartacarta de Antero: "A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais" ==
Em Dezembro de 1865 [[Antero de Quental]] escreve uma segunda carta dirigida a [[António Feliciano de Castilho|Castilho]] onde pretende esclarecer o seu controverso ponto de vista, de modo a responder às acusações que lhe haviam sido feitas. 
 
Começa por explicar o motivo desta nova carta - a defesa da verdade - “defender a liberdade e a dignidade do pensamento”.
 
Continua, criticando as "literaturas oficiais" pelo seu comodismo e pela sua indeferênça em relação ao estado do país, à inovação artística e ao valor da [[Razão]] e do pensamento indiviual. As suas acusações não perdem qualquer severidade, como podemos observar:<blockquote>(Em relação às "literaturas oficiais") “Literatura que respeita mais os homens que a santidade do pensamento, a independência da inspiração; que pede conselho às autoridades encartadas; que depende dum aceno de cabeça dos vizires académicos; essa literatura não é livre (…)”.</blockquote><blockquote>“(…) o Sr. Castilho, é o maior inimigo da poesia portuguesa(…)”</blockquote>O que defende, em oposição ao que acusa, é uma literatura independente, que não receia desaprovação oficial e, que defende as suas próprias ideias, ou seja, que “busca o bem, o belo, o verdadeiro”. Para percebermos a opinião de [[Antero de Quental|Quental]] sobre a atuação das “literaturas oficias” e do seu lirismo romantico neste sentido, atentemos na seguinte citação da carta:<blockquote>“(…) as literaturas oficiais, governamentais, subsidiadas, pensionadas, rendosas, para quem o pensamento é um ínfimo meio e não um fim grande e exclusivo; para quem as ideias são uns instrumentos de fortuna mundana (…) não buscam a verdade pela verdade, a beleza pela beleza, mas só a verdade pelo prémio e a beleza pelo aplauso (…)”.</blockquote>Por fim, [[Antero de Quental|Antero]] salienta vivamente a necessidade de uma [[literatura]] que seja realmente do seu povo, que o defenda e enalteça, que aponte os males, as desigualdades e as misérias socias que reinam no país e que há tanto vinham sendo ignoradas pelos poderosos. Atente-se nas expressões demonstrativas:<blockquote>“Mas a nação, a nação verdadeira, não sois vós, senhores do funcionalismo, parasitas, ociosos, improdutivos. A nação portuguesa são três milhões de homens que trabalham, suam, produzem, activos e honrados (…)”</blockquote><blockquote>“As literaturas oficiais serão tudo e de todos - do governo, da academia, do agrado dos botequins e das gazetas, serão ricas, estimadas, lisonjeadas - só não serão jamais nacionais e do coração do povo!”</blockquote>Conclui-se o grande problema que [[Antero de Quental|Quental]] via na [[Ultrarromantismo|literatura portuguesa romântica:]] a sua recusa em encarar os problemas da nação, deixando-se ficar apenas pelo uso vazio de um palavreado caro que deveria agradar sempre aos mesmos e que nunca procurava inovar pois em tal não via necessidade, se tudo se passava tão lisonjeiramente como estava.
 
Foi precisamente a polémica da '''Questão Coimbrã''' que veio destabilizar o ocioso e comfortável marasmo em que se encontrava a [[literatura portuguesa]] da época.
 
== Intervenção em 1866 ==
Durante o ano de 1866 sairam multiplosmúltiplos textos de diversos escritores que, de algum modo, se relacionavam com a '''Questão Coimbrã'''. Entre esses textos destacam-se as, já referidas, ''[[“Literaturas de Hoje]]''” de [[Ramalho Ortigão]] e as “''Vaidades Irritadas e Irritantes''” de [[Camilo Castelo Branco]] (ambos publicadas em Janeiro desse ano).
 
[[Camilo Castelo Branco|Camilo]], amigo de longa data de [[Antonio Feliciano de Castilho|Castilho]], tentou longamente manter-se afastado de toda a polémica. Porém, os pedidos constantes de [[Antonio felicitando de Castilho|Castilho]] para que este interviesse a seu favor, levam-no a finalmente manisfestar-se em 1866. No entanto esta sua intervenção é bastante moderada e acaba por criticar tanto o modo como Antero ataca Castilho como o fraco valor da escrita de Castilho. Adicionalmente, elogia e reconhece todo o mérito a Teófilo Braga.
 
