Cultura: diferenças entre revisões

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Um problema conceitual do método etnográfico é a sua abordagem categórica, portanto o comportamento pode ser genético, ecológico ou cultural, essa ideia evoca o debate natureza-criação associado a visões polarizadas que são rejeitadas pelos desenvolvimentistas comportamentais ref 11. Claramente, os genes, a ecologia e o aprendizado influenciam o comportamento dos vertebrados, portanto, para identificar a variação cultural, não é suficiente apenas descartar a possibilidade de que a variação no comportamento constitua respostas não aprendidas a diferentes pressões de seleção, mas também é necessário considerar a possibilidade de variação genética precipitar diferentes padrões de aprendizagem ref 6. Mesmo que as diferenças entre os locais coincidam com as diferenças genéticas, isso não exclui a cultura. É concebível que espécies diferentes possam ter desenvolvido predisposições para aprender algumas associações mais prontamente do que outras, como o observado em macacos rhesus (Macaca Mulatta), que adquirem medo de cobra através da observação, porém, não são facilmente condicionados a temer outros objetos ref 12. Contudo, a detecção de covariáveis ​​genéticas continua a ser um problema para o método etnográfico que trata como cultural aquela variação de comportamento que permanece após a exclusão de fatores genéticos e ecológicos ref6.
 
==== Transmissão cultural ====
Independentemente de como a cultura é tratada ou definida, um componente indispensável que deve estar presente em todo grupo animal que admite-se ser detentor de cultura é o da transmissão cultural. Esta transmissão de comportamentos entre os diversos indivíduos componentes de um grupo, em geral, ocorre por meio de algum grau de aprendizagem social. Esta aprendizagem depende de adaptações sócio-cognitivas que permitem com que os indivíduos explorem os benefícios de seu mundo social, assim como lidar com aspectos hostis, a partir da interação com seus pares e aprendizado por meio de imitação ou modificação de algum comportamento.ref 13 Esta aprendizagem social, que pode ou não estar relacionada com técnicas de descoberta; curiosidade social; resolução de problemas sociais; inovação; flexibilidade; perícia social; jogo social; leitura de mente; e autoconsciência, permitem com que os indivíduos se tornem mais inteligentes e com comportamentos mais complexos ref 14, tornando a transmissão cultural como um fator que acompanha comportamentos específicos, manutenção e persistência desses comportamentos em determinadas populações.
 
==== Sociabilidade ====
A sociabilidade é um dos fatores indispensáveis para a existência e estabelecimento de uma cultura. Pode-se considerar a sociabilidade como uma resposta de sobrevivência às pressões evolutivas ref 15. Existem, na natureza, diversos graus de sociabilidade, desde padrões pré-sociais ref 16, subsociais, parassociais e eussociais ref 17. Destes, o último padrão é o reconhecido dentro dos animais conhecidos por possuir cultura. Tendo em vista a habilidade de transmissão cultural e o grau de sociabilidade presente nos grupos animais, pressupõem-se que existem formas de comunicação entre os indivíduos, seja de forma visual ou, como é bem estudado, por meio da transmissão de culturas vocais.
 
==== Culturas vocais ====
O termo aprendizado vocal  tem sido usado para descrever a influência da aprendizagem em uma variedade de diferentes aspectos da comunicação vocal, pode afetar a geração de sons, seu uso e sua compreensão. ref 18.
 
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Estudos do canto da baleia jubarte Megaptera novaeangliae mostraram que todos os machos em uma população compartilham a mesma música a qualquer momento, mas a música muda gradualmente ao longo da temporada de canto ref 26, casos que podem ser usados ​​para investigar o significado e os mecanismos de transmissão cultural.
 
==== Evolução cultural em animais: ====
A evolução cultural se refere ao surgimento e formação de capacidades culturais, não apenas diferentes formas de aprendizagem social, mas também outras capacidades, como poderes de inovação comportamental, e suas consequências nas manifestações de tradições.  Por exemplo, a transmissão cultural por meio da aprendizagem social foi identificada em todas as classes de vertebrados. A aprendizagem social encontra-se bem estabelecida em alguns invertebrados também, notavelmente insetos.
A primeira evidência empírica significativa para a cultura animal surgiu em meados do século passado, incluindo a identificação de dialetos do canto dos pássaros ref 27, aprendizagem social do canto dos pássaros ref 28  e a identificação de novos comportamentos de processamento de alimentos por macacos japoneses ref 29.
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Jovens orangotangos tendo a dieta igual a mãe, com a adoção cruzada entre espécies com tamanhos de tetas diferentes constatou-se que  os jovens correspondiam às preferências alimentares dos pais adotivos ref 34, 35.
 
