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O '''dinheiro''' é na sua aparência mais imediata o meio usado na troca de [[Bem (economia)|bens]], podendo fazê-lo na forma de [[Moeda|moedas]] (pedaços de metal amoedados e cunhados, isto é, marcados por desenhos, letras e números), notas ([[Cédula|cédulas]] de papel, igualmente desenhadas e escritas), ou, como atualmente, sinais elétricos carregados de informação, chamados bits. Vê-se assim como dinheiro e [[moeda]] se confundem; sendo que as moedas - quando mais físicas são, metal ou papel - mais obscurecem que esclarecem o que este é realmente. Isso porque o que o dinheiro é essencialmente é um [[Signo linguístico|signo]]. E um signo representativo de valores, que é a [[informação]] que este signo carrega. Estes valores representados no dinheiro são os das coisas ([[bens e serviços]]) que se desprendem dos homens nos impessoais mercados, mas também e principalmente os valores dos compromissos, dívidas e [[Crédito|créditos]], que os homens estabelecem entre si desde sempre, ou desde muito antes dos [[mercados]].
[[Ficheiro:Keynes 1933.jpg|miniaturadaimagem|[[John Maynard Keynes]]]]
As economias modernas, [[Capitalismo|capitalistas]], são essencialmente monetárias;<ref>{{citar livro|título=Teatise on money|ultimo=KEYNES|primeiro=John Maynard|editora=Harcourt, Brace and company.|ano=1930|local=New York}}</ref>
Sendo o dinheiro um [[Signo linguístico|signo]] de [[valor]] que serve para exprimir os [[Preço|preços]] das coisas, ele próprio não necessita ser uma coisa. Ou seja, não é dinheiro apenas o que é uma [[mercadoria]] produto do [[trabalho]] e sujeita a [[escassez]] como as outras, ainda que isso tenha acontecido em alguns momentos da história (ver adiante). Não é regra que o dinheiro seja aquela mercadoria que no confronto com as demais torna-se a mais aceita por razões de praticidade. Os economistas que pensam o dinheiro como mercadoria derivam suas teorias de um idílico estado primitivo de [[escambo]]. Para estes economistas ser mercadoria garante ao dinheiro ter estabilidade - essencial em algo que serve de medida. Os economistas que pensam o dinheiro como signo também dão importância para a estabilidade de seu valor, mas esse valor é de saída estipulado pelos governantes que o administram, e eles o fazem controlando as taxas básicas de juros que funcionam como preço do dinheiro, ou quão mais caro ou barato é consegui-lo. Esses economistas são filiados mais ou menos diretamente à escola da moeda como oriundo do Estado de [[Knapp]]<ref>{{citar livro|título=The State Theory of Money.|ultimo=KNAPP|primeiro=Georg Friedrich|editora=Simon Publications|ano=2003|local=San Diego}}</ref>.[[Imagem:Usdollar100front.jpg|thumb|412x412px|O dinheiro é um grande símbolo de [[poder]].]]Os [[Estados nacionais]] têm nas moedas nacionais a sua mais importante [[instituição]]. Garantir que a moeda que produzem seja a que efetivamente os cidadãos usam como dinheiro é fundamental para sua credibilidade política. Usar a moeda como dinheiro implica usá-la como meio de troca (compra e venda de bens e serviços), como reserva de valor (poupança e aplicações financeiras) e, fundamentalmente, como unidade de conta (expressão dos preços, definidora de valores nos contratos, signo generalizado de registro de débitos e créditos). Moedas fracas podem perder uma ou mais destas funções para uma moeda estrangeira. Um governo que permite o enfraquecimento de sua moeda corre sério risco de deixar de ser governo e pode colocar em risco a nação que governa. Isso aconteceu, por exemplo, no período de entre guerras na [[Alemanha]] quando o país passou por um processo de [[Hiperinflação na República de Weimar|hiperinflação]]. Contudo, estão equivocados os economistas que julgam que para manter o valor estável da moeda nacional, e os preços sobre controle, devem ser impostas aos governo rígidas regras que os