== Legado ==
A '''Questão Coimbrã''' constituíu uma das mais importantes e primeiras manifestações do desejo de inovação na literatura portuguesa do [[século XIX]]. O confronto entre a velha geração romântica e a [[Geração de 70|nova geração crente no realismo]], [[positivismo]] e na necessidade de intervenção da arte na sociedade, era inevitável. Esta polémica marca essa rutura entre uma conceçãoconcepção comodista e conveniente da [[arte]] por uma nova que deve mostrar-se independente e interventiva. 
 
Várias das personalidades envolvidas nesta [[Questão coimbrã|Questão]] enquanto estudavam em [[Coimbra]] reunem-se mais tarde, em [[Lisboa]]. Aí, [[Antero de Quental]], [[Teófilo Braga]] e [[Eça de Queiroz|Eça de Queirós]] juntam-se a [[Ramalho Ortigão]], [[Joaquim Pedro de Oliveira Martins|Oliveira Martins]] e [[Guerra Junqueiro]] (entre outros) e criam, em 1871, as [[Conferências do Casino|Conferências Democráticas do Casino LisboenseLisbonense]]. Estas Conferências pretendem analisar várias questões civicamente relevantes, refletindo sobre temas como [[política]], [[sociedade]], [[ensino]], [[literatura]] ou [[religião]]. Devido à defesa, por parte deste grupo, de ideais [[Republicanismo|republicanos]] e liberais (entre outros considerados novos e controversos), as Conferências acabam por ser proibidas pelo [[Governo]] que as reconhece como opostas às “leis do reino e o Código Fundamental da [[Monarquia]]”.
 
Este grupo de pensadores, que viria a ser conhecido como “[[Geração de 70]]”, foi fulcral na sua tentativa de trazer alguma modernidade a [[Portugal]]. Alcançaram importantes cargos e escreveram várias obras que compravam a sua influência. Sublinhe-se, por exemplo a relevância de obras como “[[Os Maias]]” e “[[O Crime do Padre Amaro]]” de [[Eça de Queiroz|Eça de Queirós]], “[[As Farpas]]” de Eça e [[Ramalho Ortigão]], ou até mesmo as “[[Odes Modernas]]” de [[Antero de Quental]]. [[Teófilo Braga]] viria, aliás, a tornar-se, em 1910, Presidente do Governo Provisório e em 1915, [[Presidente da República Portuguesa]]. 
 
Apesar de tudo isto, no fim da sua vida, esta geração não vê em [[Portugal]] todos os avanços com que tinha sonhado. Assim, não considerando a sua missão um sucesso concluído, auto-proclamam-se ironicamente “[[Geração de 70|Os Vencidos da Vida]]”.
 
== Informação extra: "Um Génio que era um Santo" <sup>5</sup> ==
Eça de QueirósQueiroz foi amigo cordial de Antero toda a sua vida, tendo o poeta um profundo impacto nas suas próprias opiniões. Após o suicídio de Antero, Eça, profundamente sentido, escreve-lhe um elogio fúnebre intitulado “Um GênioGénio que era um Santo”. Algumas citações deste texto comprovaram decerto o carácter bem intencionado e honesto de Antero, bem como a sua determinação, inteligência e relevância no contexto literário e cultural português. Abaixo encontra-se também, no '''ponto 3''', um excerto do elogio diretamente referente ao significado da Questão Coimbrã. "Um Génio que era um Santo" poderá constituir uma das mais belas e enternecedoras declarações de amizade e admiração já escritas. Daí esta alusão à referida obra, cuja leitura se recomenda vivamente.
 