==== Coevolução gene-cultura: ====
A coevolução gene-cultura é um fenômeno bem estabelecido em humanos. O exemplo mais conhecido é a tolerância à lactose caracterizando culturas baseadas em laticínios e não outras, mas casos diferentes são cada vez mais revelados conforme os dados genômicos se acumulam ref 36. A expressão “coevolução gene-cultura” implica que os dois sistemas de herança evoluem em conjunto, o que é muito plausível, dadas as evidências presentes, mas a causalidade bidirecional implícita da expressão carece de muitas evidências diretas, mesmo no caso humano. A maioria dos efeitos inferidos, sejam humanos ou animais, dizem respeito a como a cultura pode moldar a evolução de base genética. Por exemplo, estudos comparativos de primatas revelaram associações entre medidas de complexidade cultural, encefalização e a duração do período juvenil, sugerindo que a seleção favoreceu tais adaptações para facilitar a confiança de uma espécie na aquisição de extensas informações culturais ref 37, 38.
 
=== Cultura em Chimpanzé ===
 
==== Chimpanzés têm cultura? ====
Os chimpanzés são considerados os primatas não-humanos mais estudados até o presente [ref 1]. Diferentes autores propõem que padrões de comportamento socialmente transmitidos podem ser chamados de culturais [ref 2, 3], diferindo as culturas humanas das não humanas pela capacidade de reter comportamentos por gerações (também conhecido como efeito cumulativo) [ref. 4]. Diretamente, cultura de chimpanzé é definida como variações de comportamentos, cuja causa não é estritamente genética, nem ecológica [ref. 5]. Por isso, para os antropólogos, os fenômenos registrados, quantificados e definidos pela maioria dos primatólogos como cultura não correspondem às concepções antropológicas de cultura. Mesmo apenas sob uma perspectiva, como a evolutiva, há diferentes pontos de vista quando se trata de pensar em semelhanças e diferenças entre humanos e chimpanzés.
 
Alguns antropólogos adotaram seis critérios para identificar a cultura: inovação, disseminação, padronização, durabilidade, difusão e tradição [ref. 6].. A estes fatores, McGrew e Tutin (1978) [ref. 7] acrescentaram a não-subsistência (comportamentos não associados à sobrevivência) e a naturalidade (comportamento não estimulado por influência humana). Assim, embora até então nenhuma população de chimpanzés apresente todas essas características simultaneamente, cada critério corresponde a dados sobre o comportamento que merecem ser considerados [ref. 6]. Alguns primatólogos mundialmente reconhecidos por suas pesquisas com chimpanzés [ref. 8;9; 10; 11; 12] têm afirmado que o questionamento sobre a validade do termo ‘cultura’ para definir os padrões variantes de comportamento entre chimpanzés selvagens é baseado exclusivamente em antropocentrismo, então, a afirmação de cultura em chimpanzés vai variar de acordo com a literatura.
 
Além disso, atualmente, o que parece ser muito valorizado em relação ao comportamento de chimpanzés, frente a outras espécies, são dois aspectos centrais: a ‘variação’ e a ‘transmissão’ [ref. 13, 14]. Ainda, chama-se atenção também para os arranjos singulares de cada conjunto de comportamentos que particulariza cada grupo como único [ref. 12], como ocorre entre culturas humanas. Esses aspectos, às vezes, são observados juntas e relacionadas; e em alguns estudos, são tidos como fenômenos distintos em termos de impacto e importância [ref. 4]. Há algumas décadas, foi ressaltado que os chimpanzés aprendem, mas não ensinam porque não elaboram e não transmitem conceitos abstratos [ref. 16]. Entre eles, estão o aprendizado imitativo, a conformidade às normas, às repetições entre outros. Sendo que nesse grupo, cada um desses aspectos parece evoluir devido aos benefícios que eles oferecem aos indivíduos e não ao coletivo[ref. 17].
 