impeçam de emitir dinheiro demais. Os [[Governo|governos]] emitem dinheiro, na forma de suas moedas (de papel ou eletrônicas), toda vez que fazem um gasto e creditam algum valor nas contas comerciais de algum cidadão ou empresa. Contra esse crédito é realizado um débito na conta do governo no seu [[Banco central|Banco Central]]. O financiamento dos gastos do governo nunca é um problema - em território nacional -, como acreditam os que desconhecem que o dinheiro é uma criatura do Estado. Isso não significa que não seja absolutamente relevante que a sociedade controle como, quando e onde gastam seus governos, o que podem e devem fazer por meio das discussões orçamentárias (onde se define, por exemplo, se mais ou menos recursos devem ir para educação ou propaganda). Contudo, o controle quantitativo do total dos gastos dos governos, com vistas a garantir finanças públicas ditas "equilibradas", parte em geral da má compreensão de que os governos gastam a partir do que arrecadam de seus cidadãos e empresas na forma de impostos.<ref>{{citar livro|título=Teoria monetária moderna: A chave para uma economia a serviço das pessoas.|ultimo=GERIONI et all|primeiro=Enzo|editora=Nova Civilização.|ano=2016|local=Rio de Janiero}}</ref>[[Ficheiro:Louis Rhead Robin Hood.jpg|miniaturadaimagem|369x369px|Robin herói medieval]]Impostos são essenciais para distribuir a renda entre os cidadãos mas não o são para financiar os gastos dos governos.<ref>{{citar livro|título=Dívida - os primeiros 5000 anos.|ultimo=GRAEBER|primeiro=David|editora=Tres estrelas|ano=2016|local=São Paulo}}</ref> De fato, os Estados ao longo da história, tornaram a sua moeda hegemônica justamente por definirem que seus impostos deveriam ser obrigatoriamente pagos nelas.<ref>{{citar livro|título=The Deficit Myth: Modern Monetary Theory and the Birth of the People's Economy|ultimo=KELTON|primeiro=Stephane|editora=Public Affairs|ano=2020|local=New York}}</ref> Ou seja, a parte da riqueza ou do produto do trabalho dos cidadãos que os Estados reivindicam para si se são exigidos nesse signo, a moeda estatal, em vez de bois ou trigo (como nos filmes de [[Robin Hood]]) as pessoas precisam da moeda do Estado, o que acaba por torná-la a mais aceita para cumprir as funções de dinheiro.
Se por alguma limitação auto-imposta a emissão pura e simples de moeda para financiar o gasto público não for possível, os governos podem recorrer a uma [[quase-moeda]], os [[Título público|títulos de dívida pública]]. Tanto moeda quanto títulos são signos de dívida, quem os carrega tem consigo um documento que vale um pagamento em bens e serviços. Se a moeda é a forma mais líquida do dinheiro, como salienta [[John Maynard Keynes|Keynes]], os títulos públicos - que podem ser resgatados por dinheiro sempre que o governo quiser - garante a estes [[liquidez]] semelhante à daquele, com a vantagem de que mantê-los rende juros. Por isso, estes títulos sempre terão compradores no mercado. "Forças de mercado", ou mais explicitamente, pressões políticas de certos grupos de interesses, podem pressionar estes juros para cima, mas um governo soberano e voltado às demandas sociais em primeiro plano, deve e pode contê-las.
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Sociedades muito antigas, em torno de 5000 anos, conforme a minuciosa pesquisa de [[David Graeber]] em seu [[:en:Debt:_The_First_5000_Years|Debt: the first 5000 years]], criaram meios de registrar seus acordos e compromissos que envolviam dívidas e créditos (ou cessão antecipada ou postergada de bens e serviços) fossem acordos entre os membros de uma mesma [[comunidade]] (de mesmo status ou de status diferentes), fossem com membros de outras comunidades, e mesmo com seres imaginários. Estes compromissos se davam dentro de grupos familiares - sendo os principais, o casamento, o nascimento e a morte - ou envolviam toda a comunidade - como expedições e guerras.