* 1- O texto inicia-se com um relato de uma noite em Coimbra em que Eça se depara com um homem sendo ouvido por várias pessoas a improvisar. Esse homem era Quental:
<blockquote>“[…] também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero que improvisava, a escutar, num enlevo, '''como um discípulo. E para sempre assim me conservei na vida'''. […]</blockquote><blockquote>Foi isto, creio eu, em 1862 ou 1863. […] Nesse tempo ele era em Coimbra, e nos domínios da inteligência, '''o Príncipe da Juventude'''.”</blockquote>
* 2- Em relação à influência dos tempos universitários, onde era já evidente a contrariedade existente entre a geração de Eça e Quental e a geração romântica (á qual vários dos seus professores pertenciam):
<blockquote>“'''No meio de tal Universidade, geração como a nossa só podia ter uma atitude – a de permanente rebelião.''' Com efeito, em quatro anos, fizemos, se bem me recordo, três revoluções, com todos os seus lances clássicos, manifestos ao Pais, pedradas e vozearias, uma pistola ferrugenta debaixo de cada capa, e as imagens dos reitores queimadas entre as danças selváticas. A Universidade era, com efeito, '''uma grande escola de revolução: – e pela experiência da sua tirania aprenderíamos a detestar todos os tiranos, a irmanar com todos os escravos."'''</blockquote><blockquote> </blockquote>
* '''3- Referindo-se diretamente à polémica da Questão Coimbrã:'''
<blockquote>“E enfim '''foi ele ainda que se rebelou contra outro e bem estranho despotismo, o da Literatura Oficial,''' na tão famosa e tão verbosa Questão Coimbrã, já não é fácil, depois de tantos séculos, relembrar os motivos dogmáticos por  que se esgadanharam as duas literaturas rivais, de Coimbra e de Lisboa... O velho  Castilho, contra quem se ergueram então tantas lanças e tantos folhetos, não se petrificara realmente numa forma literária que pusesse estorvo à delgada corrente do espírito novo. […] houve dignidade e beleza no seu prolongado amor das Letras e das  Humanidades. (Seriam hoje úteis, entre nós, um ou dois Castilhos.) Em todo o caso,  '''relativamente a Antero de Quental e a Teófilo Braga, o vetusto árcade mostrou intolerância e malignidade, deprimindo e escarnecendo dois escritores moços,''' portadores de uma ideia e de uma expressão próprias, só '''porque eles as produziam sem  primeiramente, de cabeça curva, terem pedido o selo e o visto para os seus livros à Mesa Censória''', instalada sob a seca olaia do seco cantor da «Primavera». '''O protesto de Antero foi portanto moral, não literário.''' A sua faiscante carta «Bom  Senso e Bom Gosto» continuava, nos domínios do pensamento, a guerra por ele encetada contra todos os tiranetes, e pedagogos, e reitores obsoletos, e gendarmes  espirituais, com que topava ao penetrar, homem livre, no mundo que queria ser livre. '''Para Teófilo Braga, essa luta coimbrã foi essencialmente uma reivindicação do espírito crítico'''; para os outros panfletários, todos literatos ou aliteratados, uma afirmação de  retórica;–'''para Antero, de todo alheio ao literatismo, um esforço da consciência e da liberdade.''' Por isso o seu ataque sobretudo nos impressionou, não só pelo brilho superior da sua ironia, mas pela sua tendência moral, e pela quantidade de revolução que continha aquela altiva troça ao déspota do purismo e do léxico.”</blockquote>
* 4- Algumas afirmações sobre o seu carácter:
<blockquote>"Mas é certo que ele se afirmou sempre como o '''grão-capitão das nossas revoltas'''."</blockquote><blockquote>“'''Antero era não só um chefe – mas um Messias.''' Tudo nele o marcava para essa missão, com um relevo cativante: até a bondade iniciadora do seu sorriso […].” </blockquote><blockquote>“Mas sobretudo se impunha pela '''sua autoridade moral. Antero era então, como  sempre foi, um refulgente espelho de sinceridade e retidão'''.”</blockquote><blockquote>“'''Conviver então com Antero foi um encanto e uma educação'''. Não conheço virtude que ele não exercesse […]”.</blockquote><blockquote>" […] verdadeiramente '''Santo Antero, irradiava bondade'''."</blockquote>
* 5- Rematando com:
<blockquote>“[…] em Antero de Quental, me foi dado conhecer, neste mundo de pecado e de escuridade, alguém, filho querido de Deus, que muito padeceu porque muito pensou, que muito amou porque muito compreendeu, e que, simples entre os simples, pondo a sua vasta alma em curtos versos – '''era um Génio e era um Santo.”'''</blockquote>{{Portal3|Portugal|Literatura}}