Um estudo sistemático que avaliou cerca de 150 anos de observações identificou 39 variantes culturais que eram habituais ou costumeiras em pelo menos uma comunidade de chimpanzé. Este é um número sem precedentes de variantes para todas as sociedades, exceto as humanas [ref. 17, 18,19]. Múltiplas tradições foram identificadas apenas em chimpanzés e humanos e isso, segundo muitos primatologistas, marca a diferença entre culturas humanas e de chimpanzés e outras tradições animais, como os macacos prego [ref. 21] entre outros [ref. 9; 12]. Na verdade, a maioria dos estudos que identificam as tradições dos animais tendem a relatar apenas uma. Essa análise para chimpanzés também abrangeu amplamente o repertório comportamental da espécie, incorporando técnicas de forrageamento; uso de ferramentas para alimentação, conforto, higiene e comunicação; e comportamentos sociais e sexuais [ref. 21].
 
Dean e colaboradores (2012) [ref. 22] chegaram a conclusões semelhantes ao comparar os conjuntos de habilidades sociocognitivas de crianças humanas, chimpanzés e macacos-prego. Eles verificaram que há distinções fundamentais entre os grupos no que tange a capacidade de ensinar predominantemente por instrução verbal, imitação e pró-sociabilidade ou altruísmo. Assim, enquanto para chimpanzés e macacos-prego interagir com os aparatos usados nos testes de laboratório significa procurar recursos favoráveis a eles mesmos, para os humanos esses dois fatores foram fundamentais para promover uma performance de alto nível que os pesquisadores associam diretamente à capacidade cumulativa da cultura humana que seria o maior diferencial entre as culturas humanas e as culturas de outros animais [ref. 22, 23].
 
Pensando nas variedades de comportamentos de chimpanzés, um dos fenômenos predominantemente enfatizado nas análise das variantes dos comportamentos é a produção e o uso de ferramentas, sendo que já foram relatados cerca de 20 tipos em cada grupo [ref. 4], [ref. 24].
 
==== Ferramentas ====
A descoberta da fabricação e do uso de ferramentas por chimpanzés foi um dos achados mais relevantes do século XX.  Ela também oferece fortes evidências acerca da variabilidade de comportamentos, num formato materializado [ref. 4], que possibilita a exploração paleoantropológica, que, além dos ossos, busca, nas ferramentas, indícios para gerar modelos sobre comportamento [ref. 25,26, 27]. Muitos primatólogos chamam de ‘cultura material’ a produção e o uso de ferramentas por chimpanzés, bem como as variações intergrupais desses padrões [ref. 8, 28, 29, 30]. Foi observado que a dispersão no uso de ferramentas depende das condições de forrageamento, de inteligência e de tolerância social [ref. 31]. Eles classificam pelo menos seis formas distintas de uso de ferramentas por primatas, como: “intimidação de predadores ou rivais”, “ferramentas de uso defensivo”, “caça” (só por hominídeos), “display social”, “limpeza de partes do corpo”, “extração de insetos, de produtos de insetos” ou “quebra de castanhas” [ref. 31].
 
Estudos experimentais recentes com chimpanzés selvagens podem ser relevantes para elucidar essas descobertas, como por exemplo: alguns pesquisadores perfuraram buracos pequenos demais para dedos de chimpanzés em troncos caídos e preenchidos com mel em duas comunidades de chimpanzés em diferentes partes de Uganda. Chimpanzés nas comunidades de Kanyawara costumam usar ferramentas de bastão para extrair vários recursos, mas o uso de ferramentas de bastão está ausente no repertório do segundo grupo de Budongo, que utilizou outros materiais como ferramenta, incluindo folhas mastigadas como esponjas para tirar a água dos buracos naturais [ref. 17; 32]. Assim, estudos de Van Schaik e Pradhan (2003) mostram que o uso de ferramentas por chimpanzés selvagens é uma expressão de cultura, no sentido de tradição, pois está associada à rotina e é, geralmente, amplamente difundida na população [ref. 33]