As primeira formas de moeda foram registros das dívidas uma vez feitos num objeto qualquer - esculpido numa pedra ou num pedaço de madeira -, circulava entre os membros da comunidade, sendo trocado diversas vezes por bens equivalentes antes que fosse resgatado pela dupla original de credor-devedor. Isso significa que qualquer coisas aceita como passível de representar outras poderia ser moeda-dinheiro. Ao mesmo tempo, fora das comunidades cujas relações se davam entre conhecidos, onde as penalidades pelo mau comportamento - não pagamento de uma dívida que faria determinado registro perder seu valor - viriam de uma forma ou de outra, é aceitável que coisas com valor em si mesmo - como as mercadorias [[ouro]] e [[prata]], feitas para serem comercializadas - pudessem ser preferidas como dinheiro. Isso porque no caso de pessoas e grupos sociais que não convivessem de perto, ou que não tivessem relações reiteradas no tempo, o que é mais comum no [[comércio]], o valor intrínseco desses metais funciona como um [[seguro]] - uma vez que não se consiga trocá-lo pelo que está escrito nele, sempre se pode derretê-lo.[[Imagem:Escambo pintura.jpg|thumb|esquerda|288x288px|Escambo - onde o dinheiro surgiria naturalmente da troca de coisas com coisas.]]Assim é que, segundo [[David Graeber|Graeber,]] "o dinheiro é quase sempre algo que paira entre uma mercadoria e um símbolo de dívida",<ref>{{citar livro|título=D'vida - os primeiros 5000 anos|ultimo=GRAEBER|primeiro=David|editora=Tres estrelas|ano=2016|local=São Paulo|página=100}}</ref>
Se a origem do dinheiro pouco tem a ver com a "fábula do escambo" - onde quem pescasse mais peixe do que o necessário para si e seu grupo trocava este excesso com o de outra pessoa que tivesse plantado e colhido mais milho ou o que fosse - ela também não pode ser reduzida ao "mito da dívida primordial" - onde somos eternos devedores do deus que nos deu a vida, e assim respeitamos a autoridade de quem define o que vai ser a moeda e qual o seu valor, como será o Estado adiante na história.
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Longe desses modelos idealizados encontramos indícios do dinheiro mercadoria mais ligado ao comércio e iniciativas privadas e do dinheiro signo mais ligado ao poder central (dos "pagé" das tribos, passando pelos administradores dos templos egípcios, aos [[Bancos centrais|Bancos Centrais]] na atualidade) coexistindo ao longo da história. Se se tem a impressão de que o dinheiro foi desde sempre mercadoria (antes dos metais, o gado ou o sal, por exemplo) é porque os metais brilharam excessivamente no passado da humanidade. Ou seja, o dinheiro amoedado em metais como cobre, prata ou ouro, é mais fácil de encontrar que os registros de operações de débito e crédito em frágeis pergaminhos. Contudo, descobertas como a [[Pedra de Roseta|Pedra da Roseta]] conseguiram mostrar como o dinheiro aparece, e desaparece, num simples num édito faraônico que ordena a anulação de certas dívidas. Isso não significa que a pesquisa sobre o dinheiro como notação tenha por base apenas esses comprovantes materiais; pelo contrário, os principais elementos para essa pesquisa são as palavras, os hábitos e costumes que duraram milênios (como a [[Escravidão|escravização]] por dívida ou seus impedimentos, bem como os impedimentos ou estímulos à [[prostituição]]), os documentos que provam as revoltas quando das crises de dívidas que super expropriavam as famílias e as festas quando ocorria o contrário, os grandes perdões onde se "quebravam as tábuas" onde eram registradas.
As primeiras formas de dinheiro nasceram dentro das comunidades mais que em suas franjas (onde uma comunidade se relaciona com outra) e por isso eram mais ligadas aos registros de dívida que a algo comercializado. As provas mais cabais remetem à civilização Suméria em torno de 3500
[[Ficheiro:Finnish Biblia 1642 2.jpg|miniaturadaimagem|329x329px|Bíblia fala sobre o Jubileu - perdão generalizado de dívidas.]]
Um registro importante das formas antigas de dinheiro são as revoltas quando do acúmulo de dívidas e as festas quando de seu cancelamento. As revoltas se seguiam o elevado endividamento forçava à escravidão "excessiva" (quando um grupo familiar perdia muitos membros e por muito tempo impedindo a sua reprodução material). A destruição dos registros das dívidas eram comum nas civilizações antigas como ainda ocorre com frequência nos nossos dias, apenas no passado era feita de modo mais ritual, em grandes festas onde se "quebravam as tábuas", ou se queimavam os papiros e pergaminhos.<ref>{{citar livro|título=Slavery in Classical Antiquity: Views and Controverses|ultimo=FINLEY|primeiro=Moses|editora=W.Heffer and Sons.|ano=1960|local=Cambridge}}</ref> Entre documentos históricos onde se encontram referências as cerimônias de perdão de dívidas está a Bíblia, que vai além pois refere-se também à sua institucionalização - ou estipulação de regras de como, quando ou onde deveria ocorrer. É o caso da Lei do [[Jubileu (catolicismo)|Jubileu]], citada em [[Deuteronômio]] e [[Levítico]], que mencionam que a cada 7 anos todas as dívidas deveriam ser canceladas, e a cada 50 propriedades deveriam ser devolvidas, bem como pessoas deveriam ser libertadas.
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Também pode ajudar a pensar a história passada do dinheiro a partir de um ponto de ruptura crucial com o passado comunal, que foi a centralização do [[poder]] nos grandes [[Império|impérios]] que se organizaram militarmente, e que se expandiram graças a dinâmica entre [[Militarismo|militarização]], [[escravização]] e [[taxação]] que tinha na moeda cunhada seu principal dispositivo operacional. Estes impérios, que dão as bases para a civilização moderna no Oriente e no Ocidente, são os da [[Lídia]] ([[Grécia Antiga|Grécia]]), da [[Índia]] e da [[China]].
Entre os anos de 800
[[Ficheiro:Maximinus_denarius_-_transparent_background.PNG|esquerda|miniaturadaimagem|219x219px|Antigo [[denário]] [[Roma antiga|Romano]].]]
As moedas cunhadas, com brasões dos governantes e símbolos numéricos, passaram a circular muito mais que no passado pois os governos exigiam que elas fossem utilizadas nos pagamentos de impostos (como ocorre também nos nossos dias, dando aos governos o poder de [[senhoriagem]], ou de produtor monopolista da moeda que todos precisam usar). Que sua importância tivesse a ver com ser essa moeda de ouro ou a prata (metais raros e valiosos) não é o mais provável, pois primeiro essa monetização das trocas tem de "pegar" (ser aceita por todos) para então a demanda por metais crescer. O mais provável é que primeiro venha o exército gastando os [[Soldo (moeda)|soldos]] (pagamento dos soldados) recebidos pelo Estado por onde que que ande a conquistar/invadir; depois vem a aceitação dessa moeda estatal por parte daqueles que estão sendo subjugados a pagarem impostos e a fazerem-no nesta moeda; aí então vem a necessidade de material físico para a cunhagem, que serão os metais obtidos graças a escravização dos invadidos. <ref>{{citar livro|título=The Nature of Money|ultimo=INGHAM|primeiro=Geoffrey|editora=Polity Press|ano=2004|local=Cambridge}}</ref>
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Pesquisadores como [[Karl Polanyi]], Mitchell Innes, [[Michael Hudson]], entre outros, destacam essa proximidade entre escravismo, militarismo e moeda estatal, como estando por trás do fortalecimento de uma economia mercantil e impessoal no [[Mediterrâneo (desambiguação)|Mediterrâneo]], [[China]] e [[Índia]] - uma vez que a demanda generalizada por esta moeda cujo curso foi forçado pelo poder (bélico inclusive) do Estado fazia com que as pessoas se envolvessem cada vez mais em transações monetárias. Se, por um lado, isso trouxe um novo vigor à vida econômica, trouxe novamente, ainda que de forma diferente, as crises devidos ao acúmulo de dívidas que, não perdoadas, implicavam perda de condições objetivas de vida. Sendo assim, as revoltas terão lugar novamente e cada um dos grandes Impérios perecerá cada um ao seu modo. No caso europeu, o fim do [[Império Romano]] será também o fim da moeda estatal, ainda que ela continuasse a circular por séculos.
Falando exclusivamente da Europa - berço da [[Idade Moderna|civilização moderna]] Ocidental e do [[Capitalismo]] como [[modo de produção]] que transformará o dinheiro em capital - pode-se dizer que o dinheiro amoedado de um governo forte central desapareceu durante toda a [[Idade Média]]. De fato, mesmo que moedas de ouro e prata romanas ainda circulassem, não eram usadas no cotidiano nem das populações citadinas (bastante diminuídas nesse período) nem das numerosas populações rurais; e mesmo nas transações mais robustas do comércio de curta distância e longa distância o ouro, prata e cobre utilizados valiam como tais e não pelo brasão que ostentavam. Assim, do mesmo modo como o poder esfacelou-se no mundo [[Feudalismo|feudal]], as moedas circulantes eram inúmeras e, na prática, foram subjugadas novamente pelo dinheiro de crédito que servia muito bem às comunidades reduzidas, mais uma vez, aos seus laços de proximidade e consanguinidade.[[Imagem:Pennies.jpg|thumb|direita|250px|O ouro encanta e confunde.]]A decomposição feudal foi lenta e se deu principalmente: pela transformação do trabalho obrigado dos [[Servidão|servos]] nas terras de domínio dos [[Senhores feudais|senhores]] em prestações pagas em gêneros ou dinheiro, o que estimulou a retomada do cálculo pessoal e a luta pelo trabalho livre e propriedades camponesa; e pela retomada do comércio, reativação das [[Feira|feiras]], do [[artesanato]] no âmbito das [[Corporações de ofício|corporações]] citadinas, e da vida urbana em geral<ref>{{citar livro|título=História do capitalismo de 1500 a nossos dias|ultimo=BEAUD|primeiro=Michael|editora=Brasileinse|ano=1987|local=São Paulo}}</ref>. O dinheiro ligado ao comércio, e a uma mercadoria em particular, volta à cena. Mas esta retomada do comércio ocorre numa sociedade em revolução interna, tendo lugar algo como um capitalismo mercantil que dribla as proibições morais, religiosas e legais (que proibiam a chamada usura, ou cobrança de juros dos endividados) que sempre rondaram o dinheiro e ele passa a ser [[negócio]] como nunca antes. Nesse caso, certificados em papel de depósitos de itens de comércio nos portos (como cargas de especiarias ou escravos), de jóias e bens de luxo em lojas de penhores, de quantidades de ouro e prata em casas que os seguravam, passaram a ser aceitos/negociados em bancas de trocas que deram origem aos [[Banco|bancos]]. Além disso, essa mobilização de diversos tipo de moedas privadas acontece ao mesmo tempo que o renascimento dos [[Estado|Estados]]. Desta vez, pequenos (se comparados a dimensão territorial dos antigos impérios) estados nacionais se formam quase simultaneamente na Europa, menos ligados a etnias, castas e exércitos e mais ligados a classes e seus negócios (exércitos ficam mas sob mando dos poderes/burocracias do Estado). A moeda estatal passa a ser novamente central. Um governante (rei ou presidente) não pode precisar de um dinheiro que não emita, não pode dever a um banqueiro privado qualquer, mas ao seu próprio (o [[Banco central|Banco Central]] Holandês e o Inglês nascem já no século XVII).
Os Estados modernos passaram a cunhar novamente moeda em metal - em ouro as de maior [[valor]], em prata e cobre as de valores menores - mas rapidamente passaram a emitir [[papel-moeda]] que, a depender da época, sequer necessitavam de assegurar um [[lastro]] em metal (como o fez a Suécia no em 1660). <!--Veja-se, um pouco mais de perto, o caso inglês. Nos anos de 1690 a coroa em vez de meramente buscar crédito junto aos banqueiros privados, usa um destes bancos (mais tarde tornado o Banco da Inglaterra, com funções de Banco Central) para emitir títulos de dívida assegurados pela posse exclusiva dos saldos do governo e pelo fato de ser a única empresa com permissão para emitir notas bancárias. Os credores do governo, compradores dos títulos, dariam portanto dinheiro ao governo (o ouro ainda era a moeda para o comércio mais robusto, internacional em particular) e emitiriam notas contra os títulos do governo, denominadas neles, que poderiam ser emprestadas. Vide https://en.wikipedia.org/wiki/Bank_of_England-->O importante era produzir a moeda nacional como instituição fundamental da nação. Essa moeda, desde então, carrega acima de tudo um nome, e as moedas privadas (bancárias) devem ser nomeadas pelo mesmo, e reguladas pela autoridade central.
A partir do século XVII, o dinheiro que já havia existido como registros regulados por regras sociais desde há 5000
Na passagem do dinheiro-mercadoria ao dinheiro-dívida de papel, houve muito tumulto público, e discussão teórica, sobre a insegurança para a reprodução da vida econômica graças aos poderes que bancos, públicos e privados, ganhavam com isso<!--"Em 1705, John Law, na Escócia, publicou Money and Trade, que examinou o fracasso da moeda baseada em metal nos 150 anos anteriores e propôs substituí-lo por um sistema de papel moeda com um banco de terras baseado no valor do imobiliário. Embora tenha conseguido fazer com que essa proposta fosse implementada, não conseguiu aproveitar seriamente as lições da Revolução Espanhola de Preços e o seu banco falhou, com uma bolha especulativa explodindo em inflação extrema." In https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_monet%C3%A1ria-->.[[Imagem:papelmoeda1810.jpg|thumb|esquerda|180px|Primeiro bilhete de banco, emitido pelo Banco do Brasil em 1810.]]Os temores quanto aos poderes dos criadores de moeda por vezes faziam com que economistas, políticos e cidadãos defendessem a manutenção de lastro ou conversibilidade entre as notas de papel e os metais. Os economistas mantiveram embates vigorosos desde o século XV, entre [[Bulionismo|Bulionistas]] e Antibulonionistas, [[Metalismo|Metalistas]] e Chartalistas, ''Currency School'' e ''Banking School,'' até chegar ao século XX com os debates entre ''[[Monetarismo|Monetaristas]] e [[Economia institucional|Institucionalistas]].''
[[Ficheiro:One bitcoin sitting atop bundles of US $100 notes.png|miniaturadaimagem|Bitcoin, a primeira cripto moeda]]
É fato que governos e bancos podem abusar de seus poderes de criação de moeda fiduciária, e, pior, podem produzi-la em excesso justamente quando não é o caso - como os bancos nas fases de prosperidade a fim de lucrar mais, o que os fazem dar créditos a negócios insólitos ou mesmo dirigir recursos novos a riqueza já existentes, criando as famosas bolhas -; ou quando os governos fazem o oposto e reduzem o gasto/produção de moeda nas fases de baixa da economia, o que só reforça esse movimento levando a crise e ao desemprego. Mas a melhor gestão da moeda não é conseguida atrelando-a a um bem escasso qualquer - seja o ouro, escasso por natureza, seja o [[Bitcoin|Bitcoin,]] escasso por planejamento de seus criadores.
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De fato, é impossível retirar do dinheiro sua dimensão política. E com o dinheiro de papel (e o eletrônico depois dele) isso fica mais evidente. Se em determinados períodos da história, um ou mais países mantiveram relações de paridade e conversibilidade com algum metal (como durante vários períodos da história européia e em particular durante a vigência do [[Padrão-ouro|padrão Libra-ouro]] na Inglaterra do final do século XIX e início do XX), isso se deveu a um estratagema para se manter a confiança necessária na moeda, e, por tabela, no Estado. Estratagema esse que previa também a sua suspensão, caso necessário (como também ocorrera na Inglaterra com a [[Bank of England|Lei de Restrição Bancária de 1797]], quando as trocas de notas por ouro foram proibidas por mais de 20 anos). Mas mesmo que a conversibilidade em ouro seja apenas um artifício usado numa ou outra época (o foi novamente no [[Bretton Woods|padrão Dólar-ouro]] no pós segunda -guerra), ela imprimiu uma marca no imaginário popular que, ainda hoje, cidadãos desconfiados dos super poderes do Estado e/ou bancos e todo o [[sistema financeiro]], pleiteiam-no como necessário e suficiente para os regular.
Essa atitude é não só compreensível quanto necessária, o problema é que a crença em algo natural que se imponha aos embates político-econômicos pode eximir os cidadãos de uma ação política mais pertinente de controle desses poderes.<ref>{{citar livro|url=https://dowbor.org/wp-content/uploads/2012/06/a_era_do_capital_improdutivo_2_impress%C3%A3oV2.pdf|título=A Era do Capital Improdutivo|ultimo=DOWBOR|primeiro=Ladislau|editora=Autonomia Literária|ano=2017|local=São Paulo}}</ref><ref>{{citar livro|título=O Minotauro global – A verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia|ultimo=VAROUFAKIS|primeiro=Yanis|editora=Autonomia Literária|ano=2016|local=São Paulo}}</ref>
37. |ultimo=LERNER |primeiro=Jaime |pagina=312-317}}</ref>
Em resumo, ao longo de sua longa história o dinheiro foi se tornando cada vez mais o que era em sua essência, algo virtual. Ou seja, o dinheiro vai se estabelecendo historicamente como aquilo que sempre foi, uma ideia ou [[significado]] abstrato que é incorporado num [[significante]] concreto (as moedas do que quer que seja). Pode-se dizer assim que o dinheiro é uma ideia. Uma ideia abstrata que se concretiza pelas regras que a fazem operar entre os humanos. Mas acima de tudo, o que essa ideia carrega são os compromissos concretos assumidos entre os humanos no tempo. Assim, como dizia Keynes<ref>{{citar livro|url=https://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Keynes,%20John/Keynes%20-%20Os%20economistas.pdf|título=Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda|ultimo=KEYNES|primeiro=John Maynard|editora=Nova Cultural|ano=1996|local=Rio de Janeiro}}</ref> na sua [[A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda|Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda]], o dinheiro é elo entre o presente e o futuro, e isso não apenas porque simboliza apostas privadas sobre valorização futura deste ou daquele ativo ou itens de riqueza, mas porque compromete os homens a produzi-los.
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